DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO REALIZADO COM BASE EM DOCUMENTOS APREENDIDOS NA EXECUÇÃO DE PROCESSOS CRIMINAIS E MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL CONSIDERADOS ILÍCITOS PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DE PROVAS CONSIDERADAS ILÍCITAS PELO PODE JUDICIÁRIO.
TEMA 1238/STF. RECURSO PROVIDO. - Cinge-se a controvérsia em definir se houve nulidade no Mandado de Procedimento Fiscal que gerou o processo administrativo 10840.003694/20005-11, relativo ao lançamento
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...de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e contribuição para o financiamento da Seguridade Social (COFINS) em face da apelada nos exercícios de 1999 e 2000, e, caso nã0 tenha ocorrido nulidade, se a multa qualificada de 150%, aplicada por ocasião da atuação fiscal, violou o princípio constitucional da vedação de confisco. - Conforme se verifica nos autos, o procedimento de fiscalização da Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP) - que originou o procedimento de fiscalização da apelante que aqui se discute - foi realizado de forma ilegal. - Tal procedimento (MPF 08.109.00-2004.00077-0) foi iniciado em face da AERP com base em documentos apreendidos na execução de medidas cautelares penais nos processos 2003.03.00.031711-0 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal), posteriormente declarados ilícitos pelo STJ no RHC 16.414-SP. - Antes da declaração de nulidade pelo STJ no referido RHC 16.414-SP - e no decorrer da fiscalização, contudo, os sócios da AERP ajuizaram o HC 2003.03.00.031711-0 (nº CNJ: 0031711-96.2003.4.03.0000) no qual foi concedida medida liminar por este TRF3, e parte do material apreendido ficou custodiado na Justiça Federal, até que sobreveio decisão de mérito por esta Corte no referido HC, denegando a ordem pleiteada, e tal material foi devolvido à RFB. - Embora o STJ tenha posteriormente reformado a decisão do TRF3 no referido HC, nesse ínterim, a RFB permaneceu com os documentos ilegalmente apreendidos e prosseguiu a fiscalização (Mandado de Procedimento Fiscal - MPF n. 08.109.00-2004.00077-0). - No bojo do referido MPF n. 08.109.00-2004.00077-0 foi instaurado um Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex), no qual as autoridades fiscais efetivaram, em 04/10/2005, a retenção de diversas notas fiscais da apelante (SOCIEDADE DIÁRIO DE NOTÍCIAS), relativos a serviços prestados à AERP, bem como outros diversos documentos. - Com base nesses documentos que foram apreendidos, a RFB então abriu um Mandado de Procedimento Fiscal em face da apelante, o MPF 08.1.09.00-2005-00469-9, no qual foram lançados IRPJ, CSLL, PIS e COFINS relativos ao período de 1999 e 2000, objetos do processo administrativo 10840.003694/2005-11 que aqui se discute. - Assim, resta evidente que há uma relação de causalidade entre o MPF n. 08.109.00-2004.00077-0 - anulado judicialmente - e o MPF 08.1.09.00-2005-00469-9 (que gerou os lançamentos tributários que aqui se discutem), já que iniciado tão somente em decorrência da documentação apreendida em decorrência da execução de um Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex) naquele primeiro MPF. Aliás, se a documentação apreendida na sede da AERP não tivesse sido devolvida à RFB, antes da decisão do TRF3 ser reformada pelo STJ no HC 2003.03.00.031711-0, MPF-Ex sequer teria sido iniciado pelo órgão fiscal. - Ainda, a sentença de que aqui se recorre, prolatada em 12/jul/2011 adotou como premissa o fato de que no Mandado de Segurança 2005.61.02.014191-8 (numeração CNJ atual: 0014191-82.2005.4.03.6102) a AERP requereu a suspensão - e não a nulidade - do MPF que originou o processo administrativo 10840.002934/2005-61, tendo obtido na sentença, que à época ainda estava pendente de julgamento recursal, provimento parcial para permitir o prosseguimento da fiscalização, com a ressalva de que eventual crédito tributário constituído ficaria com a exigibilidade suspensa "até que sobrevenha decisão final nos feitos em que se questionam as decisões proferidas na esfera penal, com possível reflexo no âmbito administrativo-tributário". - Aqui cabe um breve parêntesis: no momento em que a sentença recorrida foi prolatada, tínhamos a declaração de nulidade (reconhecida pelo STJ no RHC 16.414) dos dois processos criminais instaurados para subsidiar a ação fiscal da RFB contra a AERP, a saber: processo 2003.03.00.031711-0 (busca-e-apreensão) e processo 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal). No entanto o procedimento fiscal em si (processo administrativo 10840.002934/2005-61), foi objeto de impugnação no referido Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102, que, à época, não ainda havia sido julgado definitivamente. - Ocorre que posteriormente a AERP, bem com o espólio de Electro Bonini, e o espólio de Maria Aparecida Bonini, seus sócios, ajuizaram Reclamação Constitucional no STF (Rcl 60.918/SP), para fins de requerer a preservação da autoridade daquela Corte Suprema relativamente (i) à decisão proferida nos autos do RHC 16.414/SP; e (ii) ao quanto fixado no Tema de Repercussão Geral nº 1238. - Em tal Reclamação, foram proferidas duas decisões monocráticas pelo Ministro Dias Toffoli, a primeira em 30/08/23 (referente ao espólio de Electro Bonini) e a segunda em 10/10/2023 (referente à AERP e ao espólio de Maria Aparecida Bonini), ambas reconhecendo a inadmissibilidade de utilização em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo poder judiciário, nos termos do tema 1238 da repercussão geral do STF ("são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário"). - Com isso, nos autos do Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102 (que na época da prolação da sentença recorrida, repita-se, ainda estava pendente de julgamento recursal), o STJ, em 22/04/24, proferiu decisão no Recurso Especial 2010730-SP determinando o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que seja dado cumprimento à decisão proferida pelo STF na referida Reclamação 60.918/SP. - Assim, a premissa adotada na sentença recorrida - de que houve apenas a suspensão da exigibilidade do crédito tributário constante no P. A. 10840.002934/2005-61, e não a sua nulidade - não mais prevalece. - O STJ e o STF reconheceram que as provas obtidas ilicitamente nos processos criminais 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal) não somente não podem ser utilizadas para fins criminais, mas também para qualquer fim, inclusive fiscal, restando nulo o processo administrativo 10840.002934/2005-61, do qual surgiu o Mandado de Procedimento Extensivo que gerou a apreensão dos documentos da apelante, dando início ao processo administrativo 10840.003694/20005-11 que aqui se pretende anular. - No direito brasileiro, vigora a teoria dos frutos da árvore envenenada, segundo a qual provas derivadas de provas ilícitas também são consideradas ilícitas e, portanto, inválidas. - No presente caso, antes mesmo de se iniciar a fiscalização tributária contra a AERP, seus sócios e a própria apelante, foram ajuizadas medidas cautelares de processos criminais para a apuração de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, I) que se prestaram, na verdade, para dar subsídios a uma ação fiscal da RFB. Isto é, o Ministério Público Federal não pretendia, de fato, apurar crime algum, mas tão somente possibilitar a coleta de elementos para que a RFB pudesse efetuar uma fiscalização. - De acordo com a Súmula Vinculante 24 "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo". Assim, a medida cautelar no processo criminal 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) subverteu a ordem dos fatos, pois não havia, à época, crime algum a ser investigado, já que sequer havia se iniciado o Mandado de Procedimento Fiscal. - Por essa razão decidiu o STJ que "nos crimes contra a ordem tributária, a propositura da ação penal, bem como o procedimento prévio investigatório, pressupõe haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna exigível somente após o lançamento definitivo. Assim, se não se podia -e, de fato não se pode - instaurar ação penal, então não foram lícitas a busca e a apreensão" (EDcl. No RHC 16.414, Sexta Turma, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 26/05/2008). - Não há no caso, portanto, uma fonte independente pela qual foram extraídas as informações que deram origem ao procedimento administrativo de que aqui se recorre. O próprio do relatório fiscal que dá sustentação ao Auto de Infração da apelante não deixa dúvidas: "1 - Em procedimento de fiscalização na empresa Associação de Ensino de Ribeirão Preto, estes AFRFs lograram encontrar centenas de notas fiscais emitidas pela contribuinte Sociedade Diário de Notícias Ltda (...)" (id 90300736 - Pág. 62). - O caso em análise é substancialmente semelhante ao entendimento fixado pelo STF no julgamento do tema 1238, ocasião em que a Suprema Corte analisou uma situação em que o órgão de defesa da concorrência (CADE) constatou a existência de determinado Cartel que teria causado significativo prejuízo para economia pública, com base em evidências colhidas pelo próprio órgão que tiveram origem, direta ou indiretamente, em dados e documentos obtidos em processo criminal de interceptação telefônica que não observou os pressupostos legais e, assim, foram tidos como ilícitos pelo STJ ao proferir o acórdão no HC 190.334 -SP. - Em síntese: o processo administrativo 10840.003694/20005-11, objeto do presente recurso de apelação, é oriundo do MPF 08.1.9.00-2005-00469-9, que foi iniciado em virtude da apreensão de documentos da apelada em poder da AERP no Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex) realizado no bojo do MPF n. 08.109.00-2004.00077-0, cuja nulidade foi reconhecida no Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102 (que à época da prolação da sentença recorrida ainda não havia sido decidido em grau recursal), no RHC 16.414, na Reclamação 60.918 e nos EDcl no AInt no REsp 2010730-SP. Tal nulidade foi reconhecida em razão da ilicitude dos procedimentos criminais 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal), utilizados exclusivamente para fins fiscais. - Ao reconhecer a nulidade de tal procedimento fiscal, o próprio Supremo Tribunal Federal invocou, na Reclamação 60.918, o teor do tema 1238 de sua repercussão geral, em que, analisando caso paradigma substancialmente semelhante, fixou tese no sentido de que "são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário". - Por fim, verifica-se que outros processos administrativos fiscais oriundos da mesma ação fiscal da RFB também foram anulados judicialmente pelas Cortes Superiores em outros processos, a exemplo das anulatórias fiscais nº 0013917-84.2006.4.03.6102 e nº 0000667- 13.2008.4.03.6102 ajuizadas pelos sócios da AERP, mencionadas no voto condutor deste Acórdão. - Recurso de apelação provido para anular o crédito tributário consubstanciado no Auto de Infração vinculado ao Processo Administrativo n° 10840.003694/2005-11.
(TRF-3, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 00013586120074036102, Rel. Desembargador Federal RUBENS ALEXANDRE ELIAS CALIXTO, julgado em: 06/06/2025, Intimação via sistema DATA: 10/06/2025)