É comum que os operadores do Direito tenham que lidar com a hipossuficiência econômica das partes em uma relação processual no seu cotidiano. Afinal, todos os cidadãos têm direito ao acesso à justiça e nem todas as pessoas têm condições de arcar com os custos de um processo.
Trata-se de direito assegurado pelo artigo 5º, incs. XXXIV e XXXV da Constituição Federal que assegura a todos o direito de acesso à justiça em defesa de seus direitos, independente do pagamento de taxas, e prevê expressamente que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Nesses casos, é preciso solicitar a Justiça Gratuita e apresentar uma declaração de hipossuficiência, que deve ser confeccionada nos moldes corretos, para que a parte hipossuficiente fique isenta das custas processuais.
Assim, se você deseja conhecer mais sobre o tema, como quem tem direito à Gratuidade de Justiça e como solicitá-la, acompanhe o post para conferir todos os detalhes. Acompanhe!
O que é hipossuficiência?
A hipossuficiência se caracteriza quando o indivíduo não tem condições de arcar com as despesas e custos para ter acesso à justiça sem que haja prejuízo ao seu sustento.
Os custos de um processo podem ser variados, pois existem despesas que decorrem dos próprios atos praticados na lide — como taxas de distribuição, atos dos oficiais de justiça, perícia, entre outros gastos iniciais.
Além dos custos diretos, também existem os gastos indiretos e eventuais, como quando há uma decisão desfavorável aos seus interesses e a parte precisa pagar os honorários sucumbenciais.
Assim, quando uma pessoa não tem condições de arcar com todos esses gastos sem prejudicar o seu sustento e de sua família, ela torna-se hipossuficiente.
Não há um limite de renda definido pela lei para determinar se uma pessoa pode ou não ser declarada como hipossuficiente.
Isso ocorre porque a parte pode ter um elevado rendimento, mas se ponderado a gastos comprovados — como medicamentos de uso contínuo, aluguel, alimentação, pensões, entre outros — pode se tornar um hipossuficiente econômico.
Dessa maneira, a lei estabelece como requisito primordial a simples hipossuficiência econômica para acesso ao benefício da Gratuidade de Justiça sem critério algum de renda.
Como solicitar a Justiça Gratuita em um processo judicial?
De acordo com o novo Código de Processo Civil, a Gratuidade de Justiça depende de uma declaração de próprio punho do beneficiário, ou pode ser solicitada pelo advogado da parte por meio de uma petição simples.
O pedido pode ser realizado na petição inicial, na contestação, na petição para embargos de terceiro no processo ou até mesmo em grau de recurso.
Contudo, o pedido do benefício por meio do advogado só pode ser realizado nos casos em que houver uma procuração que outorgue poderes específicos para declarar e requerer a gratuidade processual. Além disso, nesse caso, o advogado torna-se responsável pela veracidade da informação.
Como a concessão da gratuidade processual tem caráter relativo, ela só pode ser indeferida pelos magistrados nos casos em que há a existência de prova concreta em sentido contrário, ou seja, quando existem elementos que evidenciem a falta de pressupostos para sua concessão.
Nesse sentido já se posicionou o STJ: É assente na jurisprudência do STJ que a simples declaração de hipossuficiência da pessoa natural, ainda que dotada de presunção iuris tantum, é suficiente ao deferimento do pedido de gratuidade de justiça quando não ilidida por outros elementos dos autos. (STJ - AgInt no REsp: 1372128 SC 2013/0060984-2, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 12/12/2017, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2018)
Em muitos casos, o Juiz exige prova da hipoissuficiência. Desta forma, objetivando a celeridade processual, em muitos casos, a prova de renda e hipossuficiência já pode ser agregada à petição inicial.
Da impugnação à hipossuficiência alegada
A parte contrária pode impugnar a gratuidade por meio de petição simples e deve comprovar por quais razões o pedido de gratuidade do beneficiário deve ser negado, sob pena de ter a sua impugnação rejeitada.
Por fim, se o pedido de Justiça gratuita for rejeitado ou se o magistrado acolher um pedido para reverter o benefício, é possível ingressar com o recurso do agravo de instrumento contra a decisão proferida, conforme o artigo 1.015, V, do Código de Processo Civil.
Qual é a diferença entre Justiça Gratuita e assistência judiciária?
É muito comum que as pessoas, em geral, confundam o instituto da Justiça Gratuita com a Assistência Judiciária Gratuita, famosa AJG.
A Justiça Gratuita, também conhecida como Gratuidade de Justiça e tema deste post, é prevista pelo Código de Processo Civil e dispensa o pagamento dos custos associados a um processo para as pessoas hipossuficientes.
Por sua vez, a Assistência Judiciária Gratuita está prevista na Constituição Federal e é regulamentada pela Lei nº 1.060/50, diz respeito ao direito à representação gratuita, ou seja, garante o acesso de todos a um advogado por meio da Defensoria Pública.
Assim, ambos os institutos garantem que todos os cidadãos tenham acesso à Justiça.
Como montar uma declaração de hipossuficiência?
A declaração de hipossuficiência, também conhecida como atestado de pobreza, deve ser composta por alguns elementos. São eles: qualificação pessoal, efetiva declaração de hipossuficiência, declaração de veracidade das informações e assinatura do beneficiário.
Assim, inicialmente, deve-se colocar todas as informações que identificam um indivíduo, como nome completo, RG, CPF e endereço.
Em seguida, é preciso afirmar não ter condições de arcar com as custas do processo sem causar prejuízos à sua própria situação ou de sua família e citar a legislação vigente para fundamentar legalmente o pedido. Por fim, o requerente deve assinar o documento. Confira um modelo de declaração de hipossuficiência.
É possível a Pessoa Jurídica pedir gratuidade de Justiça?
A possibilidade da gratuidade de justiça à empresa já foi sumulado pelo STJ, nos seguintes termos:
Súmula 481 -Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. (Súmula 481, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012)
Todavia, é Indispensável a prova de hipossuficiência já no pedido, tais como a demonstração de receitas inferiores às despesas, protestos, inscrição em órgãos de proteção ao crédito, inadimplência com fornecedores, etc., sob pena de indeferimento.
Como funciona a declaração de hipossuficiência na Justiça do trabalho?
A jurisprudência consolidada do TST, com base no artigo 99 do CPC/2015 e na Súmula nº 463, permitia que a simples declaração de hipossuficiência fosse suficiente para obter a gratuidade de justiça, sendo necessário que a parte adversa comprovasse a ausência dessa condição.
Entretanto, com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), foi inserido o parágrafo 4º ao artigo 790 da CLT, que exige comprovação da insuficiência de recursos para concessão do benefício. Essa exigência é considerada menos favorável ao trabalhador, quando comparada ao CPC, gerando dificuldades de acesso à justiça.
O TST entendeu que a aplicação desse dispositivo não pode ser feita isoladamente, devendo ser interpretada em conjunto com outras normas, como a própria CLT, o CPC e a Constituição Federal.
Em recente posicionamento do TST, concluiu-se que a comprovação da hipossuficiência pode ser feita mediante simples declaração, garantindo ao trabalhador acesso pleno à justiça, em conformidade com os princípios da isonomia e do amplo acesso ao Poder Judiciário (artigos 5º, XXXV e LXXIV da Constituição Federal):
RECURSO DE REVISTA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13467/2017. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE MISERABILIDADE MEDIANTE DECLARAÇÃO PROFERIDA POR PESSOA NATURAL. Cinge-se a controvérsia a se saber se é necessária a comprovação do estado de miserabilidade no processo do trabalho para fins de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. A Lei nº 1060/50, que estabelecia as normas para a concessão de assistência judiciária gratuita aos necessitados, previa no parágrafo único do artigo 2º que "Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família." Por sua vez, o artigo 4º estabelecia como requisito para concessão da gratuidade de justiça que "A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família". Dessa disposição, as partes começaram a apresentar nos autos a declaração de hipossuficiência. O artigo 5º da referida lei dispunha expressamente que "O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas." Portanto, surgiu para as partes requerentes do benefício da gratuidade da justiça a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência.
A jurisprudência do TST havia se consolidado no sentido de que, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, bastava a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado. Na mesma linha, o artigo 99 do CPC/2015, revogando as disposições da Lei nº 1060/50 sobre gratuidade de justiça, trouxe em seu paragrafo 3º que "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural". Nesse sentido, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o TST converteu a Orientação Jurisprudencial nº 304 da SBDI-1 na Súmula nº 463. Logo, para a pessoa natural requerer os benefícios da justiça gratuita bastava a juntada de declaração de hipossuficiência, sendo ônus da parte adversa comprovar que o requerente não se enquadrava em nenhuma das situações de miserabilidade. No caso de pedido formulado pelo advogado da parte, este deveria ter procuração com poderes específicos para este fim.
No entanto, em 11/11/2017, entrou em vigor a Lei nº 13467/2017 (Reforma Trabalhista), que inseriu o parágrafo 4º ao artigo 790 da CLT. Dessa forma, as ações ajuizadas a partir da entrada em vigor da reforma trabalhista estão submetidas ao que dispõe o paragrafo 4º do artigo 790 da CLT, que exige a comprovação, pela parte requerente, da insuficiência de recursos para a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Sem dúvida, o referido dispositivo inaugurou uma condição menos favorável à pessoa natural do que aquela prevista no Código de Processo Civil.
No entanto, em se tratando de norma específica que rege o Processo do Trabalho, não há espaço, a priori, para se utilizar somente as disposições do CPC. Logo, o referido dispositivo implicaria, no ponto de vista do trabalhador, um retrocesso social, dificultando o acesso deste ao Poder Judiciário. Assim, a par da questão da constitucionalidade ou não do paragrafo 4º do artigo 790 da CLT, a aplicação do referido dispositivo não pode ocorrer isoladamente, mas sim deve ser interpretado sistematicamente com as demais normas, quer aquelas constantes na própria CLT, quer aquelas previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Civil. Dessa forma, à luz do que dispõe o próprio paragrafo 3º do artigo 790 da CLT c/c com os artigo 15 e 99, paragrafo 3º, do CPC, entende-se que a comprovação a que alude o paragrafo 4º do artigo 790 da CLT pode ser feita mediante a simples declaração da parte, a fim de viabilizar o pleno acesso do trabalhador ao Poder Judiciário, dando, assim, cumprimento ao artigo 5º, XXXV e LXXIV da Constituição Federal. Isso porque não se pode atribuir ao trabalhador que postula, junto a esta Especializada, uma condição menos favorável àquela destinada aos cidadãos comuns que litigam na justiça comum, sob pena de afronta ao princípio da isonomia, previsto no caput do artigo 5º da CF.
Não conceder ao autor, no caso dos autos, os benefícios da gratuidade de justiça, é o mesmo que impedir o amplo acesso ao Poder Judiciário (artigo 5º, XXXV, da CF) e discriminar o trabalhador em relação às pessoas naturais que litigam na justiça comum (artigo 5º, caput, da CF). Recurso de revista conhecido por contrariedade à Súmula 463, I, do TST e provido. (TST, RR - 101051-24.2020.5.01.0059, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 29/05/2024, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/06/2024)
Como vimos, a Gratuidade de Justiça que é concedida após a apresentação de uma declaração de hipossuficiência, e em alguns casos, exige-se prova, sendo capaz de garantir o acesso de todos ao judiciário, inclusive das pessoas jurídicas que não têm condições de arcar com as custas processuais.
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