No Brasil, os direitos dos transgênero têm sido um tema cada vez mais debatido e abordado em termos legais e sociais, passando por avanços no reconhecimento e na proteção não apenas das pessoas trans, mas de toda a comunidade LGBTQIA+. No entanto, trata-se de um grupo vulnerável que continua sendo alvo frequente de violência e discriminação.
Relatórios de organizações de direitos humanos apontam altos índices de homicídios e violência. De acordo com dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), o Brasil é o país com mais casos de assassinatos de pessoas trans no mundo, sendo responsável por cerca de 38% das ocorrências.
Além disso, há diversos desafios relacionados à exclusão familiar, social e profissional, expondo as pessoas trans a maiores riscos de violência e marginalização. Neste texto, abordamos algumas iniciativas presentes na legislação brasileira para reduzir esses problemas e aumentar a segurança jurídica e a proteção à dignidade das pessoas trans. Continue a leitura!
A definição de transgênero
Para compreendermos as discussões em torno dos direitos das pessoas trans, é importante estabelecer alguns conceitos. Transgênero é um termo usado para descrever pessoas cuja identidade de gênero difere daquela que lhes foi atribuída no nascimento, com base em características físicas.
Cabe esclarecer que essa é uma ideia diferente da de sexualidade: esta se refere à orientação sexual, enquanto aquela se relaciona à identificação de um indivíduo sobre seu pertencimento ao gênero masculino ou feminino, independentemente das características anatomofisiológicas.
O termo "transgênero" tem uma história relativamente recente, mas sua evolução está profundamente ligada ao movimento de direitos civis e à luta por reconhecimento e igualdade das pessoas. No CID-10, da Organização Mundial da Saúde (OMS), a transexualidade era classificada como uma "transtorno de identidade de gênero" na categoria dos transtornos mentais (F64.0).
Somente em 2013, o DSM-5, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, introduziu uma mudança significativa em relação às edições anteriores ao remover a "Transexualidade" como um transtorno mental e substituí-la pelo termo "Disforia de Gênero". Embora ainda seja classificada como uma condição de saúde mental, essa mudança reflete uma abordagem menos patologizante da identidade de gênero.
Os direitos dos transgênero hoje
Não há legislação específica sobre os direitos das pessoas transgêneras no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, há algumas políticas públicas, além da previsão de igualdade material como parte dos direitos e garantias fundamentais em nossa Constituição, bem como da defesa à dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil.
No mais, a proteção jurídica das pessoas transgêneras tem sido pautada por princípios e normas internacionais de Direitos Humanos, como o famoso Pacto de São José da Costa Rica, bem como decisões e atos normativos infralegais. Abaixo, comentamos alguns dos principais. Veja!
Mudança de registro civil
O uso do nome social por pessoas transgênero têm sido amparado em diversas diretrizes. O Ministério da Saúde emitiu a Portaria n.º 2.803/2013, para assegurar o direito de uso do nome social nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como ao atendimento livre de discriminação e com acolhimento humanizado das pessoas trans.
Vale destacar que a norma também institui o chamado "Processo Transexualizador", prevendo atendimento especializado, habilitação de alguns estabelecimentos para realização de procedimentos cirúrgicos e hormonioterapia.
Em 2016, foi editado o Decreto nº 8.727 dispondo sobre o uso de nome social e reconhecimento de identidade de gênero no âmbito da Administração Pública federal. O Ministério da Educação também editou a Resolução nº1/2018, estabelecendo o uso de nome social nos registros escolares da educação básica e superior.
Nessa toada, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a mudança de nome por pessoas trans nos registros civis não depende de comprovação de cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais (Acórdão da ADI 4275/2018).
Conforme o colegiado, a alteração depende apenas de autoidentificação firmada em declaração escrita. Esse direito, segundo o julgado, fundamenta-se no direito à liberdade pessoal, à honra e à dignidade.
Ambiente inclusivo em escolas
A Resolução nº 12/2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNDC/LGBT), estabeleceu parâmetros para a garantia de condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais em escolas.
No seu Art. 6º, a Resolução prevê que seja garantido o direito de usar banheiros, vestiários e demais espaços normalmente segregados por gênero conforme a identidade de cada indivíduo.
Previsão penal por injúria transfóbica
Reconhecendo omissão constitucional na redação da nossa Carta Magna, o STF aprovou, em 2019, a tese que enquadra atos homofóbicos e transfóbicos no crime de racismo. Mais recentemente, a Suprema Corte determinou que essas condutas sejam equiparadas à injúria racial.
Projetos de lei em tramitação
Embora a legislação a respeito ainda seja incipiente no Brasil, há alguns projetos de lei em andamento nas casas do Congresso Nacional para aumentar a segurança jurídica dos direitos relacionados às pessoas transgênero. Veja alguns deles.
PL 5.002/2013
O projeto "João Nery" ou "Lei de Identidade de Gênero", como é conhecido, foi proposto com o objetivo de facilitar a alteração de nome e gênero nos registros civis. Além disso, prevê a facilitação do acesso às cirurgias de transexualização, incluindo as de modificação genital e de tratamentos hormonais.
PL 5255/2016
Esse projeto, apresentado à Câmara dos Deputados e apensado ao PL 1475/2015, versa sobre o registro de bebês recém-nascidos sob o estado de intersexo, isto é, sem que seja definido como feminino ou masculino. O objetivo é que a declaração de gênero se dê mais tarde, pelo próprio indivíduo.
PL 5034/2023
Apensado ao PL 737/2022, que criminaliza terapias de conversão ou outros tratamentos de repressão à orientação sexual, ou identidade de gênero, a proposição 5034/2023 busca equiparar essas condutas ao crime de tortura, nos termos da Constituição Federal (Art. 5º, XLIII).
Diante desta leitura, você viu que o panorama sobre os direitos dos transgêneros no Brasil é marcado por uma interseção de avanços legais, desafios sociais e políticos. Estudar sobre essas questões é importante para a prática jurídica, bem como para garantir o pleno exercício dos direitos humanos de todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero.
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