A Constituição Federal em seu art. 5º assegura a todos o direito de acesso à justiça em defesa de seus direitos, independente do pagamento de taxas.
A Declaração de Hipossuficiência é suficiente para o deferimento da Justiça Gratuita?
Para o deferimento do benefício, o Requerente deve juntar declaração de hipossuficiência declarando a inviabilidade de pagamento das custas judicias sem comprometer sua subsistência, a qual se presume verdadeira, conforme clara redação do Art. 98, §3º do Novo Código de Processo Civil.
Ocorre que tal declaração confere apenas presunção relativa de veracidade, conforme precedentes sobre o tema:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. Ação de restituição de saldo credor após a venda extrajudicial do bem. Indeferimento dos benefícios da justiça gratuita. Presunção relativa de pobreza. artigo 99, paragrafo paragrafo 2º e 3º, do Código de Processo Civil, combinados com o artigo 5°, LXXIV, da Constituição Federal. Comprovação da alegada necessidade que se faz indispensável para a concessão do benefício quando há elementos de convicção que infirmem o estado de pobreza. Requisitos para concessão do benefício não comprovados. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO, com determinação. (TJSP; Agravo de Instrumento 2330464-94.2023.8.26.0000; Relator (a): Ana Maria Baldy; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de Suzano - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 11/04/2024; Data de Registro: 11/04/2024)
Em um caso recente, um magistrado da 2ª Vara Cível de Florianópolis (SC) indeferiu o pedido de justiça gratuita de uma empresária após checar o perfil nas redes sociais, pelo qual constatou que a dificuldade financeira alegada "não era compatível com o estilo de vida ostentado nas imagens postadas".
Esta decisão não foi única relacionada ao tema e tem evidenciado o reflexo das redes sociais nos processos. Cite-se outros exemplos:
JUSTIÇA GRATUITA - Não cabimento - Ausência de elementos que evidenciem a alegada hipossuficiência financeira. Conjunto probatório que demonstra capacidade financeira apta a arcar com despesas e custas processuais. Fotografias da rede social demonstrando padrão de vida incompatível com o benefício. Hipossuficiência descaracterizada. Interesse de agir verificado. (...). Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2073109-76.2024.8.26.0000; Relator (a): Vitor Frederico Kümpel; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 6ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 18/06/2024; Data de Registro: 18/06/2024)
A gratuidade da justiça está intimamente ligada à lealdade processual, de sorte que o seu beneficiário não está dispensado de agir eticamente.
Decisões como estas estariam equivocadas por ausência de requisitos legais objetivos à sua concessão?
Afinal, as redes sociais nem sempre demonstram a realidade daquele que pública, conforme alguns precedentes sobre o tema:
É O QUE DE IMPORTANTE TINHA A RELATAR. PASSO AO VOTO. Como é de corredia sabença, as pessoas tendem a exagerar sobredourar a sua vida nas redes sociais, juntando fotos e mais fotos, narrativas e mais narrativas, de modo que pareçam viver uma realidade que nem sempre é a sua. Os fotogramas trazidos pelo impugnante não são suficientes para concluir que a situação econômica do autor/recorrente é diversa daquela por ele declarada e evidenciada pelo documento de fls. 500, de sorte que rejeito a impugnação à gratuidade de justiça, mantendo o benefício que havia sido deferido pelo Juiz Monocrático às fls. 503. (TJ-RJ - RI: 00879439620138190001 Relator: MARCOS ANTONIO RIBEIRO DE MOURA BRITO, CAPITAL 3a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS: 19/10/2017)
Justiça gratuita – Impugnação – Benefício da gratuidade da justiça concedido mediante análise da declaração de imposto de renda do impugnado - Benefício que deve subsistir – Declaração de pobreza firmada nos termos da Lei 1.060/50, sobre a qual pesa a presunção de veracidade, não elidida pela parte contrária – Fotos extraídas pela impugnante das redes sociais que não bastam para infirmar a declaração de insuficiência de recursos - Indicação de advogado pelo impugnado que não suprime o seu direito à justiça gratuita – Mantida a rejeição da impugnação - Apelo da impugnante desprovido. (TJ-SP - APL: 00337573420148260506 SP 0033757-34.2014.8.26.0506, Relator: José Marcos Marrone, Data de Julgamento: 14/12/2016, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/12/2016)
Já o CPC/15 dispõe claramente sobre a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
Portanto, tem-se a presunção de veracidade na declaração de hipossuficiência firmada pelo Autor. Assim, por simples petição, sem outras provas exigíveis por lei, o Requerente pode ser beneficiado pela gratuidade de justiça, devendo existir elementos suficientes a provar a sua condição financeira para o seu indeferimento:
PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO. 1.O direito ao benefício da assistência judiciária gratuita não é apenas para o miserável, e pode ser requerido por aquele que não tem condições de pagar as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu sustento e de sua família. Precedentes. 2.O escopo da gratuidade de justiça é assegurar a todos o acesso ao Judiciário, conferindo eficácia aos comandos constitucionais insculpidos nos incisosXXXVeLXXIVdo art. 5ºdaCarta da Republica. 3.Ao impugnante incumbe o ônus de provar cabalmente a inexistência dos requisitos autorizadores à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. 4.Inexistindo prova de que, a despeito da parte impugnada atuar no ramo de paisagismo, aufira renda suficiente para arcar com o pagamento das custas e despesas do processo sem o comprometimento de seu próprio sustento, tem-se por correta a rejeição da Impugnação à Assistência Judiciária. 5.Apelação Cível conhecida e não provida. (APC 20140111258250 Orgão Julgador1ª Turma Cível DJE : 23/02/2016 . Relator NÍDIA CORRÊA LIMA)
Noutra linha, a simples atuação por meio de Advogado particular, por exemplo, também não configura por si só a capacidade para o pagamento das custas judiciais sem o comprometimento de manutenção do requerente.
Este, inclusive, é o posicionamento majoritário nos Tribunais:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO RETIDO. AJG. SALÁRIO-MATERNIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. CERTIDÃO DE CASAMENTO. 1. O fato da parte autora optar pela contratação de um advogado particular, não obsta o deferimento do benefício de assistência judiciária gratuita de forma integral. 2. (...) (TRF-4 - AC: 122893020164049999 RS 0012289-30.2016.404.9999, Relator: SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Data de Julgamento: 26/10/2016, SEXTA TURMA)
AGRAVO DE DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARTICULAR. O fato de o autor estar assistido por advogado particular não se constitui em obstáculo à obtenção da gratuidade de justiça para fins de dispensa do pagamento de custas. (TRT-1 - AIRO: 01000253220165010511, Relator: JOSÉ LUIS CAMPOS XAVIER, Data de Julgamento: 15/02/2017, Sétima Turma, Data de Publicação: 28/03/2017)
Em outros casos, até mesmo a existência de patrimônio não impede o deferimento do pedido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. AJG. NECESSIDADE. A existência de patrimônio imobilizado em nome do postulante não é motivo para indeferimento do benefício quando comprovado não dispor de recursos líquidos e que sua renda é compatível à concessão; e o impugnante não faz prova adversa. - Circunstância dos autos em que se impõe manter a decisão recorrida. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70070511886, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 25/08/2016).
BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. CONCESSÃO. A mera existência de mais de dois veículos em nome do reclamante, ora executado, registrados em seu nome, por si só, não é impeditivo da concessão do benefício da gratuidade de justiça. (TRT-4 - AP: 00444000819945040541, Data de Julgamento: 06/12/2016, Seção Especializada Em Execução)
Mas ainda fica um último questionamento:
Decisões como estas estão corretas?
A sociedade não deve ter que arcar com custos daquele que impulsiona a máquina judiciária sem fazer jus à carência coberta pela gratuidade judiciária.
Para tanto, importante destacar o que dispõe o CPC/15 em seu Art. 98:
§ 2o O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legaispara a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
Ou seja, se evidenciados, por quaisquer meios, elementos que demonstrem a carência dos requisitos legais à concessão do benefício, o Juiz pode negar-lhe o pedido.
É o que ocorreu em recente caso em Santa Cataria e outro caso mais antigo relatado no Rio Grande do Norte (Processo: nº 0100473-82.2013.8.20.0138), em que a gratuidade de justiça foi negada por fotos do requerente nas redes sociais participando de shows e de jogos na copa do mundo.
Em todo caso, o de pedido de gratuidade de justiça deve contemplar elementos suficientes para o convencimento do Juiz, assim como Agravo de Instrumento em face do indeferimento da gratuidade requerida.
Sem qualquer intuito de exaurir o tema, certamente o debate merece maiores contribuições. Qual é a sua opinião?
Veja modelos de: pedido de gratuidade de justiça e Agravo de Instrumento sobre o tema.