Retenção de CNH e Passaporte como medida coercitiva - Veja posicionamento do STJ

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Por Modelo Inicial
29/08/2021  
Retenção de CNH e Passaporte como medida coercitiva - Veja posicionamento do STJ -
Veja uma rápida análise sobre recente posicionamento do STJ sobre a retenção da CNH e do Passaporte para forçar uma execução.

Neste artigo:
  1. Meios de efetivação da prestação da obrigação
  2. Julgamento pelo STJ
  3. Suspensão do passaporte
  4. Possibilidade de impetração de habeas corpus
  5. Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação

O CPC prevê algumas medidas com o intuito de garantir o efetivo cumprimento da sentença em processos de execução. Nesse sentido, tem sido discutida a possibilidade de retenção de CNH e passaporte como medida coercitiva. Apesar de ainda não ser totalmente pacificado pelos legisladores e pela doutrina e diante de discussões, o STJ julgou o assunto recentemente.

Mas afinal, é possível a retenção de CNH e passaporte como medida coercitiva? Neste post, você vai conhecer a posição do STJ e de Tribunais Superiores e as principais questões sobre o tema.

Boa leitura!

Meios de efetivação da prestação da obrigação

O art. 139, IV, do CPC, prevê medidas atípicas que ajudam a assegurar a satisfação da obrigação no processo de execução. Trata-se de uma forma de garantir o cumprimento da sentença efetivada.

Confira a redação:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Diante dessa previsão legal, foi possível ao juiz determinar a suspensão do passaporte e da carteira nacional de habilitação (CNH) do executado em processo de execução, com o intuito de submeter e coagir a parte a efetuar o pagamento do crédito devido.

Contudo, a discussão sobre a possibilidade dessa suspensão não é pacífica e passou a ser controversa na doutrina. Muitos sustentam que a determinação do juiz fere o direito constitucional de ir e vir, previsto no art. 5º, inciso XV, que determina:

é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

Nesse sentido, a decisão que estabelece a apreensão do passaporte e da CNH do executado violariam o direito constitucional à liberdade. Diante de tanta discussão, a situação chegou ao STJ, que enfrentou a questão recentemente.

Julgamento pelo STJ

O STJ recentemente proferiu interessante posicionamento no RHC 97876/SP (2018/0104023-6), ao decidir sobre a possibilidade ou não de reter a CNH ou o passaporte para forçar o cumprimento de decisão ou execução.

Trata-se de Recurso em Habeas Corpus sobre o cabimento (ou não) de medidas coercitivas mais severas no cumprimento de sentença ou execução, em face de decisão proferida pela 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré/SP, que, nos autos da execução de título extrajudicial, deferiu os pedidos de retenção do passaporte e da carteira nacional de habilitação (CNH) do executado. Trata-se de medida mais severa, tendo em vista o fato de que, embora citado, o executado não efetuou o pagamento ou ofertou bens à penhora.

Do cabimento da medida

Mesmo declarando a nulidade de tal medida no recurso em comento, o STJ se posicionou pelo cabimento de medidas mais severas, como esta, com base na redação conferida ao Novo CPC pelo Art. 139, inc. IV, que dispõe:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Ao fundamentar pelo cabimento, o STJ proferiu nos seguintes termos:

3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa.
5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. (...) 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica.

Nesse sentido, o STJ manifestou claramente que o fato de declarar a nulidade da referida medida ao caso específico não retira a viabilidade de se usar tais medidas em circunstâncias que exijam medidas coercitivas mais eficazes.

Dos requisitos

Não obstante o amparo legal para essas medidas, o STJ foi claro ao estabelecer que o cabimento dessas medidas está condicionado ao contraditório e à ampla defesa, bem como que a decisão seja fundamentada e todos os meios menos gravosos tenham se esgotado:

"6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.
7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.
8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir.
9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. (...) A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência."

Sobre a desproporcionalidade da medida, ao ponderar com o caso concreto, o STJ igualmente já se manifestou:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRETENSÃO DE QUE SEJA SUSPENSA A CNH DO DEVEDOR COM BASE NO ART. 139IV, DO CPC/2015. CONCLUSÃO NO SENTIDO DA INADEQUAÇÃO DA MEDIDA PARA O FIM COLIMADO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O Tribunal estadual entendeu que a medida pleiteada - suspensão da CNH dos recorridos - é inadequada para o fim colimado, pois é desproporcional no caso em tela, especialmente porque atinge a pessoa do devedor, não seu patrimônio. Essa conclusão foi fundada na apreciação fático-probatória da causa, atraindo a aplicação da Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1233016/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 17/04/2018).

Portanto, dentre os requisitos à concessão da medida, podemos destacar a necessidade do contraditório, proporcionalidade e esgotamento de outras medidas menos gravosas, evidenciando a ineficácia.

Via de impugnação

Por fim, a decisão entendeu ainda ser cabível o habeas corpus como medida de impugnação à retenção do passaporte, e não para os casos de apreensão da CNH, nos seguintes termos:

Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise.
(...)
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza.

Sobre o tema, veja:

Suspensão do passaporte

A partir do momento que o juiz da vara de execuções determina a suspensão do passaporte do executado, há a violação ao direito de liberdade de locomoção. Afinal, todo cidadão tem o direito de ir e vir dentro do território nacional, podendo entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Esse passou a ser o entendimento do STJ.

De um lado, há a efetivação de uma medida de execução e se tem o princípio da efetividade ou resultado de uma decisão judicial. Por outro lado, há a desobediência ao princípio da liberdade de locomoção. Afinal, o direito de ir e vir do indivíduo estará prejudicado, sem que a ele tenha sido imposta uma efetiva pena de restrição de liberdade.

Mas afinal, é possível suspender o passaporte? A resposta para a pergunta é: depende. O entendimento do STJ é que é possível a suspensão do passaporte quando a medida for proporcional. Isso significa que será necessário esgotar os meios típicos de satisfação da dívida e comprovar tal fato mediante decisão fundamentada, comprovando a excepcionalidade da medida imposta. De qualquer forma, o executado terá direito ao contraditório, sob o risco de ilegalidade processual.

Assim determinou o STJ:

Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária.
O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência.

Nesse sentido, podemos entender que o STJ não proibiu a eventual apreensão do passaporte, mas determinou alguns parâmetros para que seja possível a suspensão do documento. Nesse sentido, será ilegal e arbitrária a medida coercitiva de retenção do passaporte em decisão judicial não fundamentada e que não observou o contraditório, proferida no bojo de execução por título extrajudicial.

Para isso, devem estar presentes os seguintes requisitos, de modo cumulativo:

  • esgotamento das medidas típicas de execução;
  • decisão judicial devidamente fundamentada que comprove a necessidade da medida excepcional;
  • necessidade de contraditório e ampla defesa do executado.

Possibilidade de impetração de habeas corpus

Em decorrência da violação do direito fundamental de locomoção e liberdade de ir e vir, o STJ confirma a possibilidade de impetrar o habeas corpus em casos de suspensão do passaporte no processo de execução. Trata-se de uma ação de natureza constitucional que protege a liberdade pessoal dos indivíduos.

Assim prevê o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal:

conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação

O STJ decidiu que é possível a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação. A determinação não afronta o direito constitucional de locomoção do cidadão. Como consequência, não será possível a impetração de habeas corpus. Contudo, tal decisão ainda poderá ser impugnada, principalmente nos casos nos quais a CNH for necessária para o exercício de profissão, como é o caso de motoristas.

Após um intenso debate doutrinário, o STJ finalmente se pronunciou sobre a questão envolvendo a legalidade de retenção de CNH e passaporte como medida coercitiva. O Tribunal Superior entendeu que é possível a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação em execução por título extrajudicial e tal decisão não desafia habeas corpus.

Por sua vez, o mesmo Tribunal decidiu que é ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte no esgotamento das medidas típicas de execução, somente sendo possível caso as demais medidas coercitivas sejam esgotadas e que a decisão judicial esteja fundamentada com motivos que demonstram a real necessidade da medida excepcional. É importante mencionar que, para retenção de CNH e passaporte como medida coercitiva, é essencial a necessidade de contraditório e ampla defesa do indivíduo.

Sobre o tema, veja:

Modelo de pedido de aplicação de medidas coercitivas mais gravosas em face do descumprimento;

Embargos à Execução em face do pedido de retenção da CNH e Passaporte;

Mandado de Segurança em face da decisão que determinou a retenção da CNH

Habeas Corpus em face da decisão que determinou a retenção do Passaporte.

Fonte: Decisão do STJ e Modelo InicialModelo Inicial

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Comentários

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