TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. PLANO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. INEXISTÊNCIA. DEDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
I - Na origem, trata-se de ação declaratória cujo mérito é a declaração de inexistência de obrigação tributária do imposto de renda e limites de dedução que incidem sobre as contribuições extraordinárias destinadas ao equacionamento de déficit de plano de previdência complementar fechada.
II - Defende a associação recorrente que as contribuições adicionais destinadas ao equacionamento dos déficits dos planos de previdência complementar fechada não devem compor a base de cálculo do imposto retido na fonte tanto dos participantes, quanto dos assistidos, assim como, em função do disposto no
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...do art. 11 da Lei n 9.250/1995, os valores das contribuições podem ser integralmente dedutíveis das declarações de ajuste, sem o limite de 12% (doze por cento).
III - Inicialmente, em relação à alegada violação dos arts. 3º e 1.022 do Código de Processo Civil, suscitada no recurso especial da associação recorrente, cabe apontar que a parte não opôs embargos de declaração contra o acórdão de origem, de modo que não há que se falar em violação dos referidos artigos diante de suposta omissão na análise de questão. Ainda que fosse o caso de oposição de embargos de declaração, a recorrente se limitou a afirmar, em linhas gerais, que o acórdão recorrido incorreu em nulidade ao deixar de se pronunciar adequadamente acerca das questões apresentadas nos embargos de declaração, fazendo-o de forma genérica, sem desenvolver argumentos para demonstrar especificamente a suposta mácula. Nesse panorama, o comando do Enunciado Sumular n. 284/STF é atraído para o presente caso, inviabilizando o conhecimento dessa parcela recursal.
IV - O desconto na fonte das contribuições extraordinárias não descaracteriza a ocorrência do fato gerador do imposto de renda, previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional, no exato momento em que o participante ou assistido recebe os seus rendimentos. A destinação da parcela não deve ser considerada como impeditivo da sujeição tributária dos rendimentos, mas tão somente mero cumprimento das obrigações do participante ou assistido com recursos advindos de sua remuneração.
V - Para além da evidente sujeição tributária dos rendimentos auferidos pelos participantes, a legislação é expressa quanto à tributação dos rendimentos recebidos pelos assistidos das entidades de previdência privada, a título de complementação da aposentadoria, conforme dispõem o art. 33 da Lei n. 9.250/1995 e o art. 43, XIV, do Decreto n. 3.000/1999, de modo que o caráter previdenciário da verba não afasta a incidência do imposto de renda.
VI - No que diz respeito à dedutibilidade integral defendida com fundamento no art. 11, §6º, da Lei n. 9.532/1997, faz-se necessário esclarecer que a remissão contida no referido dispositivo legal (art. 4º, VII, e art. 8º, II, i, da Lei n. 9.250/1996), dispõe sobre as contribuições para entidades fechadas de previdência complementar de que trata o §15º do art. 40 da Constituição Federal, o qual abrange tão somente o regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos. A entidade de previdência complementar fechada relacionada ao presente caso é a FUNCEF, que tem como patrocinadora a Caixa Econômica Federal, instituição financeira constituída sob a forma de empresa pública, de natureza jurídica de direito privado, não pertencente ao universo do art. 40 da Constituição Federal.
VII - Sob a perspectiva da dedutibilidade das contribuições extraordinárias, para a compreensão da discussão, é importante recorrer à distinção feita pelo art. 19 da Lei Complementar n. 109/2001. O referido artigo conceitua os tipos de contribuições que podem ser realizadas pelos participantes e assistidos, distinguindo-as em "contribuições normais" e "contribuições extraordinárias".
VIII - As contribuições normais feitas pelos beneficiários às entidades de previdência privada, quais sejam, aquelas destinadas a custear os benefícios complementares, podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, conforme determinação contida nos arts. 4º e 8º, II, e, da Lei n. 9.250/1995, assim como no art. 69 da Lei Complementar n. 109/2001.
IX - Os dispositivos legais autorizadores da dedução da base tributável alcançam somente as contribuições direcionadas ao custeio do fundo que complementará a aposentadoria do beneficiário, não se estendendo às contribuições extraordinárias feitas pelos beneficiados com o intuito de equacionar o déficit dos planos de previdência complementar fechada. Acaso também fosse do interesse do legislador permitir a dedução dos valores revertidos ao custeio de déficit, a norma certamente indicaria apenas o termo "contribuições destinadas aos planos de previdência complementar" ou nomenclatura similar, em vez de citar exclusivamente as contribuições destinadas a custear benefícios complementares.
X - A interpretação que se faz da legislação ora em estudo não é meramente literal. Existe uma lógica tributária envolvida, que consiste na dedução da contribuição comum ser autorizada porque a incidência do imposto de renda é diferida, ou seja, ocorre no momento em que o participante, já na condição de assistido, recebe o seu benefício, constituído pela parcela investida somada aos rendimentos acumulados durante o período de investimento. A distinção no tratamento tributário entre as espécies de contribuições está amparada no fato de as contribuições extraordinárias não possuírem referibilidade com o benefício individual futuro. Trata-se de um socorro de caixa decorrente da obrigação contratual assumida pelos participantes e assistidos, sujeitos ao pagamento de valores extraordinários nas hipóteses em que a entidade de previdência complementar sofre prejuízos na administração dos recursos angariados.
XI - A dedutibilidade das contribuições normais tem como justificativa a necessidade de evitar a ocorrência de bis in idem, visto que os respectivos valores são direcionados à formação da reserva que dará origem ao benefício previdenciário complementar, o qual estará sujeito à tributação, nos termos do art. 33 da Lei n. 9.250/1995. Diante da falta de referibilidade da contribuição extraordinária no benefício a ser futuramente recebido, os valores pagos sob tal rubrica ficariam à margem da tributação, se não sofrerem a incidência de imposto de renda sobre o rendimento.
XII - A incidência de imposto de renda sobre parcela de rendimento convertida em contribuição extraordinária não significa bis in idem justamente porque os valores em questão não são destinados à engorda da reserva individual dos participantes posteriormente sujeita à tributação quando resgatada, e sim ao custeio do déficit geral do fundo. É dizer: o pagamento da contribuição extraordinária não tem correspondência direta ao custeio do benefício que complementará a aposentadoria do participante, mas à supressão dos rombos financeiros do fundo.
XIII - O pagamento da contribuição extraordinária faz parte da álea assumida por aquele que decide participar do plano de previdência complementar, de adesão facultativa. É um custo autorizado pela legislação que regulamentam a matéria, que tem por objetivo neutralizar os prejuízos sofridos pela entidade de previdência complementar, não havendo autorização legal para que os desacertos na gestão sejam compartilhados com a sociedade mediante a dedução nas bases tributárias. A dedutibilidade tem suas razões, mas o caráter indesejável de uma contribuição extraordinária não pode ser uma delas, especialmente em um país marcado pela desigualdade social.
XIV - Com efeito, permitir que as regras que disponham sobre isenção e dedutibilidade das contribuições normais alcancem as contribuições extraordinárias, como pretende a associação recorrente, representa violação do
art. 111 do
Código Tributário Nacional, o qual exige interpretação literal dos dispositivos que tratam de outorga de favores fiscais.
XV - Recurso especial da associação recorrente parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. Recurso especial da Fazenda Nacional provido.
(STJ, REsp n. 1.937.545/PB, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/11/2023, DJe de 17/11/2023.)