APELAÇÃO. META 2, CNJ. SENTENÇA IMPROCEDENTE DO PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PERDAS E DANOS. NO CASO, ALEGAÇÃO DE USO INDEVIDO DA MARCA DA AUTORA, ASSIM COMO SUA IMAGEM, NA REAPROVEITAÇÃO DO USO DE SACAS DE GÊNERO ALIMENTÍCIO COM A LOGOMARCA DA REQUERENTE. PERÍCIA NA DELEGACIA DE DEFRAUDAÇÕES E FALSIFICAÇÕES: NÃO DETECTADO QUALQUER INDÍCIO DE ADULTERAÇÃO DAS SACAS. A REQUERENTE FAZ INVOCAÇÃO AO DISPOSTO NO
ART. 207 DA
LEI Nº 9.279/96 (
LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL): DESCABIMENTO. PERMISSIVO DO
ART. 375,
CPC PARA APLICAÇÃO DAS REGRAS DE
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...EXPERIÊNCIA SUBMISTRADAS PELO QUE ORDINARIAMENTE ACONTECE. A PROMOVENTE NÃO SE DESINCUMBIU DE PROVAR OS FATOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO NA FORMA DO ART. 373, I, CPC, DESPROVIMENTO. 1. Rememore-se o caso. Nos autos, Ação Cominatória de Obrigação de Fazer com perdas e danos. Nessa perspectiva, afirma a Autora (Bunge Alimentos S/A) que ajuizou medida Cautelar de Busca e Apreensão (Processo nº 033969-49.2009.8.0001), com o objetivo da retirada do mercado de sacos com logomarca utilizados pela Requerente para circulação de mercadorias e que estão sendo indevidamente comercializados pela Promovida (Dvera Indústria e Serviço de Embalagens LTDA), causando prejuízos de ordem moral e material, já que a Demandante atua há anos na fabricação de produtos alimentícios, sendo reconhecida pela qualidade de seus produtos. Aduz que, dentre os vários produtos fabricados, está o farelo de soja que é embalado em sacos de 50 quilos, constando todos os dados da Autora, inclusive sua logomarca. Todavia, ficou sabendo por meio de prepostos seus, que um comerciante local estava vendendo referidos sacos sem autorização da Requerente. Argumenta que, em visita a clientes, recebeu reclamações de que os preços praticados na venda dos produtos da BUNGE Alimentos estavam sendo em valores inferiores ao praticado no mercado pela empresa Autora. Então, a Requerente buscou informações e constatou que os produtos que constavam nas sacas com a marca BUNGE estavam adulterados, sendo encontrado produto diverso do fabricado pela empresa Postulante. Esclarece que, em diligências, a Autora descobriu que as embalagens eram vendidas pela empresa Requerida, em fardos com 200 sacos, o que poderia causar prejuízos a empresa Promovente, pois seus consumidores acreditam estar comprando produto da marca BUNGE ALIMENTOS em referidos sacos quando não era, restando caracterizado o uso indevido da marca da Autora, assim como sua imagem. Por fim, a Requerente reitera o pedido de busca e apreensão dos sacos com a logomarca da empresa Autora, conforme requerido na Ação Cautelar, aduzindo inclusive que não se sabe se os sacos são objeto de falsificação. Eis a origem da celeuma. 2. COTEJO ANALÍTICO DE TESES CONTRAPOSTAS: De um lado, a Parte Autora aduz em suas razões que a empresa requerida vem comercializando sacas com a logomarca da empresa autora, sacas estas que são utilizadas para comercialização de farelo de soja, saco de 50 quilos, tendo ficado sabendo por meio de prepostos seus que um comerciante local estava vendendo-os no comércio local. Aduz que isso causa diversos prejuízos à empresa pois estão usando referida embalagem para vender produtos que não são fabricados pela autora e com isso impactando em sua fama e relações comerciais; que a responsabilidade é da empresa requerida pois é esta quem comercializa as sacas apontadas. D'outra banda, a Requerida argumenta que pratica uma atividade lícita, que adquire as sacas defeituosas e não aproveitada pelas fabricantes, não podendo ser responsabilizada pelo uso após sua comercialização e que a Demandante deve procurar meios contratuais com as fabricantes para que as sacas não utilizadas não sejam vendidas para empresas de reciclagem. Destaca ainda que além das sacas defeituosas, as sacas que são usadas inicialmente para a venda dos produtos da parte Promovente, são depois revendidas no mercado para reutilização em outras atividades, o que foge da alçada da Promovida, que não possui nenhuma gerência sobre este tipo de comércio que existe em todo o Brasil. Esse, o dilema. 3. PERÍCIA NA DELEGACIA DE DEFRAUDAÇÕES E FALSIFICAÇÕES: NÃO DETECTADO QUALQUER INDÍCIO DE ADULTERAÇÃO DAS SACAS: Destaque-se ainda para a afirmativa da suposta falsificação dos sacos coma logomarca da parte autora pela requerida, onde foi instaurada e realizada perícia pela Delegacia de Defraudações e Falsificações e não foi encontrado qualquer indício de adulteração nas sacas comercializadas pela requerida. 4. AUTORA FAZ INVOCAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 207 DA LEI Nº 9.279/96 (LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL): DESCABIMENTO: Ainda no seu pedido, a Requerente invoca o disposto no art. 207 da Lei Nº 9.279/96, lei que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Confira-se: Art. 207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil. Acontece que tal parâmetro é inaplicável à espécie. 5. Nessa vazante, vide a dicção sentencial, ad litteram: (...) O dispositivo supracitado decorre de lei que regula a propriedade industrial, não sendo aplicado ao caso já que a empresa autora é do ramo alimentício, sendo as sacas de fabricação de outras empresas que sequer integram a presente relação jurídica. Quem pode ter ferido a propriedade industrial da autora são terceiros que, utilizando sacas com a logomarca da empresa autora, tenham comercializado o mesmo produto que o seu, farelo de soja, o que certamente feriria a propriedade intelectual que detêm a autora sobre referido produto. (...) Nada a reparar. Chancelado. 6. PERMISSIVO DO ART. 375, CPC PARA APLICAÇÃO DAS REGRAS DE EXPERIÊNCIA SUBMISTRADAS PELO QUE ORDINARIAMENTE ACONTECE: A essa altura, divisa-se que o caso não é bem como a Autora suscita. É que é muito comum na rotina do comércio o reaproveitamento de peças defeituosas por empresas de reduzida forças financeiras e a reutilização de materiais descartados por estabelecimentos grandes e aproveitados para outros destinos. Na contramão dessa prática, caberia ao Requerente absorver todo o material encomendado (sacas), seja aqueles em perfeito estado e aqueles outros mal fabricados, de modo a impedir que tais peças sejam manuseadas por terceiros sem a sua autorização. Com efeito, tal iniciativa é representativa de um trabalho adicional hercúleo, talvez bem menos lucrativo do que o seu objeto comercial. Tais ilações consubstanciam regras de experiência subministradas pelo que ordinariamente acontece, as quais tem permissivo legal de aplicação na forma do art. 375, CPC. 7. Nessa toada, o pinçado da Decisão Primeva, ad litteram: (...) A embalagem (saca), acompanha o produto vendido (farelo de soja) e, após o uso do produto, o consumidor final pode utilizar da embalagem da forma que melhor lhe convir, desde que não traga qualquer prejuízo ao ramo de atividade praticado pela autora (venda de farelo de soja). Inclusive é praxe que se reutilizem essas sacas, assim como caixas de papelão e outros tipos de embalagens para fins diversos, por óbvio sem interferir no negócio praticado originalmente. É sabido também que na produção de tais produtos sempre existem perdas por não atingir o formato correto, costura ideal, logomarca, etc, onde não existe nenhum impeditivo legal de que a fabricante das sacas, buscando diminuir seus custos e prejuízos, revenda essas sobras para serem utilizadas para fins diversos, não sendo este comércio de responsabilidade da empresa requerida. (...) Escorreitas as intelecções dignas de preservação. 8. O AUTOR NÃO SE DESINCUMBIU DE PROVAR OS FATOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO NA FORMA DO ART. 373, I, CPC: Portanto, a Requerente não teve êxito em provar o seu alegado, não se desincumbindo do ônus probatório. Conforme o art. 373, I, CPC, incumbe o ônus da prova ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito, o que não foi satisfeito. Aliás, meras alegações despidas de qualquer respaldo probatório não têm o condão de constituir o direito da parte autora e suscitar ao outorgada concessão jurisdicional almejada. 9. No assunto, acentua o jurista (...): "Não há um dever de provar, nem à parte assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito respectivo que pretende resguardar através de tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não prova do é o mesmo que fato inexistente" (in Processo de Conhecimento, vol.2, p.257). 10. Incremente-se que o Professor FREDIE (...) ressalta a importância da produção probatória do Autor: O CPC, ao distribuir o ônus d a prova, levou em consideração três fatores: a) a posição da parte na causa (se autor, se réu); b) a natureza dos fatos em que funda sua pretensão/exceção (constitutivo, extintivo, impeditivo ou modificativo do direito deduzido; c) e o interesse em provar o fato. Assim, ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo deste mesmo direito (artigo 373, CPC). Dessa forma, é possível classificar os fatos deduzidos, quanto à sua natureza e ao efeito jurídico que podem produzir, em constitutivos, modificativos, impeditivos e extintivos. O fato constitutivo é o fato gerador do direito afirmado pelo autor em juízo. Compõe o suporte fático, enquadrado em dada hipótese normativa, constitui uma determinação jurídica, de que o autor afirma ser titular. Como é o autor que pretende o reconhecimento deste seu direito, cabe a ele provar o fato que determinou seu nascimento. Por exemplo: um contrato de locação e seu inadimplemento são fatos constitutivos do direito de restituição da coisa locada; um testamento e o falecimento do testador geram direito à sucessão; um ato ilícito e culposo, causador de dano, faz nascer direito de indenização, etc. (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: volume 2. Fredie Didier Jr.,
(...) - 10. ed.- Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.2. Página 111). 11. DESPROVIMENTO do Apelo, para preservar intacta a decisão singular, por irrepreensível, assegurada a majoração honorária pertinente à etapa recursal, em mais 10% (dez por cento) sobre o valor fixado na origem, observado o limite do percentual previsto no
art. 85,
§2º,
CPC/15.
(TJ-CE; Apelação Cível - 0051674-60.2009.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 30/05/2023, data da publicação: 30/05/2023)