Você sabe quais são os direitos fundamentais dos transexuais? Apesar de ser um tema cada vez mais discutido hoje em dia, muitas pessoas — inclusive os profissionais do Direito — não conhecem de maneira aprofundada sobre o assunto.
Contudo, entender sobre o assunto possibilita que os advogados que se interessam e pretendem atuar no ramo possam qualificar ainda mais o seu escritório em uma área atual e, inclusive, muito importante para a igualdade de gêneros.
Se você deseja descobrir todos os detalhes sobre os direitos fundamentais dos transexuais para que seja possível atuar na área, acompanhe o post.
O que caracteriza o transexual?
Os transexuais são pessoas que se reconhecem em um gênero diferente do que lhes foi atribuído no nascimento. É válido ressaltar, inclusive, que a orientação sexual e a identidade de gênero não são a mesma coisa e não devem ser confundidas.
A orientação sexual, em todos os casos, está relacionada à atração sexual e afetiva que uma pessoa sente por outra. Assim, ela está diretamente ligada ao prazer físico e emocional por algum parceiro.
Temos, por exemplo, alguma das orientações sexuais:
- heterossexuais — se atraem pelo sexo oposto;
- homossexuais — se atraem pelo mesmo sexo;
- bissexuais — se atraem por ambos os sexos;
- assexuais — não sentem desejo sexual;
- pansexuais — se sentem atraídos por todos os gêneros.
A orientação sexual também não conta com um padrão comportamental. Razão essa pela qual um homossexual — alguém que se relaciona com outras pessoas do mesmo sexo — não precisa, necessariamente, assumir determinado comportamento apenas em razão de sua orientação, uma vez que é possível que um indivíduo gay se sinta bem com o seu corpo biológico.
Entender esses conceitos é fundamental para que seja possível compreender a identidade de gênero. Os transexuais são pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico, ou seja, apresentam uma identidade diferente para ele — por exemplo, uma mulher biológica que se identifica como homem ou um homem biológico que se identifica como mulher.
Então, como mencionado, a identidade de gênero não está relacionada com a orientação sexual. Assim, é possível que uma pessoa seja transexual e não se atraia por pessoas do mesmo sexo, não sendo homossexual, por exemplo.
É comum que os transexuais queiram assumir, de forma definitiva, o corpo que se identificam. Por essa razão, com frequência eles se submetem a procedimentos de redesignação sexual e terapias hormonais para chegar a este objetivo. Entretanto, é válido ressaltar que essa não é a regra. Um transexual pode, sim, estar satisfeito com o próprio corpo e não precisar fazer nenhum tipo de cirurgia.
Dessa maneira, a orientação sexual é a expressão individual da sexualidade. Já no caso da identidade de gênero, o que é levado em consideração é a identificação do indivíduo com o seu sexo, ou seja, como ele se sente (homem ou mulher), independente de seu sexo biológico.
O que a legislação brasileira diz a respeito dos transexuais?
Agora que você já conhece o conceito da transexualidade, vamos apresentar, a seguir, o que a legislação brasileira diz a respeito de diferentes pontos!
Constituição Federal
A Constituição Federal em seus princípios constitucionais protege de maneira inequívoca e explicita o direito a liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana a todos os cidadãos.
Em razão desses princípios — que são, inclusive, base dos direitos humanos —, é possível compreender que aos transexuais faz jus o respeito de maneira plena e íntegra, assim como aos demais cidadãos, sem sofrerem com qualquer tipo de diferença que prejudique ou menospreze o grupo.
Direito à Saúde
O direito à saúde é assegurado pelo artigo 196 da Constituição Federal, que estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Especificamente para pessoas transexuais, o Decreto nº 7.508/2011, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), e portarias do Ministério da Saúde, como a Portaria nº 2.803/2013, garantem a oferta de serviços especializados no processo transexualizador.
O SUS disponibiliza acompanhamento integral às pessoas transexuais, abrangendo:
- Acompanhamento psicológico: Fundamental para apoiar a compreensão da identidade de gênero e oferecer suporte ao bem-estar mental.
- Terapia hormonal: Disponível para adequação das características sexuais secundárias.
- Cirurgias de redesignação sexual: Realizadas com base em protocolos médicos e critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, respeitando a autonomia e necessidade de cada pessoa.
Esses serviços promovem a integralidade do cuidado e o respeito à individualidade de cada pessoa, reforçando o direito à saúde como um dos pilares da dignidade humana.
Proteção Contra Discriminação e Violência
A Constituição Federal, no artigo 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, sendo complementada pelo inciso XLI, que proíbe a discriminação de qualquer natureza. O Decreto nº 8.727/2016 regula o uso do nome social em órgãos públicos, enquanto a Lei nº 13.185/2015, que trata do bullying, protege contra atos de discriminação e violência, inclusive motivados por identidade de gênero.
Transexuais têm direito a viver sem violência física, psicológica ou simbólica. Isso inclui:
- Proteção contra agressões motivadas por preconceito, seja em ambiente público ou privado.
- Garantia de investigação e punição de crimes de transfobia, considerados como discriminação ou violência de gênero.
- Atendimento humanizado e acolhedor por parte de instituições públicas de segurança e justiça, como delegacias especializadas.
A promoção de políticas públicas voltadas à segurança e conscientização social também é essencial para combater a transfobia.
Inclusão no Mercado de Trabalho
A Constituição Federal (artigo 7º, XXX e XXXI) e a Lei nº 9.029/1995 proíbem a discriminação por motivos de gênero no ambiente de trabalho. A Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, também assegura igualdade de oportunidades e tratamento no emprego, independentemente de identidade de gênero.
Pessoas transexuais têm direito a:
- Condições igualitárias de acesso ao emprego: A discriminação na fase de recrutamento ou contratação é proibida.
- Ambiente laboral inclusivo e respeitoso: Garantia de uso do nome social, respeito à identidade de gênero e combate a atitudes transfóbicas no trabalho.
- Promoção de políticas corporativas inclusivas: Empresas são incentivadas a adotar práticas afirmativas para inclusão de pessoas transexuais no mercado de trabalho, contribuindo para a redução de desigualdades históricas.
Direito à Educação
O artigo 205 da Constituição Federal afirma que a educação é direito de todos e dever do Estado. O Decreto nº 8.727/2016 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/1990) reforçam a obrigatoriedade de proteção contra discriminação em instituições de ensino.
Na educação, transexuais têm direito a:
- Uso do nome social: Escolas, universidades e demais instituições devem respeitar a escolha do nome que reflete a identidade de gênero do indivíduo.
- Ambiente seguro e livre de bullying: Atos de violência física ou moral, baseados na identidade de gênero, devem ser prevenidos e combatidos por meio de políticas internas e conscientização da comunidade escolar.
- Acesso e permanência: Garantia de condições igualitárias para frequentar e concluir cursos em todos os níveis de ensino.
Esses direitos promovem a inclusão e o respeito à diversidade no ambiente educacional, contribuindo para a formação cidadã e profissional das pessoas transexuais.
Registro civil - Retificação do nome
Como vimos, uma pessoa transexual apresenta uma identidade de gênero diferente da designada no nascimento e, por essa razão, ela deseja viver e ser aceita da forma como ela se sente.
Dessa maneira, fica claro que, especialmente com relação aos transexuais, o nome recebido no momento do nascimento, o gênero de registro e demais documentos da vida civil são capazes de gerar sofrimento e constrangimento.
A Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), por sua vez, reconhece em seu Art. 55 que as pessoas maiores e capazes têm o direito de alterar seu prenome pelo seu apelido público, ou seja, pelo seu nome de identidade pública (art. 56) — situação que os transexuais se enquadrariam.
Contudo, a mesma lei também prevê que a mudança em cartório do nome civil só poderia ocorrer no primeiro ano em que o indivíduo atinge a maioridade — desde o momento em que o indivíduo completa 18 anos até o seu aniversário do ano seguinte. Com isso, depois de completar 19 anos a alteração só seria possível por meio de uma ação judicial.
Além disso, é necessário demonstrar uma razão satisfatória que justifique a alteração do nome, fator que enquadra os transgêneros e transexuais que não se identificam com o seu nome de batismo, independentemente de terem se submetido à cirurgia de redesignação sexual ou não.
Ocorre que, especialmente em razão do princípio da imutabilidade do nome e do Código Civil em seu artigo 1.604 — que dispõe que "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro" —, muitos juízes e desembargadores indeferiram pedidos de retificação de nome de transexuais.
A identidade costuma ser uma das maiores angústias do transexual, uma vez que o seu sexo psíquico não se identifica com seu sexo biológico. Não haver um entendimento unânime sobre a alteração do nome gerava diversos problemas ao grupo, pois, com isso, eles eram obrigados a conviver com o nome antigo que não cabia mais.
Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu a situação e determinou com 10 votos a favor e nenhum contra (na ocasião, o ministro Dias Toffoli não participou do julgamento), à luz do princípio liberdade e da dignidade da pessoa humana, que os transexuais têm o direito de mudar o nome social e, inclusive, o gênero no registro civil, mesmo nos casos em que não se submeteram à cirurgia de redesignação sexual.
Dessa maneira, hoje em dia, os transexuais maiores de idade podem alterar o seu nome social em qualquer cartório do país. Para tanto, basta apresentar a documentação necessária, como documentos de identidade, certidões da justiça eleitoral, comprovante de endereço etc.
É válido ressaltar, ainda, que há uma resolução da Corregedoria que estabelece que a apresentação de parecer psicológico ou laudo médico que ateste a transexualidade não é obrigatória, uma vez que não se trata de uma doença mental, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Assim, o transexual não tem mais a obrigatoriedade de apresentá-lo no momento em que for alterar o seu nome.
Cirurgia de redesignação sexual
Mais um dos temas relevantes aos transexuais é a cirurgia para redesignação sexual, que consiste em uma série de procedimentos que visam realizar alterações destinadas às mudanças corporais sexuais para que não haja mais a desarmonia entre identidade gênero e sexo biológico.
Para tanto, é necessário que o país conte com uma legislação pertinente à redesignação sexual. No Brasil, até o final dos anos 1990, esse tipo de cirurgia era proibida e aqueles que desejam realizá-la precisavam procurar por médicos em outros países ou se submeterem a procedimentos realizados em clínicas clandestinas.
Contudo, no ano de 2008, o governo brasileiro oficializou as cirurgias de redesignação sexual por meio da publicação da Portaria nº 457 e até mesmo instituiu o chamado "Processo Transexualizador" por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como objetivo modificar os traços físicos sexuais dos transexuais, mediante cirurgias ou tratamentos hormonais.
Dessa maneira, a redesignação sexual não se limita somente à cirurgia genital, uma vez que diferentes procedimentos podem ajudar na autoestima do transgênero, como a harmonização facial para feminilização ou masculinização.
Para os transexuais de ambos os gêneros, no Brasil, de acordo com a determinação do Ministério da Saúde, é preciso ter a idade mínima de 18 anos para que seja possível realizar procedimentos ambulatoriais, como a terapia com hormônios. Para a realização de procedimentos cirúrgicos, é preciso ter ao menos 21 anos. Já o acompanhamento psicológico pode e deve ser feito tanto por adultos quanto por crianças.
Além disso, é preciso ressaltar, ainda, que qualquer pessoa que procure no sistema de saúde público amparo em razão da incompatibilidade entre seu sexo biológico e seu gênero de nascimento faz jus ao atendimento humanizado e sem qualquer tipo de segregação.
Os direitos fundamentais dos transexuais representam pilares essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Sua plena realização depende não apenas de legislações adequadas, mas também de políticas públicas efetivas e de uma mudança cultural em direção ao respeito e à dignidade humana.
Para garantir o pleno exercício desses direitos, recomenda-se o acompanhamento de um advogado especializado, especialmente diante de violações ou obstáculos.
Sobre o tema, veja um modelo de alteração de registro civil.