APELAÇÃO. HOMICÍDIO TENTADO. DECISÃO DO JÚRI QUE DESCLASSIFICOU O CRIME PARA O DELITO DO
ARTIGO 15 DA
LEI Nº 10.826/03. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA, PUGNANDO PELA NULIDADE DA DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA, EM RAZÃO DA SUSPEIÇÃO DE UMA DAS JURADAS, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SER ELA EX-ALUNA DO ILUSTRE PROMOTOR DE JUSTIÇA, QUE REALIZOU A ACUSAÇÃO, E POR QUEM POSSUI PROFUNDA ADMIRAÇÃO. A DEFESA REQUER, TAMBÉM, A ANULAÇÃO DO JULGAMENTO, POR DEFICIÊNCIA NA ORDEM DA QUESITAÇÃO, DESIGNANDO DATA PARA NOVO PLENÁRIO. RECURSO MINISTERIAL, PLEITEANDO A CASSAÇÃO DA SENTENÇA, PARA QUE O RÉU SEJA SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO NO TRIBUNAL DO JÚRI, DADA A MANIFESTA DECISÃO CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS, VEZ QUE O CONSELHO
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...DE SENTENÇA ENTENDEU PELA AUSÊNCIA DE DOLO AO DESCLASSIFICAR O INJUSTO DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO PARA O DE DISPARO DE ARMA DE FOGO EM LOCAL PÚBLICO. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSOS DESPROVIDOS. Segundo consta do presente feito, no dia 17 de fevereiro de 2019, atrás da boate "Canto do Meio" situada em São João da Barra, o denunciado efetuou disparos de arma de fogo contra dois policiais militares. O crime de homicídio apenas não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, tendo em vista que houve erro na pontaria. Conforme descrito nos autos, ambas as vítimas já haviam atuado naquela região, sendo certo que o réu era conhecido da guarnição, como integrante do tráfico de drogas. Conforme foi apurado, na ocasião dos fatos, os policiais estavam na referida boate, quando foram chamados pelo vigia do estacionamento, o qual informava a presença de indivíduo armado nas proximidades. Diante disso, os agentes dirigiram-se até o local, momento em que avistaram três elementos, sendo um deles o acusado (...). Ao notar a aproximação dos policiais, o acusado empreendeu fuga, efetuado disparos na direção dos agentes. Após, os policiais perseguiram os indivíduos, mas não lograram capturá-los. Em seguida, os agentes solicitaram apoio. Passados alguns instantes, o vigia do local visualizou o denunciado (...) retornando ao estacionamento e se abaixando para pegar a arma de fogo utilizada para os disparos. Novamente, os agentes iniciaram nova perseguição e conseguiram capturar o réu a algumas quadras depois. Registre-se que, no percurso da perseguição, foi encontrada uma bolsa contendo 24 (vinte e quatro) recipientes pequenos com líquido incolor, conhecido como "lança-perfume", 2 (dois) cigarros de maconha e 1 (uma) embalagem de Acetona. Das preliminares de nulidade. A defesa do acusado pretende seja declarada a nulidade do julgamento, sob a tese de suspeição de uma das juradas que compôs o Conselho de Sentença, por ser ex-aluna do ilustre Promotor de Justiça que realizou a acusação e por quem ¿nutre admiração incomum pelo aludido membro do Parquet, rendendo-lhe uma série de elogios em distintas postagens nas redes sociais, alegando "ser o seu mentor", "uma de suas maiores inspirações¿.¿Verifica-se, do teor dos documentos juntados nos autos, referente às postagens no perfil da jurada em questão, nas suas redes sociais, que se trata, tão somente, de manifestação relacionada à admiração e reconhecimento profissional, não se vislumbrando haver qualquer cunho pessoal, capaz de comprometer a imparcialidade do julgamento. Conforme bem esclareceu o nobre Promotor de Justiça, na ata da Sessão Plenária, após a impugnação da defesa: ¿... Gize-se que a mesma já serviu como jurada no último julgamento, no qual sustentei a condenação do réu, que acabou absolvido, sendo todos os votos aprovados unânimes.¿Vale ressaltar que as hipóteses de impedimento, suspeição e incompatibilidade dos jurados encontram-se dispostas nos artigos 448 e 449 do Código de Processo Penal, não havendo previsão quanto aos fatos levantados pela Defensoria Pública. Nesse desiderato, não logrou, o recorrente, demonstrar haver qualquer prejuízo para o exercício da sua defesa, o que impede a declaração de nulidade da sessão de julgamento, em prestígio ao princípio pas de nullité sans grief, consagrado no artigo 563, do Código de Processo Penal. Portanto, não se vislumbra, in casu, haver manifestação de prévia disposição para condenar ou absolver o acusado (artigo 449, III, CPP), a ensejar qualquer nulidade. Quanto à insurgência acerca da ordem da quesitação, melhor sorte não lhe assiste. Ao contrário do que sustenta a nobre defesa, o Julgador que presidiu a Sessão do Júri aplicou, corretamente, a ordem prevista no artigo 483, § 4º e §5º, do CPP. Com efeito, após os quesitos referentes à materialidade e autoria delitivas, deve-se formular, aos jurados, o quesito acerca da forma tentada do crime praticado, assim como a desclassificação, com vistas a estabelecer a competência do Tribunal do Júri. Ora, em havendo a desclassificação do injusto, com o consequente afastamento do crime doloso contra a vida, resta afastada a competência do Júri, cabendo ao Juiz singular proferir a sentença, com a nova tipificação, conforme determina o artigo 492, §1º, do CPP. Precedentes. Assim, as preliminares de nulidade devem ser rejeitadas. Do mérito. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos ¿ artigo 593, III, ¿d¿, do CPP. A materialidade e a autoria delitivas restaram sobejamente comprovadas, pelo auto de prisão em flagrante, termos de declarações, registro de ocorrência e pela forte e harmônica prova oral produzida em juízo, gravados pelo sistema audiovisual. Em depoimento prestado perante o Juízo, as vítimas narraram os fatos, de forma detalhada e clara, e suas declarações foram corroboradas por um dos vigias do aludido estacionamento, que presenciou o ocorrido. Por outro lado, a testemunha (...) (vigia do local dos fatos), mudou, completamente, a versão apresentada em sede policial, razão pela qual, na AIJ, foi preso em flagrante por falso testemunho, tendo o Juízo registrado que o suposto motivo seria o temor a represarias do acusado, contra sua vida ou de sua família. No seu interrogatório, o recorrente negou a prática delitiva, aduzindo que tinha bebido bastante, mas não estava armado nem retornou, e não efetuou disparo de arma de fogo. Em que pese a insurgência do Ministério Público, no caso em análise, o Conselho de Sentença acolheu uma das versões sustentadas pela acusação e pela defesa e, assim, sua decisão soberana não pode ser entendida como manifestamente contrária a prova dos autos, mesmo que não mostre o melhor resultado. Na resposta aos quesitos, o Júri reconheceu a materialidade e autoria delitivas, mas decidiu no sentido de não haver tentativa de crime doloso contra a vida, entendendo que, ao disparar os tiros na direção dos policiais, o réu não tinha intenção de matá-los, considerando que os tiros foram disparados durante a correria, quando os suspeitos fugiram. Note-se que, segundo os relatos colhidos perante o Plenário, as vítimas foram até o estacionamento perto da boate onde estavam, a fim de averiguarem a informação de que havia três homens armados no local. O acusado (...) e os outros dois indivíduos, ao reconhecerem os policiais militares, saíram correndo, efetuando disparos de arma de fogo em sua direção, mas não os atingiram. A testemunha (...) esclareceu que os três indivíduos haviam levado uma surra dos seguranças e retornaram para retaliar, estando o réu com uma arma de fogo em punho e empreendeu fuga, momento em que ouviu o primeiro disparo. Diante disso, afastado o dolo, procedeu-se à desclassificação do crime te homicídio tentado, para o injusto previsto no artigo 15 do Estatuto do Desarmamento. Importante salientar que o Júri ¿ competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, nos termos do artigo 5º, XXXVIII, `d¿, da CR ¿ como de trivial sabença, não decide com certeza matemática ou científica, mas pelo livre convencimento, captado na matéria de fato e, sua decisão, desde que encontre algum apoio na prova, deve ser respeitada. Entende-se que decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela destituída de qualquer fundamento, de qualquer base, de qualquer apoio no processo. Para se anular o veredicto do tribunal popular necessário é o manifesto desprezo da prova dos autos. Os jurados, ao contrário do que ocorre com o magistrado, não decidem baseados na técnica. Eles analisam o crime do ponto de vista da sociedade, que será em última análise a única que terá o fardo de receber aquele indivíduo de volta caso este seja absolvido. A Constituição decidiu que os indivíduos que praticam, em tese, crimes dolosos contra a vida devem ser julgados pelos seus pares, sendo esta uma garantia fundamental e, portanto, uma cláusula pétrea. Por tal razão é que cabe ao Tribunal, ao analisar a decisão dos jurados, verificar, apenas, se esta não é manifestamente contrária à prova dos autos, isto é, se não há qualquer outra tese apta a alicerçar tal decisão. Não cabe ao magistrado verificar se o acusado é ou não o autor do crime, porquanto tal decisão compete ao Conselho de Sentença e imiscuir-se em tal seara é violar o princípio constitucional da soberania dos veredictos. Aliás, não é por outra razão que o recurso de apelação, nos crimes de competência do Tribunal do Júri, tem caráter restrito, uma vez que não é devolvida a esta Instância o conhecimento pleno da causa, que ficará atrelado aos motivos invocados nos incisos do artigo 593, do CPP, sendo certo que não cabe à Instância revisora absolver o acusado, mas apenas submetê-lo a novo julgamento. Sequer o princípio do in dubio pro reo se aplica aos jurados, porquanto, como já dito, esses não decidem com base na técnica, até mesmo porque não detém conhecimento jurídico para tanto. Ressalte-se, por oportuno, que seria possível que houvesse fortes provas no sentido da prática do crime pelo acusado e mesmo assim os jurados, baseados em sua consciência e convicção, poderiam acolher a frágil tese defensiva. Diante do assinalado, não há de se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, razão pela qual, deve ser mantida a sentença impugnada. Da pena aplicada. A dosimetria não merece retoque, vez que fixada no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa no valor mínimo legal, diante das circunstâncias judiciais favoráveis ao acusado, que é primário e de bons antecedentes, nos termos do
artigo 59 do
CP. Fixado regime prisional aberto e aplicada sanção alternativa de prestação de serviço à comunidade, à razão de uma hora de serviço equivalente a cada dia de prisão aplicada, e prestação pecuniária, no valor de 02 (dois) salários mínimos (
artigo 44,
§2°, do
Código Penal), ambas destinadas e cumpridas perante instituição a ser indicada pela Central de Penal e Medias Alternativas ¿ CPMA.REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. RECURSOS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Conclusões: REJEITARAM AS PRELIMINARES ARGUIDAS E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. DECISÃO UNÂNIME.
(TJ-RJ, APELAÇÃO 0004964-28.2019.8.19.0014, Relator(a): DES. CLAUDIO TAVARES DE OLIVEIRA JUNIOR, Publicado em: 07/08/2020)