RECURSOS ORDINÁRIOS. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO FEDERAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADES.
ART. 1º,
I, G E Q, DA
LC 64/90.1. Recursos ordinários interpostos contra acórdão por meio do qual o TRE/PR rejeitou as impugnações dos ora recorrentes e deferiu o registro de candidatura do recorrido, eleito Deputado Federal pelo Paraná nas Eleições 2022.2. A controvérsia cinge–se a duas causas de inelegibilidade: (a)
art. 1º,
I, q, da
LC 64/90, alegando–se, dentre
...« (+1342 PALAVRAS) »
...outros fatos, que o recorrido antecipou seu pedido de exoneração do cargo de procurador da República para contornar a concreta possibilidade de que 15 procedimentos administrativos de natureza diversa fossem convertidos em processos administrativos disciplinares (PAD); (b) art. 1º, I, g, da LC 64/90, pois o recorrido, como coordenador da Operação Lava Jato, teve contas públicas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades no pagamento de diárias e passagens a membros do Ministério Público Federal que atuaram na referida força–tarefa. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, Q, DA LC 64/90. ANTECIPAÇÃO. PEDIDO. EXONERAÇÃO. CARGO. PROCURADOR. FRAUDE À LEI. CONFIGURAÇÃO.3. Consoante o art. 1º, I, q, da LC 64/90, são inelegíveis "os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos".4. O art. 1º, I, q, da LC 64/90 prevê três hipóteses distintas de inelegibilidade. As duas primeiras advêm de sanções concretas, quais sejam, aposentadoria compulsória ou perda do cargo. Já na terceira, não é necessário haver penalidade, bastando que exista pedido de exoneração ou de aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar (PAD) que possa, hipoteticamente e a princípio, levar àquelas consequências.5. A fraude à lei (fraus legis) caracteriza–se pela prática de conduta que, à primeira vista, consiste em regular exercício de direito amparado pelo ordenamento jurídico, mas que, na verdade, configura burla com o objetivo de atingir finalidade proibida pela norma jurídica. Em outras palavras, é ato com aparência de legalidade, porém dissimulado, cuja ilicitude emerge a partir da conjugação das circunstâncias específicas no exame de um caso concreto. Doutrina e jurisprudência.6. Nos termos do art. 187 do CC/2002, "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê–lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa–fé ou pelos bons costumes".7. O Supremo Tribunal Federal, em emblemático precedente, reconheceu fraude à lei na hipótese em que membro de tribunal, visando contornar a causa de inelegibilidade do art. 102 da LOMAN – segundo a qual é inelegível, para presidente, quem ocupou cargos de direção por dois biênios –, renunciou ao cargo de vice–presidente cinco dias antes de completar quatro anos no desempenho de funções diretivas (Rcl 8.025/SP, Rel. Min. Eros Grau, Plenário, DJE de 6/8/2010). Assim, quem pretensamente renuncia a um cargo (direito a princípio conferido pelo ordenamento jurídico), para, de forma escusa, contornar inelegibilidade estabelecida em lei (disputa de eleição para o cargo de presidente de tribunal), incorre no ilícito em tela.8. Matéria também já decidida por esta Corte, que, a título demonstrativo, assentou a fraude à lei no registro de candidato sabidamente inelegível, "puxador de votos", substituído apenas na véspera do pleito (art. 13, § 1º, da Lei 9.504/97), sem que assim houvesse tempo para retirar seu nome da urna eletrônica, garantindo–se votos para o seu substituto (AgR–AI 12–11/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 17/11/2016).9. Na espécie, a somatória de cinco elementos, devidamente concatenados e contextualizados, revela de forma cristalina que o recorrido exonerou–se do cargo de procurador da República em 3/11/2021 com intuito de frustrar a incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, q, da LC 64/90 e, assim, disputar as Eleições 2022. A manobra impediu que 15 procedimentos administrativos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em seu desfavor, viessem a gerar processos administrativos disciplinares (PAD) que poderiam ensejar aposentadoria compulsória ou perda do cargo.10. Os aspectos caracterizadores da fraude, entrelaçados de forma temporal, fática e jurídica, podem ser assim resumidos: (a) existência de dois processos administrativos disciplinares (PAD), com trânsito em julgado, nos quais o CNMP aplicou ao recorrido advertência e censura, por sua vez aptas a caracterizar maus antecedentes para fim de imposição de sanções mais gravosas em procedimentos posteriores (arts. 239 e 241 da LC 75/93); (b) tramitavam contra o recorrido outros 15 procedimentos de natureza diversa (tais como reclamações), que, em virtude de sua exoneração, foram arquivados, extintos ou paralisados, cabendo salientar que: (b.1) conforme dispositivos constitucionais e legais aplicáveis ao CNMP, esses procedimentos poderiam vir a ser convertidos ou dar azo a processos administrativos disciplinares; (b.2) os fatos a princípio se enquadram em hipóteses legais de demissão por quebra do dever de sigilo, de decoro e pela prática de improbidade administrativa na Operação Lava Jato; (c) um dos procuradores da República que atuou com o recorrido na Operação Lava Jato foi apenado com demissão pelo CNMP em 18/10/2021, em processo administrativo disciplinar instaurado a partir de anterior reclamação, por contratar e instalar outdoor em homenagem à força–tarefa, com fotografia na qual o recorrido também aparece (ato de improbidade administrativa); (d) apenas 16 dias depois, em 3/11/2021, o recorrido pediu exoneração; (e) essa exoneração, ainda onze meses antes das Eleições 2022, causou espécie diante desses fatores e, ainda, pelo fato de que membros do Ministério Público apenas precisam se afastar do cargo faltando seis meses para o pleito (art. 1º, II, j, da LC 64/90; o que para as Eleições 2022 recairia apenas em 2/4/2022).11. Segundo o art. 23 da LC 64/90, de constitucionalidade reconhecida pela Suprema Corte, "o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral".12. O conjunto probatório demonstra que o recorrido, visando não incidir na inelegibilidade do art. 1º, I, q, da LC 64/90, antecipou sua exoneração em fraude à lei.13. A inelegibilidade aplica–se ao caso não com base em hipótese não prevista na LC 64/90, o que não se admite na interpretação de normas restritivas de direitos. O óbice incide porque o recorrido, em fraude à lei, utilizou–se de subterfúgio para se esquivar da regra da alínea q, vindo a se exonerar do cargo de procurador da República antes do início de processos administrativos envolvendo fatos da Operação Lava Jato.14. Inaplicabilidade do princípio da segurança jurídica, por ausência de similitude fática, quanto ao REspEl 0600957–30/PR, Rel. Min. Raul Araújo, de 15/12/2022, no qual esta Corte decidiu que a inelegibilidade da alínea q requer tenha havido "processo administrativo disciplinar", a ele não se equiparando outros procedimentos como reclamações ou sindicâncias. O caso dos autos possui duas distinções fundamentais: (a) não se pretende revisitar esse entendimento, pois a presente controvérsia diz respeito a fato anterior (pedido antecipado de exoneração) cujo intuito era evitar a instauração de processos administrativos disciplinares que pudessem atrair a inelegibilidade, em fraude à lei; (b) no acórdão paradigma, o candidato pediu exoneração da magistratura para exercer cargo na equipe de transição do presidente da República eleito em 2018 e, depois, assumir titularidade de Ministério, sem notícia de qualquer manobra para burlar o óbice à capacidade eleitoral passiva. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. SUSPENSÃO. EFEITOS. NÃO CONFIGURAÇÃO.15. Consoante o art. 1º, I, g, da LC 64/90, são inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário [...]".16. No caso, o recorrido teve contas públicas rejeitadas, em tomada de contas especial do Tribunal de Contas da União, na condição de coordenador da Operação Lava Jato, por irregularidades no pagamento de diárias e passagens a membros do Ministério Público que atuaram na referida força–tarefa, o que teria gerado dano ao erário de R$ 2.831.808,53.17. É indene de dúvida, porém, que os efeitos desse pronunciamento foram suspensos mediante tutela de urgência concedida na data de 18/9/2022 em demanda proposta perante a 6ª Vara Federal de Curitiba. Incidência do art. 11, § 10, da Lei 9.504/97 e da
Súmula 41/TSE.CONCLUSÃO. PROVIMENTO.18. Recursos ordinários a que se dá provimento para indeferir o registro de candidatura do recorrido ao cargo de deputado federal, comunicando–se de imediato ao TRE/PR para imediata execução do acórdão (precedentes), mantendo–se o cômputo dos votos em favor da legenda (
art. 20,
III c/c
§ 2º, da
Res.–TSE 23.677/2021 e ADI 4.513, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, PV de 31/3/2023 a 12/4/2023).
(TSE, RECURSO ORDINáRIO ELEITORAL nº 060140770, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 112, Data 02/06/2023)