Um processo judicial objetiva reparar um direito que foi corrompido. No entanto, ultrapassado o grande desgaste de um processo judicial, inicia-se um novo dilema: efetivar o cumprimento da decisão judicial.
Nessa fase, por vezes longa e complexa, muitos já se depararam com a frustração do descumprimento de uma ordem judicial e com o dilema da existência de poucas ferramentas para torná-la eficaz, exigindo do Advogado maior intervenção e técnica para fazer valer a decisão proferida.
Quer saber mais sobre o assunto? Neste post, você vai entender o que diz a Lei e as consequências jurídicas envolvendo o descumprimento de ordem judicial. Acompanhe a leitura e conheça mais sobre esse tema!
Sobre o tema, veja: MODELO em face do descumprimento de decisão judicial.
O que é o descumprimento de ordem judicial?
O descumprimento de ordem judicial é considerado como uma ofensa à estrutura judiciária. Trata-se de uma conduta classificada, inclusive, como crime de Desobediência pelo Código Penal:
Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Assim, em alguns casos mais graves, a pena de prisão pode ser requerida, conforme precedentes sobre o tema:
"(...) Não há espaço para imposição direta de multa à indigitada autoridade coatora por virtual descumprimento da medida liminar, mesmo porque está ela sujeita à prisão em flagrante delito pelo crime de desobediência, além das imposições cíveis e criminais que derivarem da resistência à ordem judicial, sendo, portanto, medida excepcional que deve ser avaliada em momento próprio. Provido em parte." (TJ-MG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.16.047869-9/001, Relator(a): Des.(a)Marcos Lincoln)
Todavia, se a letra fria da lei fosse aplicada, inúmeros seriam os casos passíveis de prisão por desobediência. Mas este não é um posicionamento majoritário adotado no nosso ordenamento brasileiro, sendo necessário buscar outras medidas coercitivas, mais eficazes.
Quais as consequências do descumprimento de ordem judicial?
Após esgotadas todas as medidas possíveis para a efetivação de uma ordem judicial, não resta outra alternativa senão requerer ao Juízo a adoção das medidas coercitivas mais severas para o efetivo cumprimento da decisão, nos termos do Art. 139 do CPC/15:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
A Lei tratou de conferir ao Juiz o poder necessário para dar efetividade às suas decisões, conforme destaca renomada doutrina, "O art. 139, IV, CPC, explicita os poderes de imperium conferidos ao juiz para concretizar suas ordens. A regra se destina tanto a ordens instrumentais (...) como a ordens finais (...)." (MITIDERO, Daniel. ARENHART, Sérgio Cruz. MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado - Revista dos Tribunais, 2017. Versão e-book, Art. 139.)
Razão pela qual, em proporção às razões demonstradas pelo requerente, o Juiz pode determinar medidas coercitivas mais severas para o efetivo cumprimento da decisão judicial. Vamos a algumas delas.
1. Astreintes
Trata-se da mais usual e conhecida pelos operadores do direito. Prevista no Código de Processo Civil/2015 em seu Art. 537, o pedido de multa diária ou por hora de descumprimento (astreintes), vem positivada nos seguintes termos:
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
Ao disciplinar o tema, os doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade destacam:
"O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A pena é inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo." (in Código de Processo Civil Comentado. 13ªed. Revista dos Tribunais. p.808)
Ou seja, trata-se de medida coercitiva que objetiva o cumprimento da decisão e não uma reparação ao descumprimento, sendo cabível, inclusive, em face da Fazenda Pública:
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANÁLISE CONCLUSIVA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) À FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. EXCLUSÃO OU REDUÇÃO DA MULTA. DESCABIMENTO.1. A cominação de multa e a sua imposição à Fazenda Pública se constitui como instrumento processual idôneo para compelir o ente ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta.2. O autor, ora agravado, não obteve decisão conclusiva no processo visando à sua aposentadoria por tempo de contribuição no prazo assinalado, motivo pelo qual a cominação de multa diária para o caso de descumprimento da obrigação, assim como o valor fixado, constitui medida arrazoada.3. Agravo de instrumento improvido. (TRF-4, AG 5039850-55.2022.4.04.0000, Relator(a): MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, QUARTA TURMA, Julgado em: 20/06/2024, Publicado em: 20/06/2024)
Trata-se do pedido e da medida coercitiva mais usual no judiciário, sendo eficaz nos casos em que a multa implica em penalidade indesejada ao Executado.
Veja MODELO com pedido de multa diária - astreintes.
2. Arresto e Sequestro
Para evitar o descumprimento de uma decisão, tem-se a possibilidade de se buscar previamente o arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem, dentre outras medidas, conforme dispõe o CPC/15:
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para assegurar o direito.
Para tanto, tem-se a necessidade de se demonstrar os requisitos da probabilidade do direito e risco ao resultado útil do processo, permitindo previamente o bloqueio para fins de que o interesse do exequente seja alcançado.
A doutrina nesse mesmo sentido, salienta:
"E, realmente, preenchidos os pressupostos de cabimento do art. 300, caput, ao órgão judiciário é dado, antecedente ou incidentemente, decretar o arresto ou o sequestro. O arresto possui exatamente a função de assegurar a execução de crédito em dinheiro, mediante expropriação; e o sequestro, a execução para entrega de coisa, através de desapossamento." (ASSIS, Araken de. Manual da Execução - Editora RT, 2017, e-book, 4. Institutos gerais da função executiva)
Para tanto, alguns sistemas informatizados conveniados com o judiciário podem ser utilizados, conforme menciona-se abaixo.
Veja MODELO de pedido de sequestro e arresto.
3. Penhora online, RENAJUD, SISBAJUD
Ao envolver bens e valores, cumpre destacar ferramentas eficazes de posse do Judiciário, tais como:
- Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI);
- Registro Imobiliário do Brasil (IRIB);
- Restrições Judiciais de Veículos Automotores (Renajud);
- Sistema de Informações ao Judiciário (Infojud);
- Sistema para a penhora on-line (Sisbajud).
Tais sistemas agilizaram exponencialmente a busca de patrimônio em nome da parte executada, devendo ser concedido ao requerente como forma de viabilizar o amplo acesso à Justiça:
SISBAJUD. EXTRATOS BANCÁRIOS DOS EXECUTADOS. Frustradas as diligências ordinárias na busca de patrimônio dos devedores, admite-se a utilização do SisbaJud para obtenção dos extratos bancários consolidados dos executados, medida condizente com o art. 139, IV, do CPC/2015, subsidiariamente aplicável ao processo laboral. Em atenção à unidade de jurisprudência, o período de abrangência da quebra de sigilo bancário deverá ser restrito a 180 dias. Agravo de petição a que se dá provimento.(TRT9 - Seção Especializada. Acórdão: 0010624-91.2016.5.09.0028. Relator: FABRICIO NICOLAU DOS SANTOS NOGUEIRA. Data de julgamento: 2024-04-02. Publicado em 12/04/2024)
Importa destacar, ainda, que não há limite para que se possa requer a repetição da pesquisa, podendo ser repetidas diversas vezes.
No entanto, cabe lembrar que o acesso não é concedido deliberadamente. Além do requerimento expresso para informações ou bloqueio por meio destes sistemas, é preciso esgotar todas as possibilidades acessíveis para justificar o uso do sistema. De posse das informações obtidas por estes sistemas, a efetiva execução de um crédito fica facilitada.
Veja MODELO de pedido de penhora.
4. Bloqueio de verba pública
Cumpre destacar que o Novo CPC introduziu uma séria de medidas coercitivas, sendo aplicáveis, inclusive em face da Fazenda Pública, in verbis:
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
Sob este prima, conforme sedimentado pela jurisprudência, as medidas podem contemplar, inclusive, o bloqueio de verbas públicas.
Afinal, o descumprimento de uma ordem judicial caracteriza uma grave ilegalidade administrativa, passível de configuração de improbidade, conforme legislação aplicável:
Lei da Improbidade Administrativa, Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
Veja também, um MODELO de pedido de penhora de verba pública.
5. Improbidade Administrativa
O STJ já reconheceu que o descumprimento de decisão judicial configura ato de improbidade de administrativa. O entendimento foi expresso em acórdão decidido no AgInt no AREsp 1.397.770/MG (Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial). O Tribunal decidiu que o não cumprimento de decisão proferida por juiz e destinada a prefeito do município configura ato de improbidade administrativa.
No caso concreto, foi ajuizada ação contra o município de Miradouro, situado em Minas Gerais, com o objetivo de compelir o ente público a fornecer leite especial para uma criança com condições especiais. Nesse sentido, o magistrado responsável pela sentença, em primeira instância, deferiu a medida liminar para obrigar o município a fornecer o alimento.
Contudo, o gestor público municipal permaneceu inerte e não realizou nenhuma medida no intuito de efetivar cumprimento da decisão judicial. Como consequência, o juízo determinou o bloqueio de bens públicos do município para garantir a efetividade da medida liminar.
Por sua vez, o Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa em face do prefeito com o pedido de responsabilização pela prática de ato que configura ato atentatório contra a moralidade, configurando improbidade administrativa. O pedido foi tido como improcedente e chegou ao STJ.
O Tribunal entendeu que a conduta do gestor violou princípios da administração pública, o que configura a prática de ato de improbidade administrativa, conforme previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. Tal comportamento é suscetível a sanções cíveis, como a perda do cargo público, o ressarcimento ao erário, a suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa.
A Corte decidiu que o réu, ao ocupar o mais alto cargo da administração pública local, tinha o dever de conhecer a exigência básica segundo a qual não pode o administrador deixar de cumprir, sem justa causa reportada e comprovada nos respectivos autos, ordens emanadas de processos judiciais.
6. Crime de Prevaricação
A não realização do ato determinado judicialmente pelo gestor pode caracterizar, inclusive, crime de Prevaricação conforme dispõe o Código Penal:
Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
No entanto, algumas medidas passam a ser ineficazes quando o Executado for insolvente ou falido, obrigando o uso de outras medidas.
7. Apreensão de CNH e passaporte
Para se obter uma medida tão drástica como esta, o requerente precisa evidenciar que todas as medidas coercitivas para o adimplemento foram esgotadas, uma vez que inúmeras são as decisões que negam o presente pedido por desproporcional:
"Para que se legitime a apreensão do passaporte e a suspensão da carteira nacional de habilitação do executado é preciso que se demonstre que ele, embora possua lastro financeiro ou patrimonial para suportar a execução, atua processualmente em desacordo com o primado da boa-fé e da lealdade com o intuito de embaraçar a satisfação do crédito do exequente. IV. Recurso conhecido e provido em parte." (TJ-DF 07088192020178070000 DF 0708819-20.2017.8.07.0000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de Julgamento: 22/02/2018, 4ª Turma Cível.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Decisão agravada que deferiu a apreensão da CNH dos devedores e o bloqueio de seus cartões de crédito como medidas coercitivas ao pagamento da dívida, com fundamento no art. 139, inc. IV, CPC - Medidas atípicas que não podem ser aplicadas de forma absoluta - Atos excepcionais, que exigem o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do crédito e a ocultação de patrimônio pelo devedor, principalmente quando destinados a restringir direitos individuais - Ausência de qualquer indício de ocultação de patrimônio - Revogação da medida que se impõe - (...)Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2229398-81.2017.8.26.0000; Relator (a): Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro de Lins - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/02/2018; Data de Registro: 21/02/2018)
Trata-se de medida severa, reconhecida na maioria das vezes como desproporcional:
Agravo de Instrumento. Cumprimento provisório de julgado. Decisão agravada que indeferiu pedido de apreensão de passaporte, CNH e bloqueio de cartões de crédito do sócio administrador da Executada. Insurgência da Exequente. Não acolhimento. Medidas pleiteadas que não implicam na satisfação do débito executado, além de violarem direitos fundamentais que, no caso, são de pessoa diversa da devedora. Execução que deve se pautar pela busca de bens passíveis de penhora. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2245458-27.2020.8.26.0000; Relator (a): João Pazine Neto; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/12/2020; Data de Registro: 02/12/2020)
A justificativa para requerimentos como estes, parte do poder conferido ao Juiz pelo Art. 139, inc. IV do CPC/15, e, principalmente, pela necessária preservação da segurança jurídica e o risco de enfraquecimento da instituição judiciária, conforme destaca de forma brilhante renomada doutrina:
"Não há dúvida de que o direito perde a sua qualidade se não puder ser efetivamente tutelado. A proibição de fazer justiça de mão própria não tem muito sentido se ao réu for dada a liberdade de descumprir a decisão judicial, pois nesse caso ele estará fazendo prevalecer a sua vontade como se o Estado não houvesse assumido o monopólio da jurisdição, cuja atuação efetiva é imprescindível para a existência do próprio ordenamento jurídico. Ninguém pode negar que o processo exige, diante de certas situações de direito substancial, o uso da coerção indireta. Porém, a multa não constitui a única forma de coerção indireta e nem se pode dizer que é suficiente para a efetiva prestação da tutela jurisdicional" (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência. Editora RT, 2017. p.173).
Sobre o tema, veja pedido de apreensão de CNH e passaporte.
Assim, sob o viés da necessária efetividade do processo, alguns pedidos nesse sentido são deferidos.
De fato, a Justiça deve adotar as ferramentas necessárias para garantir a sua integral efetividade e agir diante de claro descumprimento de ordem judicial. Nesse cenário, os advogados devem estar atentos e pleitear em juízo, as medidas de coerção necessárias sempre que entenderem que o réu está violando as determinações proferidas na sentença, bem como incidindo em ilegalidade e indo contra a legislação aplicável.
Entendeu como prosseguir o cumprimento judicial de forma efetiva? Você já passou por essa experiência? Ainda tem alguma dúvida sobre o assunto? Deixe um comentário abaixo com a sua pergunta ou contando a sua experiência!
Sobre o tema, veja um artigo sobre a Execução: como encontrar bens à penhora.