PENAL E PROCESSUAL PENAL.
ARTIGO 355, CAPUT, DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E
PARÁGRAFO ÚNICO. CRIMES DE PATROCÍNIO INFIEL E CRIME DE TERGIVERSAÇÃO OU PATROCÍNIO SIMULTÂNEO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELO DA ACUSAÇÃO DESPROVIDO.
1. O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação postulando a reforma da sentença que absolveu o apelado da prática do crime previsto no
art. 355, caput... +746 PALAVRAS
..., e parágrafo único do Código Penal.
2. Da análise dos autos, verifica-se que o objetivo do ajuizamento das reclamações trabalhistas era obter a declaração de nulidade do contrato de franquia e a responsabilidade direta e exclusiva da empresa franqueadora pelos encargos trabalhistas, afastando-se a responsabilidade da empresa (...) & Cia Ltda..
3. As reclamações trabalhistas foram ajuizadas pelos funcionários de (...) & Cia Ltda. em face da sociedade empresária Dia Brasil Sociedade Ltda., entretanto, o juízo trabalhista determinou a integração de ofício de (...) & Cia Ltda. no polo passivo (salvo em relação à Reclamação Trabalhista nº 0011341.34-2014.5.15.0052, na qual foi firmado acordo entre (...) e a reclamada), tendo em vista que eventual nulidade do contrato ajustado entre empregado e empregador repercute na esfera de terceiro.
4. Constata-se que o apelado, que também representou os interesses dos sócios da sociedade empresária (...) & Cia Ltda., em face de Dia Brasil Sociedade Ltda., buscava unicamente a condenação desta última empresa ao pagamento dos encargos trabalhistas, sob o argumento de que o contrato de franquia era fraudulento, cuja fraude era utilizada pela franqueadora, supostamente, para encobrir a veracidade dos fatos, consistentes nas relações de emprego estabelecidas diretamente entre os reclamantes e a rede Dia Brasil.
5. Conforme se infere dos depoimentos das testemunhas, bem como da prova documental, o ora apelado já atuava, há muito tempo, efetivamente em instâncias do Poder Judiciário na defesa dos interesses de sócios de pessoas jurídicas (supermercados) que aderiram ao contrato de gestão (“Projeto Família”) ou firmaram contrato de franquia com Dia Brasil Sociedade Ltda., e seus respectivos funcionários, tendo inclusive participado em audiências públicas promovidas pelo Ministério Público do Trabalho e da Assembleia Legislativa de São Paulo.
6. O conjunto probatório sinaliza que o apelado, na condição de advogado, adotou nas reclamações trabalhistas em questão os mesmos argumentos jurídicos ventilados em outras demandas ajuizadas no âmbito da Justiça do Trabalho, em diversas unidades da Federação, pleiteando a declaração de nulidade do contrato de franquia firmado com a empresa Dia Brasil Sociedade Ltda., com fundamento nas apurações levadas a efeito pelo Ministério Público do Trabalho no Inquérito Civil Público nº 11210/2005, que deu causa à Ação Civil Pública nº 00684-2009-044-02-00-0, e na execução do acordo coletivo; o reconhecimento do vínculo empregatício entre o Dia Brasil e os sócios das pessoas jurídicas franqueadas; e o reconhecimento do vínculo empregatício direto entre os funcionários registrados pelas empresas franqueadas e a franqueadora.
7. Para a caracterização do tipo previsto no art. 355, caput, do Código Penal (patrocínio infiel), necessário que o advogado viole o dever profissional, agindo de forma traiçoeira ou infiel, prejudicando interesse que lhe fora confiado. Por se tratar de crime material, exige-se para a consumação o efetivo prejuízo patrimonial ou de outra natureza ao constituinte, desde que esteja sendo discutido em juízo. O prejuízo deve ser concreto, não meramente potencial.
8. Sendo assim, a conduta do ora apelado não causou prejuízo patrimonial aos trabalhadores, pois, conforme afirmado na sentença apelada, os mesmos atestaram em juízo que os encargos trabalhistas foram pagos corretamente pelo empregador (...). Além disso, também não vislumbro prejuízo processual às partes envolvidas, uma vez que, apesar de o apelado ter mantido a defesa dos sócios da pessoa jurídica nas Reclamações Trabalhistas nºs. 0011252-11.2014.5.15.0052 e 0011254-78.2014.5.15.0052, a pretensão era de obter a declaração de nulidade do contrato de franquia, com o consequente reconhecimento da relação de emprego com a empresa franqueadora Dia Brasil Sociedade Ltda. Portanto, a pretensão dos demais funcionários era a mesma, ou seja, o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa Dia Brasil Sociedade Ltda.
9. Igualmente, não há configuração da conduta típica prevista no art. 355, parágrafo único, do Código Penal (patrocínio infiel simultâneo), para o qual se exige que o agente defenda concomitantemente, na mesma causa, partes antagônicas. Isso se dá porque, após a integração no polo passivo das reclamações trabalhistas, de ofício, da pessoa jurídica (...) & Cia Ltda., a defesa da reclamada foi promovida por advogada distinta. E, apesar de o apelado ter mantido a defesa dos sócios da pessoa jurídica nas Reclamações Trabalhistas nºs. 0011252-11.2014.5.15.0052 e 0011254-78.2014.5.15.0052, como já dito, a pretensão era de obter a declaração de nulidade do contrato de franquia, com o consequente reconhecimento da relação de emprego com a empresa franqueadora Dia Brasil Sociedade Ltda. Portanto, a pretensão era a mesma que dos demais reclamantes (e não antagônicas), ou seja, o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa Dia Brasil Sociedade Ltda.
12. Por fim, não obstante a constatação da litigância de má-fé, em que incidiram as partes reclamantes, bem como a alegada prática processual de lide simulada, na seara trabalhista, tais condutas não são suficientes, por si só, para a configuração das condutas criminosas previstas no
art. 355, caput, e
parágrafo único do
Código de Processo Penal.
13. Apelação ministerial desprovida.
(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0000190-68.2019.4.03.6113, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 05/12/2022, Intimação via sistema DATA: 09/12/2022)