PROCESSO Nº: 0000995-97.2008.4.05.8102 - APELAÇÃO CRIMINAL
APELANTE:
(...) NETO
ADVOGADO: ELILÚCIO
(...) E OUTROS
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM: 25ª VARA FEDERAL EM IGUATU - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ
JUIZ: JOÃO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBELO JUNIOR
ORGÃO JULGADOR: 1ª TURMA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DE RÉU CONDENADO À PENA DE 04 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO E PAGAMENTO DE MULTA. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E PERDA DE CARGO PÚBLICO. DELITO PREVISTO NO
INCISO II DO
ART. 3º DA
LEI Nº 8.137/90. SERVIDOR
...« (+2033 PALAVRAS) »
...DA FUNASA. COOPTAÇÃO DE COLEGAS DE TRABALHO PARA A OBTENÇÃO ILÍCITA DE VALORES RESIDUAIS PROVENIENTES DE DECLARAÇÕES RETIFICADORAS DE AJUSTE ANUAL DE IMPOSTO DE RENDA - IRPF. CONLUIO COM CORRÉU SERVIDOR DA RECEITA FEDERAL. CONDUTA DELITIVA QUE VISAVA RECEBIMENTO E TRANSFERÊNCIA DE VALORES A TÍTULO DE COMISSÃO. LEGALIDADE DE PROVA EMPRESTADA DERIVADA DE DEZENAS DE AÇÕES CRIMINAIS ANÁLOGAS DEFLAGRADAS EM DESFAVOR DO APELANTE. ADEQUAÇÃO DA EMENDATIO LIBELLI. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO NO QUADRO FÁTICO ORIGINARIAMENTE DESCRITO. AJUSTES NA DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DO QUANTUM EM PATAMAR PREVISTO PELA NORMA PENAL - 03 (TRÊS) ANOS DE RECLUSÃO. MANUTENÇÃO DOS DEMAIS TERMOS E COMANDOS DO DECRETO CONDENATÓRIO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Apelação criminal interposta contra sentença que julgou procedente o pedido contido na Denúncia, para condenar os réus J.I.A e J.P.N., ora apelante, pela prática do delito previsto no art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90, c/c o art. 29, do Código Penal, às penas, idênticas, de 04 (quatro) anos de reclusão - além de multa -, regime inicial aberto, automaticamente substituídas por duas restritivas de direitos, cominando-se-lhes, ainda, a perda de seus respectivos cargos de servidores públicos federais. 2. Consta da Denúncia, em suma, que o ora apelante J.P.N., na condição de servidor público federal da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, cooptou, no ano de 2006, inúmeros colegas de repartição, para o fim de promoverem, sob a sua orientação, retificações em suas Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda (DIRPF), exercício 2002, ano-calendário 2001, junto à Receita Federal do Brasil - RFB, ensejando aumento ilícito nas respectivas restituições. Concorreu para a prática delituosa o codenunciado J.I.A., servidor da RFB, mediante divisão de ações e vantagens pecuniárias entre ambos, pelo que foram denunciados pelo cometimento do crime previsto no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), juntamente com C.R., por fraudarem o Fisco federal. 3. Reconhecimento da licitude no empréstimo das provas. É de se reconhecer que, no caso concreto, para além de a prova emprestada ser legalmente acolhida no processo penal - por analogia ao art. 372, do Código de Processo Civil -, verifica-se a ausência de manifesta insurgência da defesa do então denunciado, ora apelante, durante toda a instrução processual, acerca de sua utilização (tanto que nem mesmo contraditada em sede de alegações finais), inexistindo, assim, atempada contrariedade ao seu recepcionamento, dado que advindas de mais de duas dezenas de persecuções penais de idêntica natureza e deflagradas em desfavor do réu. Ademais, ao ingresso das provas emprestadas nos autos da ação penal em referência, seguiu-se, inevitalmente, sua integral conformação ao contraditório processual disponibilizado às partes, sem que tenha o presente apelo demonstrado, de forma incontestável, a ocorrência de prejuízo ao livre exercício do direito de defesa, e consequentemente, qualquer resultado danoso daí advindo. 4. Constatação de que o empréstimo, por economia processual, das provas derivadas de outros processos penais em que o réu é demandado - mesmo fato probatório -, submeteu-se, inquestionavelmente, aos princípios da ampla defesa e do contraditório, de forma que não há que se falar em conspurcação às garantias processuais da defesa, pelo que a preliminar de nulidade em comento deve ser desacolhida. 5. No que tange à questão preliminar suscitada com base na inadequação legal da utilização, pelo sentenciante, do instituto da emendatio libelli, é de se esclarecer que, quando do oferecimento da peça acusatória havia a imputação da prática, em tese, do delito previsto no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), por fraude ao Fisco federal. Entretanto, o julgador monocrático, quando da prolação da sentença aqui recorrida, promoveu, fundamentadamente, a emendatio libelli, para o fim de substituir o tipo penal originariamente disposto na denúncia (art. 317, do Código Penal), para a previsão típica do delito tributário inserta no art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90. 6. Não houve a menor modificação da descrição dos fatos que acompanharam a denúncia, sabido não estar o julgador adstrito, obrigatoriamente, à capitulação inicialmente empregada no momento da proposição da persecução penal, além de o denunciado, da mesma forma, defender-se da imputação delituosa lançada em seu desfavor, sem circunscrever-se, exclusivamente, ao tipo penal indicado na peça acusatória. 7. A emendatio libelli conduzida na Sentença observou a previsão legal do instituto, descrita no caput do art. 383 do Código de Processo Penal, por não importar em qualquer modificação fática, mas, tão-somente, adequação da capitulação jurídica dos fatos originariamente narrados na denúncia, e já debatidos no processo, ao tipo penal mais representativo da conduta delituosa - princípio da especialidade das normas - que exsurgiu quando finda a instrução processual, de modo que não há a necessidade de aditamento da denúncia e de manifestação da defesa, inexistindo, pois, ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório. 8. Por haver sido promovida a emendatio libelli à luz da legislação adjetiva de regência, vez que adequada e fundamentadamente justificada pela observância dos critérios previstos no art. 383, do Código de Processo Penal, desmerece acolhimento a preliminar de sua invalidação. 9. O argumento recursal de inexistência de provas servíveis a alicerçar a responsabilização penal do réu não possui subsistência capaz de infirmar as sólidas assertivas sentenciantes que reconheceram, em seu desfavor, a positivação da autoria e materialidade delituosas em relação ao cometimento do delito previsto no art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90. 10. A idoneidade das provas emprestadas derivadas das inúmeras ações penais em que o apelante é demandado não foi, sequer minimamente, desconstituída no apelo em análise, visto que os elementos probatórios, pormenorizadamente descritos na sentença, descrevem o modus operandi do réu, ora apelante, na empreitada criminosa voltada a causar prejuízo ao erário, a partir da cooptação, valendo-se da condição de servidor público federal lotado na FUNASA, de colegas daquele órgão público, visando, em consórcio com o corréu, servidor da Receita Federal, mediante divisão de ações e vantagens pecuniárias entre ambos, promover retificações em suas Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda (DIRPF), ensejando aumento ilícito nas respectivas restituições a serem pagas aos servidores envolvidos na empreitada. 11. Conforme delineado na sentença ora recorrida, merece realce o fato de o réu haver, deliberadamente, atuado como intermediário do corréu, servidor da Receita Federal, com o firme propósito de arregimentar os colegas da FUNASA à obtenção ilícita de restituição de valores de suas respectivas Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda de Pessoa Físicas, havendo o apelante, inclusive, arrecadado dinheiro dos inúmeros servidores, a título de comissão exigida pelo corréu, promovendo transferência de tais numerários para a conta bancária da sogra deste último. 12. Em sentido diametralmente oposto à tese recursal de ocorrência da excludente de culpabilidade por erro sobre a ilicitude do fato - art. 21, do Código Penal -, verifica-se a patente configuração do elemento subjetivo do tipo penal previsto no art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90, a saber, o dolo, em face do pleno entendimento do réu do caráter ilícito do seu agir, demonstrado através de sua livre manifestação volitiva de cooptação de servidores da FUNASA dirigida à prática, reiterada, da figura típica em causa, evidenciando-se sua plena autodeterminação, sendo-lhe possível, em todas as ocasiões, adotar comportamento diverso, ou seja, em conformidade com a norma, deliberando, contudo, pela reiteração da conduta criminosa, como atestam as dezenas de ações penais deflagradas em seu desfavor. 13. Manifestação do Ministério Público Federal, na condição de custos legis, erigido em sede de parecer, no sentido da não configuração do invocado erro de proibição. 14. Não merece acolhida a pretensão recursal de desclassificação do crime previsto no art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90, para a conduta delituosa disposta no art. 3º, III, da mesma lei. Note-se, neste particular, a adequada subsunção típica da conduta perpetrada pelo réu ao tipo penal que adveio da emendatio libelli referenciada, em que se substituiu, fundamentadamente, o enquadramento dos fatos inicialmente associados ao tipo penal disposto na denúncia, como sendo o do art. 317 do Código Penal, pela previsão contida no delito tributário do art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90. 15. Orientou-se o sentenciante pela aplicação do princípio da especialidade das normas, daí o emprego da capitulação jurídica do delito mais fiel à conduta ilícita do réu, como intermediário entre os seus próprios colegas da FUNASA, cooptados pelo mesmo, e o corréu, servidor da Receita Federal, atuando o apelante, também, na arrecadação e transferência de valores da comissão para este último, preenchendo, assim, as disposições do núcleo do tipo penal específico do art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90, consistente no crime funcional contra a ordem tributária. 16. Ainda quanto à efetiva subsunção das condutas dos réus à previsão típica disposta no art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90, faz-se necessário negar acolhimento à proposição recursal dirigida ao não emprego, in casu, do concurso de pessoas, em razão de o apelante não ser servidor dos quadros da Receita Federal do Brasil - RFB e, por consequência, não atuar na arrecadação de tributos, daí não ser considerado agente do aludido delito funcional tributário. 17. Olvida, pois, a defesa do apelante, neste particular, a incidência da causa de comunicabilidade de circunstância de caráter pessoal elementar do tipo do art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90, originariamente dirigida ao corréu servidor da Receita Federal do Brasil - RFB, estendida, porém, ao apelante, servidor público da FUNASA, nos termos do art. 30, in fine, do Código Penal. 18. É de se confirmar a subsunção típica da conduta do apelante na forma como delineada no veredicto, a saber, como adequadamente inserida nas disposições nucleares do art. 3º, II, da Lei nº 8.137/90. 19. Revela-se necessário, de outra banda, promover aligeirados ajustes na dosimetria empregada pelo sentenciante, notadamente em razão de os fundamentos originariamente empregados para exasperação da pena-base, a partir da valoração negativa de duas das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, não exprimirem justificativas servíveis à majoração imposta. 20. Com efeito, não resultou satisfatoriamente justificada a valoração negativa da culpabilidade do réu e das circunstâncias do delito, que redundaram na fixação da pena-base no patamar de 04 (quatro) anos de reclusão, tornada definitiva, e automaticamente substituída por penas restritivas de direitos. 21. Quanto à culpabilidade, não se apresenta razoável promover sua negativação para além do minimamente comum à culpabilidade mediana e animada à consumação da conduta descrita no tipo penal em foco, visto que não reunidos elementos probatórios suficientes a demonstrar maior grau de censura, não devendo interferir na reprovabilidade do agir do réu eventuais condenações do mesmo em feitos criminais análogos, mas em cada ação penal individualmente considerada, como in casu, pelo que demonstrado o equívoco do sentenciante, neste particular. 22. Merece acolhimento a pretensão reformista de redução do quantum da pena para o seu mínimo legal, em razão dos insubsistentes fundamentos utilizados para a exasperação da pena-base em 01 (um) ano, pela inadequada valoração negativa da culpabilidade do réu e das circunstâncias do delito, fixando-se, doravante, a pena-base no patamar de 03 (três) anos de reclusão, tornada definitiva, mantida sua substituição por penas restritivas de direitos, bem como o regime inicial aberto de cumprimento, além dos demais termos e comandos do decreto condenatório. 23. Conservada a decretação, como efeito da condenação, da perda do cargo público do réu, por força do art. 92, I, "a", do Código Penal, porquanto juridicamente idônea a motivação sentenciante para sua aplicação. 24. Nítida, por derradeiro, a inviabilidade da pretensão, formulada nesta quadra recursal, de promover a reunião das dezenas de processos criminais em que demandado o apelante, à vista das diferenciações cronológicas de suas deflagrações, além da multiplicidade dos respectivos estágios processuais, bem como, em razão, entre outras situações fático-processuais distintas da presente demanda penal, da existência de codenunciados não integrantes desta persecução penal, daí não haver que se falar em ofensa à previsão de reunião de feitos, por continência, disposta no
art. 77 do
Código de Processo Penal, cabendo ao douto juízo da Execução Penal a análise, em sede de unificação de penas, de eventual aplicação da continuidade delitiva prevista no
art. 71 do
Código Penal.
25. Apelação do acusado J.P.N. parcialmente provida, apenas para ajustar a dosimetria da pena cominada.
(TRF-5, PROCESSO: 00009959720084058102, APELAÇÃO CRIMINAL, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBELO JUNIOR, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 28/04/2022)