PENAL. PROCESSUAL PENAL.
ART. 1º,
I e
II, DA
LEI N. 8.137/90. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. NULIDADE POR OFENSA AO
ART. 93,
IX, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. SONEGAÇÃO fiscal. TERMO INICIAL. CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL.
SÚMULA VINCULANTE N. 24, STF. RETROATIVIDADE. Prescrição retroativa.
Lei n. 12.234/10.
Art. 110...« (+1242 PALAVRAS) »
... do Código Penal. Data da CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. Sigilo bancário. BACEN. Transferência. RECEITA FEDERAL. Ministério Público. REQUISIÇÃO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL. COMPARTILHAMENTO. Admissibilidade. PRELIMINARES REJEITADAS. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. PRESUNÇÃO RELATIVA NÃO AFASTADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO.1. Segundo entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, somente a inexistência de fundamentação constitui causa de nulidade da decisão por ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da República (STF, ARE-AgR n. 725564, Rel. Min. Rosa Weber, j. 12.05.15; ARE-AgR n. 707178, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12; ARE-ED n. 676198, Rel. Min. Luiz Fux, j. 02.10.12).2. Consoante o art. 111, I, do Código Penal, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr do dia em que o crime se consumou. No que se refere ao delito de sonegação fiscal, o Supremo Tribunal Federal, a par de considerá-lo material, entende que a consumação do delito, para efeito de fluência do prazo prescricional, se verifica com a conclusão do processo administrativo-fiscal, imprescindível para a caracterização do delito. Precedentes do STF.3. A Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, aprovada em 02.12.09, que dispõe que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo, se aplica aos fatos ocorridos antes da sua edição (STF, AgR RE 1192924, Rel. Min. Edson Fachin, j. 24.08.20; STJ, EREsp 1318662/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, j. 28.11.18).4. Revejo meu entendimento para acolher a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da 4ª Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no sentido de que, quanto ao delito de sonegação fiscal, deve ser considerada a data da constituição definitiva do crédito tributário para fins de aplicação da Lei n. 12.234/10, que alterou a redação do art. 110, §1º, do Código Penal, e revogou seu § 2º, vedando o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa no período anterior à data do recebimento da denúncia ou da queixa (STJ, AgRg no AREsp 1.563.941, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 22.09.20 e AgRg no ED no AREsp 1.265.734, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06.12.18; TRF 3ª Região, ElfNu n. 0000389-85.2016.4.03.6181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 15.04.21).5. O Supremo Tribunal Federal admitiu a transferência do sigilo bancário ao Fisco, o que não atentaria contra a intimidade do contribuinte, na medida em que as informações sigilosas remanesceriam cobertas pela aludida proteção. Assim, os dados bancários permaneceriam insuscetíveis de divulgação. Ressalvou, contudo, que o Fisco pode utilizar tais dados, não apenas no âmbito administrativo (o processo administrativo fiscal tem caráter sigiloso), como também para que sejam usados pela Advocacia-Geral da União em Juízo (STF, Tribunal Pleno, ADI 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.02.16).6. Não se concebe que, admitida a “judicialização” pelo Supremo Tribunal Federal, seja ela válida somente para a cobrança do crédito tributário, mas não para a punição do respectivo sonegador, sendo de se destacar, como o fez o Eminente Relator Dias Toffoli, no acórdão supracitado, “(...) que o instrumento fiscalizatório instituído nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 se mostra de extrema significância ao efetivo combate à sonegação fiscal no país” (destaques originais). É certo que os dados bancários, de qualquer modo, permaneceriam sob sigilo, igualmente imposto ao Ministério Público.7. Se é possível a transferência do sigilo bancário da instituição financeira ao Fisco para que este intente por seu órgão competente a ação cabível, não há razão ponderável para se excluir a ação penal.8. O fenômeno é o mesmo relativamente ao Banco Central, que fiscaliza a movimentação financeira (Lei 4.595/64, art. 10, IX) e também deve preservar o sigilo das informações que obtiver, em conformidade com o disposto no art. 2º, caput, da Lei Complementar n. 105/01. De acordo com o § 1º do mencionado dispositivo legal, não pode ser oposto sigilo ao Banco Central, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, “no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições financeiras”.9. Há, do mesmo modo, transferência do sigilo de dados da instituição financeira para a entidade fiscalizadora, sem que dessa transferência fique impedida a “judicialização” desses dados mediante a ação pertinente, sem excluir, obviamente, a ação penal. É nesse sentido que o art. 9º da Lei Complementar n. 105/01 prevê que “quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos.”10. Por essa razão que não fica obstado ao Ministério Público Federal, que tem garantida, para o exercício de suas atribuições, a requisição de diligências investigatórias a que aludem os arts. 129, VIII, da Constituição da República e 8º da Lei Complementar n. 75, de 20.05.93, requisitar diretamente informações bancárias à instituição financeira.11. Sendo certo que o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, bem como ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, constate-se fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Decreto n. 2.730, de 10.08.98, art. 1º e Lei n. 9.430/96, art. 83), a iniciativa deste não é fato jurídico pelo qual se institui um requisito anteriormente inexistente.12. Entendimento que se concilia com a jurisprudência deste Tribunal Regional (TRF 3ª Região, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, EIfNu n. 2000.61.81.006960-0, j. 17.08.17).13. Em 28.11.19, no âmbito do RE n. 1.055.941, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do Poder Judiciário, fixando a seguinte tese de repercussão geral: "1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.".14. Materialidade e autoria comprovadas.15. O tipo penal descrito no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 prescinde de dolo específico, sendo suficiente, para sua caracterização, a presença do dolo genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, do valor devido aos cofres públicos. É sancionada penalmente a conduta daquele que não se queda meramente inadimplente, mas omite um dever que lhe é exigível, consistente na declaração de fatos geradores de tributo à repartição fazendária, na periodicidade prevista em lei, o que se deu no caso destes autos.
16. O crime contra a ordem tributária pressupõe, além do inadimplemento, a existência de fraude, que, na espécie, consubstanciou-se na omissão de rendimentos auferidos que custearam despesas no exterior, mediante o uso de cartões de crédito de sua titularidade, configurando acréscimo patrimonial a descoberto.
17. Preliminares rejeitadas. Recurso da defesa desprovido.
(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0007785-60.2009.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, julgado em 29/06/2022, Intimação via sistema DATA: 04/07/2022)