PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SEGURO DE VEÍCULO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO. EMBRIAGUEZ. COMPROVAÇÃO. O BOLETIM DE OCORRÊNCIA E AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE POR EMBRIAGUEZ ELABORADOS POR AUTORIDADE COMPETENTE, GOZAM DE PRESUNÇÃO ¿JURIS TANTUM¿ DE VERACIDADE INERENTE AOS ATOS ADMINISTRATIVOS EM GERAL. DOCUMENTOS NÃO DESCONSTITUÍDOS PELO AUTOR. ÔNUS DA PROVA. AGRAVAMENTO DO RISCO. RECONHECIMENTO. NEGATIVA DE COBERTURA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. I. Cuida-se de apelação cível interposta por ARTE PRODUÇÕES DE EVENTOS ARTÍSTICOS E LOCAÇÕES LTDA., contra sentença de fls. 663/674, da lavra do juízo da 28ª Vara Cível de Fortaleza, nos autos da AÇÃO INDENIZATÓRIA, intentada em desfavor do BRADESCO SEGURO AUTO S/A, em a qual restou decidido:
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...¿Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora, extinguindo-se com resolução do mérito o presente feito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil ( CPC). Condeno a parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, com âncora no art. 85, do CPC; ficando, no entanto, suspensa sua exigibilidade, tendo em vista a concessão dos benefícios da justiça gratuita, em conformidade com o art. 98, § 3º, também do CPC. II. Preliminarmente, analisa-se o cabimento da incidência do Código de Defesa do Consumidor no presente deslinde, objeto do apelo interposto de fls. 677/716. Inicialmente, destaca-se que o fato de o seguro ter sido estipulado por pessoa jurídica para proteção de sua frota e em favor de terceiros (empregados) não exclui a incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois ostenta condição de destinatário final do produto. III. Já quanto a inversão do ônus da prova, embora o art. 6º , VIII do Código de Defesa do Consumidor assegure, como direito básico do consumidor a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova, referido dispositivo não autoriza o deferimento automático da inversão. Deve-se, entretanto, ter muito cuidado no caso concreto com essa inversão do ônus da prova, porque não parece razoável que com a inversão no caso concreto ao fornecedor seja imposto um ônus do qual será extremamente difícil, ou até mesmo impossível, se desincumbir. A superioridade técnica do fornecedor deve se manifestar no caso concreto de forma que a ele seja viável ou mais fácil a produção da prova, e quando isso não ocorre é difícil sustentar a hipossuficiência do consumidor. Sob essa perspectiva, cumpre observar que a pretensão desta demanda se consubstancia no recebimento de indenização securitária, a qual foi negada em razão do suposto agravamento do risco pelo segurado, notadamente porquanto o sinistro decorreu, em tese, da embriaguez do motorista que conduzia o veículo segurado. IV. Com efeito, não se vislumbra qualquer razão que demande a alteração das regras originárias do ônus da prova, porquanto a seguradora apresentou sua negativa baseada em cláusulas contratuais, cabendo ao recorrente comprovar que não houve o agravamento do risco,ou então que tal cláusula não seria aplicável na hipótese. Não se verifica, pois, que a seguradora teria melhores condições de produzir tal prova do que o consumidor, não possuindo hipossuficiência que o impeça de demonstrar suas alegações. Passa-se ao mérito. V. O ponto nodal do recurso em exame é decidir, com base no acervo probatório dos autos, se há provas suficientes que comprovem o estado de embriaguez do condutor do veículo segurado que importe em agravamento intencional do risco contratado, sob pena de perder a garantia securitária. VI. No caso, restou incontroverso que as partes celebraram negócio jurídico de cobertura de seguro veicular, consoante a Apólice nº 076530 com vigência entre os dias 27/01/2018 a 27/01/2019, cujo objeto da contratação de seguro é o veículo descrito na exordial de fls. 01/20. Restou ainda assentado nos autos, que no dia 30/07/2018, ao trafegar pela Avenida Osório de Paiva(Fortaleza/CE), o motorista que dirigiu o veículo de propriedade da recorrente, envolveu-se em um grave acidente, ocasionando, inclusive, o óbito de várias pessoas que ali transitavam. Mesmo estando adimplente com o apelado, a cobertura securitária foi negada sob o argumento de que o condutor do veículo estaria sob efeito de bebida alcoólica, situação que desobriga a seguradora de cumprir o contrato, nos termos do art. 762, 768 e 769 do Código Civil. VII. Com efeito, configurado o estado de embriaguez do condutor, é legítima sua recusa ao pagamento da indenização, sendo certo que, para ter direito à indenização securitária, caberia ao segurado demonstrar que o acidente teria ocorrido independentemente de sua embriaguez. Assim, deve ser analisado, em primeiro lugar, se o estado de embriaguez foi comprovado pela seguradora; e, caso afirmativo, se o apelante desconstituiu o nexo de causalidade entre sua embriaguez e a ocorrência do sinistro. VIII. Dos autos, pode-se extrair que conforme o auto de prisão em flagrante (fls. 508 /509), ficou evidenciado que o ¿ [¿] CONDUTOR (A) JOSÉ ALEXANDRE SOUSA DA COSTA, conduzindo preso(s) FABIANO QUEIROZ DA SILVA, por Infração, em tese, ao ART.18, I, CODIGO PENAL (DEC. LEI 2848) | ART.121, CODIGO PENAL (DEC. LEI 2848), haja vista ter(em) sido este (s) surpreendido(s) logo após ter(em) ingerido bebida alcoólica e guiado veículo automotor, em alta velocidade, ocasionando a morte de duas pessoas e lesionando outras 13 pessoas, na avenida Osorio de Paiva, 3422 bairro Bonsucesso, Fortaleza, CE, circunscrição da DELEGACIA DO 10. DISTRITO POLICIAL [¿]¿. IX. Ademais, do exame de embriaguez realizado pelo médico Valmiro Pinheiro Filho CRM Nº- 4765, colacionado às fls. 585/591, foi declarado que : ¿Periciando internado no Instituto José Frota, sob escolta policial, após envolver-se em ocorrência de trânsito, apresentando sinais de embriaguez, fato ocorrido por volta das 18h30min do dia de ontem, 30/07/2018. O mesmo informa que ingeriu dois copos de cachaça e, quando dirigia um caminhão caçamba em direção à empresa onde trabalhava, perdeu o controle do mesmo, abalroando vários veículos. Ao exame físico, realizado às 10h00min do dia 31/07/2018, verifica-se paciente acamado, com contusões na região frontal, nasal, maxilar direita, oral e na região do mento. Apresenta conjuntivas levemente hiperemiadas e encontra-se levemente torporoso. [...] Hálito cetônico. Impossibilitado de realizar os exames físicos de constatação de embriaguez, o mesmo aceitou a colheita de sangue. Foi solicitado à direção do hospital amostra do sangue colhido às 6h00min deste mesmo dia, 31/07/2018, que foi prontamente concedida. Exame do prontuário hospitalar revela: "Paciente com sinais de embriaguez, envolvido em acidente automobilístico. conforme registro da Dra. Suerbh Albuquerque. Cremec 13.253. Discussão: Devido ao largo lapso de tempo entre a ocorrência de trânsito e o exame de embriaguez (15 horas e 30 minutos), além da administração de medicamentos e soroterapia, muitos dos sinais de embriaguez provavelmente desapareceram, inclusive podendo ocorrer a negativação do exame laboratorial para detectar a taxa de alcoolemia. [...] no momento do exame pericial, há de se deduzir, pela afirmação do próprio periciando, que afirmou ter ingerido cachaça, e da médica que o atendeu na chegada do hospital, que realmente, no momento do acidente, o mesmo encontrava-se sob influência do álcool e com sua capacidade psicomotora alterada devido à influência do álcool. X. Nesse sentido, importante sinalar que os documentos acima destacados, elaborados por autoridade competente, gozam de presunção relativa de veracidade quando à dinâmica do acidente, pelo que deve prevalecer, desde que não infirmadas por prova em contrário. Sobre o tema, inclusive, cabe menção o artigo 405 do Código de Processo Civil: ¿Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença.¿ Havendo tal presunção relativa, esta somente poderia ser elidida caso o autor demonstrasse que o acidente teria ocorrido independentemente de sua embriaguez, o que, de fato, não ocorreu, garantido-lhe o direito à indenização securitária. O autor, repita-se, não logrou êxito em comprovar que o acidente teria ocorrido independentemente da ingestão de álcool, de modo que não se rompeu o nexo de causalidade. XI. Assim, entendo como devidamente caracterizada a embriaguez do segurado no caso concreto. O autor, repita-se, não logrou êxito em comprovar que o acidente teria ocorrido independentemente da ingestão de álcool, de modo que não se rompeu o nexo de causalidade. Houve, portanto, o agravamento do risco contratado com a seguradora por força da conduta do autor, o que origina a perda do direito à indenização, conforme o artigo 768 do Código Civil: ¿Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.¿ XII. Em assim sendo, não houve irregularidade na negativa, por parte da seguradora ré, de pagamento da indenização contratada, uma vez demonstrada a embriaguez do autor no momento do sinistro e o agravamento do risco contratado pela conduta do autor. Com efeito, da detida análise dos autos, depreende-se que as alegações da parte autora, ora apelante, não restaram suficientemente comprovadas, não tendo o recorrente produzido prova satisfatória de suas alegações. Vê-se, pois, que no caso concreto, não é possível confrontar e identificar a verossimilhança nas alegações da autora, nem imputar a responsabilidade à requerida. XIII. Ora, sabe-se que o art. 373 do CPC distribui o ônus da prova de acordo com a natureza da alegação fática a ser comprovada. Nesse cenário, ao autor cabe provar as alegações concernentes ao fato constitutivo do direito afirmado, ao passo que ao réu cumpre demonstrar os fatos negativos, extintivos e modificativos da pretensão deduzida por aquele. Cuida-se de um indicativo para que o Juiz se livre do estado de dúvida e decida o mérito da causa. Contudo, pairando essa incerteza sobre o fato constitutivo do direito postulado, essa deve ser suportada pela parte autora. Nesse contexto, deve ser observado que o Superior Tribunal de Justiça, firou jurisprudência no sentido da legalidade da cláusula de exclusão da cobertura securitária quando o veículo segurado for conduzido por pessoa sob o efeito de álcool. Isso porque, demonstrada a embriaguez do condutor do veículo, é presumido o agravamento intencional do risco por parte do segurado ¿ o que, por sua vez, gera a perda do direito à garantia, conforme o
artigo 768 do
Código Civil. PRECEDENTES. Assim, conclui-se pela inexistência de ato ilícito praticado por parte da seguradora ré hábil a ensejar a indenização tal como pretendida, não merecendo reparo a sentença recorrida. XIII. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. ACÓRDÃO: ACÓRDÃO: Vistos, relatados e iscutidos os presentes autos, ACORDAM os Desembargadores integrantes do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, reunidos na 4ª Câmara de Direito Privado, à unanimidade, em conhecer do presente recurso, para no mérito, NEGAR-LHE provimento, tudo nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 29 de agosto de 2023 DESEMBARGADOR FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Relator
(TJ-CE; Apelação Cível - 0168409-30.2019.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 05/09/2023, data da publicação: 05/09/2023)