PENAL E PROCESSUAL PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS.
ARTS. 118 E 120, AMBOS DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INVESTIGAÇÃO RELACIONADA À SUPOSTA PRÁTICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA INTERNACIONAL, OPERAÇÃO ILEGAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, GESTÃO FRAUDULENTA, CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO, CRIME AMBIENTAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE LÍCITA DOS BENS APREENDIDOS E DA DESVINCULAÇÃO DE TAIS BENS
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...AOS FATOS EM APURAÇÃO EM AÇÃO PENAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APELAÇÃO DESPROVIDA. - A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé. Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, a inteligência do artigo 123 do CPP determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído. - Note-se que a apreensão é medida que não se confunde com o "sequestro de bens móveis e/ou imóveis", a "hipoteca legal" ou o "arresto de bens móveis e/ou imóveis", pois, embora também sirva para impedir o perecimento de coisas e/ou preservar direitos, trata-se, sobretudo, de meio de obtenção de prova. Além disso, enquanto as referidas medidas assecuratórias somente podem ser efetivadas por ordem judicial, a apreensão pode ser realizada também por autoridade policial (inteligência do artigo 6°, II, do CPP). A apreensão é, pois, medida que possui natureza jurídica mista e, por esta razão, encontra-se disciplinada em capítulo diverso das demais medidas assecuratórias patrimoniais. De qualquer sorte, é certo que a apreensão se assemelha às referidas medidas cautelares de constrição, pois, tal como estas, somente pode ser decretada quando presentes os requisitos periculum in mora (risco de desaparecimento de coisa que interesse à prova da infração penal, p. ex.) e fumus boni iuris (probabilidade de a coisa ter efetiva relação com o fato criminoso apurado). Portanto, a diligência de apreensão difere, tecnicamente, da medida cautelar de sequestro, não obstante ambas as medidas possam se referir a objetos que caracterizem produto de crime. Enquanto a apreensão ostenta, sobretudo, caráter probatório, o sequestro destina-se, essencialmente, a cobrir os danos causados pelo crime. Inclusive, nos termos do art. 132 do CPP, apenas se haverá de falar em sequestro de bens móveis (como medida acautelatória) se não for cabível a apreensão. Nesse sentido, apenas produtos indiretos do crime, ou seja, produtos adquiridos com os proventos da infração é que poderão, em princípio, ser alvo de sequestro. Em se tratando de produtos (bens móveis) obtidos diretamente a partir da prática delituosa, isto é, de produtos diretos do crime, a medida cabível será a apreensão. - Finda a diligência de apreensão, em se constatando, de plano, i) a posse ou propriedade legítima da coisa (o que engloba a demonstração de sua origem lícita), ii) que a coisa não mais interessa ao processo, iii) e que a coisa não estará sujeita a futuro confisco, poderá a autoridade policial ou judicial, mediante simples pedido formulado pelo interessado, restituí-la, mediante termo nos autos (inteligência do art. 120, caput, do CPP), sem que haja necessidade de autuação em apartado. Porém, se duvidoso o direito do interessado, deverá ser instaurado, em apartado, Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, nos termos do art. 120, §1°, do CPP, determinando-se, sempre, a oitiva do órgão ministerial (inteligência do § 3° do art. 120 do CPP). Haverá, então, sob o crivo do contraditório, uma breve instrução probatória, dado o caráter incidental deste procedimento. Em face de decisão proferida no bojo deste incidente, dada a sua natureza de "decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito", caberá Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP (recurso não dotado de efeito suspensivo). - A restituição de coisa aprendida ocorrerá quando não mais interessar ao processo penal e na certeza acerca da licitude e propriedade do bem, o que engloba a demonstração da onerosidade do negócio jurídico, da capacidade financeira para a aquisição do bem e da ausência de vínculo com o fato criminoso. - Ainda que a apelante não seja alvo da investigação em curso, no caso em análise, pairam dúvidas acerca da real propriedade e aquisição lícita das joias, sendo forçoso reconhecer que os bens ora pleiteados podem constituir elemento de prova ou, ainda, proveito dos ilícitos supostamente praticados por seu cônjuge, denunciado nos autos de ação penal, circunstâncias que precisam ser investigadas e apuradas. Além disso, há que se considerar o disposto no art. 91, inciso II, do CP, o qual dispõe que os bens utilizados para a prática de crimes, ou produtos de atividades ilegais, podem ser perdidos em favor da União. - Oportuno ainda salientar que o §2 º do artigo 4º da Lei n.º 9.613/1998, referente aos crimes de lavagem de dinheiro, um dos delitos no qual o marido da apelante está sendo processado, permite que a constrição se mantenha sobre bens, direitos e valores de origem lícita nos limites necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Ou seja, ainda que alegada a licitude dos bens, tal fato não é suficiente para a liberação dos mesmos e sua desvinculação ao marido da apelante. É necessária a devida mensuração do eventual prejuízo ocorrido para, então, manter a devida constrição correspondente ao dano causado. - Em adição, registre-se que o ordenamento jurídico pátrio determina a inversão do ônus da prova pelo apontado autor de uma infração com respeito à origem lícita do produto ou outros bens sujeitos a confisco nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, crime organizado transnacional e corrupção, conforme estabelece o artigo 5, item 7, da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, promulgada pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de 1991; o artigo 12, item 7, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004; e o artigo 54, item 1, letra "c", da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006. - Ademais, é importante frisar que a interpretação conferida ao artigo 11, item 6, da Convenção de Palermo, é no sentido de que o direito interno de cada país não pode retratar diferentemente as disposições da Convenção, caso o Estado a tenha recepcionado sem ressalvas. Esse é o caso do Brasil, o qual, quando da promulgação do Decreto que aprovou o texto da referida Convenção (Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004) consignou, ainda, em seu
artigo 2º, que quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção estão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional. - Ausentes elementos concretos aptos a justificar o levantamento da constrição decretada, mostra-se necessária, por ora, sua manutenção, sendo inviável neste momento processual a liberação pretendida. - Apelação desprovida.
(TRF-3, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 50076598920234036000, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em: 12/05/2025, DJEN DATA: 16/05/2025)