AÇÃO DE DIREITO DE RESPOSTA. SECOM. VEICULAÇÃO EM REDES SOCIAIS DE NOTA SOBRE REUNIÃO ENTRE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA E O “MAJOR CURIÓ”, QUE FOI QUALIFICADO COMO HERÓI NACIONAL.
1.- Ação de direito de resposta ajuizada contra a União Federal em razão de a SECOM, em 05.05.2020, ter veiculado, em suas contas oficiais das redes sociais Twitter,Instagram e Facebook, nota sobre reunião ocorrida em 04.05.2020 entre o Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e Sebastião Rodrigues Moura, "Major Curió”. Argumenta-se que a publicação é ultrajante, pois qualifica como “herói nacional” pessoa oficialmente reconhecida pela Comissão Nacional da Verdade como um dos 377 agentes do Estado brasileiro que praticaram crimes contra os direitos humanos no
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...contexto da ditadura civil-militar e retrata de forma difamatória suas vítimas e que os fatos históricos são incontroversos. Assim, o que a SECOM fez com sua publicação foi mentir, desinformar, distorcer os fatos, inverter os papéis de seus atores e ofender.2. - Rejeitadas as preliminares arguidas nas contrarrazões.
2.1. - A alegada conexão e/ou continência entre a presente ação de direito de resposta e a Ação Popular nº 1026995- 52.2020.4.01.3400, ajuizada perante a 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, foi expressamente rechaçada na sentença. Portanto, a questão deveria ter sido impugnada por meio do competente recurso, o que não foi feito, de modo que está preclusa. Repise-se, todavia, que não se configura conexão ou continência entre este pedido e a aludida ação popular. Nesta última a autoria é diversa, assim como causa petendi e pedido: promoção pessoal do Presidente da República e requerimento de retirada de postagens e restituição de valores. A mesma situação ocorre com a ação popular nº 1027385-22.2020.4.013400: diferentes autores e causa petendi e pedido semelhantes ao da outra ação popular (arts. 55, 58 e 59, CPC). Conflito entre decisões não pode haver entre direito de resposta pura e simples e a condenação ao ressarcimento de valores por ação pessoal de agente público.
2.2. - Quanto à falta de interesse de agir dos autores, o argumento beira a má-fé. ASecretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República não tem personalidade jurídica e é órgão da União, de modo que, obviamente, responde por ela. Ademais, fez referência, por lapso, à ação popular, inclusive, cita jurisprudência sobre essa modalidade de ação, para enquadrar como reparação o que é um simples direito de resposta. A publicação da SECOM, nos termos em que posta, traz versão da Guerrilha do Araguaia e aponta um agente público como um herói, o que enseja, no mínimo, a resposta das vítimas ou parentes, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo próprio Estado brasileiro. Tanto individualmente os autores podem ser enquadrados como ofendidos, como a abrangência do fato histórico justifica o reconhecimento do direito à memória e à verdade, assumido pelo Brasil legalmente como perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
2.3. - A inadequação da via eleita foi acolhida pelo juízo de primeiro grau e é o objeto do apelo, de modo que será apreciada. Diga-se, de qualquer forma, que o rito da Lei de Direito de Resposta é expedito e visa satisfazer o ofendido quanto a publicação ou divulgação de nota ou notícia que atente contra os bens que arrola (art. 2º, § 1º). O direito subjetivo nasce da nota ou notícia, sem necessidade de dilação probatória.
2.4. - Por fim, quanto à impossibilidade de concessão de antecipação de tutela contra o ente público, não há interesse em discutir o tema nesta sede, especialmente à vista da suspensão determinada pelo STJ até o trânsito em julgado.3. - O texto divulgado pela SECOM exibe o Tenente-(...), a quem atribui a qualidade de herói na Guerrilha do Araguaia, que a combateu e ajudou a "livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade". A nota, entretanto, contrasta com reconhecimentos, posições e atos normativos emanados do Estado brasileiro, a começar pela Lei nº 9.140/95, em que se reconhece sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos durante o período do regime militar, em decorrência de ações de agentes públicos. Relevante também o livro-relatório "Direito à Memória e à Verdade", publicação da Secretaria Especial Direitos Humanos da Presidência da República, de 2007, no qual o "Major Curió" é citado nominalmente no capítulo dedicado à Guerrilha do Araguaia, com a descrição de agentes do Estado que atuaram na repressão, à revelia de garantias e direitos humanos, na morte, tortura e desaparecimento de pessoas que lá formaram um núcleo de resistência. Mais contundente é a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 24.11.2010, a qual o Brasil está obrigado a cumprir, caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs Brasil, que concluiu que, verbis, “O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.”4. - Fica evidente que a nota da SECOM está em flagrante descompasso com a posição oficial do Estado brasileiro, que assumiu responsabilidade pelas mortes, torturas, desaparecimentos praticados por agentes estatais ou em nome dele, sobretudo no caso "Guerrilha do Araguaia". Afasta-se, assim, a possibilidade de versões alternativas. Enseja, outrossim, o direito de resposta dos autores, na condição de vítimas ou parentes de vítimas.5. No marco legal, encontra-se a Lei nº 13.188/15, cujo texto autoriza o direito de resposta, o qual se mostra existente na espécie.6. A par de a Corte Internacional ter qualificado de vítimas os familiares, é preciso acentuar que se trata de direito à memória e à verdade reconhecida pelo Estado brasileiro, o que enseja a legitimidade e o interesse processuais não só das vítimas, mas de todos brasileiros, já que são fatos históricos que dizem respeito a todos, para a preservação da memória e verdade estabelecida em leis, atos normativos, atos simbólicos, reparações, em que os agentes públicos ou em nome deles são qualificados como algozes, violadores dos direito humanos e não heróis da pátria, como a nota expõe. 7. A resposta proposta pelas autoras atende aos artigos 2º e 3º da Lei nº 13.188/15. É proporcional ao agravo, no que toca à forma, conteúdo e características. Deverá ser divulgada e publicada em 10 dias (art. 7º). Como não se pode presumir descumprimento de ordem, somente após o prazo estipulado poderá este tribunal fixar multa, na forma do artigo 7º, § 3º.8. Apelo provido, a fim de determinar a veiculação, no prazo de dez dias, no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (artigo 2º, § 2º, da Lei nº 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas - art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.188/15), a seguinte resposta, que deverá ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM (
art. 4º,
I, da
Lei nº 13.188/15), do texto anteriormente:
"O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.”
2.Imagem:
Imagem sem texto ou figuras, inteira na cor preta, em iguais proporções à veiculada"
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5010000-84.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 17/11/2021, DJEN DATA: 22/11/2021)