ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. FATOS RELACIONADOS À "OPERAÇÃO SPY". APURAÇÃO, PELA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA, DE COMERCIALIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS, RELACIONADAS AO COMÉRCIO EXTERIOR. PENA DE DEMISSÃO. PODER-DEVER DE A ADMINISTRAÇÃO INSTAURAR PROCEDIMENTO APURATÓRIO. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. IRREGULARIDADES QUE, MESMO SE FOSSEM COMPROVADAS, NÃO ENSEJARIAM PREJUÍZO. CARACTERIZAÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA
LEI 14.230/2021 A JULGAMENTO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADA NO MOMENTO DA IMPETRAÇÃO. PENA DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I.
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...Agravo interno aviado contra decisão, publicada na vigência do CPC/2015, que denegava a segurança.
II. Trata-se de Mandado de Segurança em que se questiona a demissão do impetrante, do cargo de Analista de Comércio Exterior, resultante de processo administrativo disciplinar em que se apurou, segundo a instância administrativa, a prática de "compra e venda de relatórios contendo dados sigilosos do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e do sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior (ALICE-WEB), então do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC)".
III. De início, consigne-se que o art. 34, XIX, do RISTJ, atribui ao relator poderes para para "decidir o mandado de segurança quando for manifestamente inadmissível, intempestivo, infundado, prejudicado ou improcedente, ou quando se conformar com súmula ou jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal ou as confrontar". Consequentemente, não se sustenta a preliminar em que se alega não haver, no caso, hipótese de denegação monocrática da segurança. Precedentes.
IV. Quanto à alegação a ausência de justa causa, "evidenciada a possível ocorrência de falta funcional, a administração tem o poder-dever de investigar, assegurando à parte o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, nos termos do que estabelece o art. 143 da Lei 8.112/1990" (STJ, AgInt no AREsp 1.326.347/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIS FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 18/12/2020).
Precedentes.
V. No que se refere ao não encaminhamento ao Presidente da República do recurso hierárquico interposto contra a decisão do Ministro da Economia, depreende-se dos autos que o ato impugnado na via administrativa não consistiu em decisão sancionadora - da qual caberia recurso ao Presidente da República -, mas em declaração de nulidade do processo, decisão de competência do Corregedor-Geral, com previsão de recurso hierárquico para o Ministro da Economia.
Como, no caso, essa anulação foi realizada diretamente pelo Ministro da Economia, a impugnação foi recebida como pedido de reconsideração, o que está de acordo com a legislação de regência. E mesmo que nisso se pudesse visualizar alguma irregularidade, como pontuou o Ministério Público Federal, no parecer exarado nestes autos, a decisão que indeferiu o pedido de reconsideração é, no regime da Lei 8.112/90, impugnável por recurso hierárquico, conforme previsto no art. 107, caput e § 1º, não havendo que se falar, assim, em qualquer prejuízo ao direito de defesa.
VI. Quanto à anulação do primeiro procedimento apuratório, é certo que, consoante a jurisprudência do STJ, "pode a autoridade competente, verificando a ocorrência de vício insanável, determinar a anulação total ou parcial do PAD, ordenando a constituição de outra Comissão, para instaurar nova persecução disciplinar" (STJ, AgInt no RMS 60.890/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/04/2021). Ademais, no caso, a inicial não foi instruída com elementos capazes de comprovar as alegações de parcialidade da Administração. Como já se decidiu em casos análogos:
"é insuficiente a alegação genérica de que deve ser decretada a nulidade do PAD em razão da utilização de depoimentos de testemunhas que eram os servidores que presenciaram os fatos, sem a indicação de vício específico para macular a validade do ato administrativo, nos termos dos arts. 18 a 20 da Lei 9.784/1999 (...) Ademais, o acolhimento da alegação de nulidade processual em PAD não prescinde da demonstração do prejuízo, o que não ocorreu no caso concreto" (STJ, MS 19.560/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 01/07/2019).
VII. No caso, a juntada extemporânea de documentos aos autos administrativos não pode configurar nulidade, uma vez que tal documentação não deu suporte à conclusão da autoridade administrativa. Incide, consequentemente, a orientação segundo a qual "a jurisprudência desta Corte é remansosa no sentido da necessidade de efetiva demonstração dos prejuízos à defesa como pressuposto para a nulidade do processo administrativo, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief" (STJ, RMS 46.292/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/06/2016).
VIII. Quanto à nova capitulação jurídica dada aos fatos, "o STJ entende que o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação jurídica da conduta, como ocorreu no caso dos autos, não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar" (STJ, MS 28.214/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 30/06/2022). Precedentes.
IX. No tocante ao argumento de que, mesmo sob a legislação anterior, a conduta da parte agravante não caracterizaria improbidade administrativa, é certo que "o art. 11 da Lei n. 8.429/92 é claro ao normatizar que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições" (STJ, AgRg no RMS 21.700/BA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe de 20/08/2015). Na mesma direção: STJ, AgInt no MS 24.039/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 12/12/2018. Ademais, não se visualiza na interpretação dada pela Administração aos fatos teratologia ou tampouco ausência de razoabilidade, tendo-se consignado nas informações prestadas pela autoridade apontada como coatora: "Os fatos infracionais apurados no PAD consistem na disseminação e comercialização de informações alfandegárias sigilosas pelo ex-servidor (...) Conforme apuração efetuada pela Polícia Federal na Operação SPY identificou-se um mercado de comércio ilegal de relatórios de Nomenclaturas Comuns do Mercosul (NCMs) e de Manifestos de Importação de Portos Brasileiros, do qual participava o servidor".
X. De igual forma, não merece acolhimento a tese de que, no caso, deveria haver aplicação retroativa das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021. Isso porque, tal como se esclareceu na decisão agravada, quando foram exarados os pareceres que embasaram o ato impugnado no Mandado de Segurança, assim como no momento em que esse ato foi publicado (30/08/2021), a Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, sequer estava vigendo. Consequentemente, a questão acerca da aplicação retroativa, ou não, da Lei 14.230/2021, no caso, não foi, e nem poderia ter sido, discutida no ato impugnado no presente Mandado de Segurança. Sendo esse o quadro, não há como se reconhecer ofensa a direito líquido e certo, que, consoante a jurisprudência desta Corte, "é aquele que se apresenta manifesto de plano, desde a impetração, impondo-se a sua comprovação mediante prova pré-constituída, contemporânea à petição inicial, não se admitindo a juntada posterior de documentos a fim de comprovar o direito alegado, já que, diante da natureza célere do Mandado de Segurança, não se comporta dilação probatória, devendo todos os elementos de prova serem acostados à inicial, não se admitindo a sua juntada posterior, conforme já decidiu esta Corte Superior" (STJ, AgInt no RMS 35.231/PA, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/09/2022), sendo inadmissível a dilação probatória. A propósito, ainda: STJ, MS 18.106/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 04/05/2012; MS 21.666/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 19/12/2016. O que se extrai da pretensão deduzida pelo impetrante é que ele busca revisar o ato administrativo com fundamento na superveniente alteração legislativa. Se é assim, a via adequada, em tese, seria o pleito de revisão previsto no
art. 114 da
Lei 8.112/90, medida cujo cabimento no caso, de antemão, compete à autoridade administrativa decidir.
XI. Por fim, de acordo com a
Súmula 650/STJ: "A autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caraterizadas as hipóteses previstas no
art. 132 da
Lei n. 8.112/1990".
XII. Agravo interno improvido.
(STJ, AgInt no MS n. 28.128/DF, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 29/8/2023, DJe de 31/8/2023.)