PJE 0801695-09.2014.4.05.8400
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE CONSIDEROU A APLICAÇÃO DA NOVA LIA RETROATIVAMENTE. DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELO MPF. MANUTENÇÃO DA DECISÃO GUERREADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1.Trata-se de agravo interno apresentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de decisão monocrática que, nos autos de ação de improbidade administrativa, com base nos comandos recentes trazidos pela Nova LIA, declarou extinto o feito em face da prescrição.
2.Segundo o MPF, a Nova LIA, ao reverso do aduzido na decisão guerreada, não poderia ser aplicada retroativamente, motivo pelo qual não deveria ter sido declarada
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...a extinção com base nos novos prazos e marcos interruptivos correlatos (ID 4050000.29701082). 3.Contrarrazões apresentadas (ID 4050000.30270821). 4.Sem maiores delongas, cumpre rever os argumentos de fato e de direito utilizados por este Julgador para proferir a decisão ora guerreada, nos seguintes termos:
DECISÃO
Os autos foram encaminhados ao MPF para que este se pronunciasse a respeito da eventual propositura de Acordo de Não Persecução Cível - ANPC, isto levando em conta as substanciais alterações trazidas pela Nova Lei de Improbidade Administrativa - Nova LIA.
Em manifestação, o Parquet alegou, em suma, que: 1) a Nova LIA somente deveria ser aplicada da data de sua vigência em diante, não se aplicando, portanto, retroativamente, tampouco aos presentes autos; 2) ademais, ainda que assim não fosse, no caso, não teria ocorrido a prescrição, pois a prescrição intercorrente, consoante posta, seria inconstitucional.
Voltaram-me conclusos.
Decido.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A NOVA LIA
Neste momento processual e também diante de inovação legislativa, cumpre voltar os olhos ao presente feito para tecer alguns comentários jurídicos e, na sequência, adotar as compatíveis medidas.
Com esse intento, sigamos.
Tendo por nascedouro o PL 10.887/2018 (2.505/2021 no Senado), abrolhou, no berçário de nossa já tão extensa legislação pátria, a Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, que teve por finalidade reformular, de maneira substancial, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
Como se sabe, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) - nome pela qual ficou conhecida a Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992 - foi e continua sendo - mesmo após as alterações - um dos pilares da legislação anticorrupção.
O fato é que, apesar de mantida sua "missão", a aludida lei foi praticamente despida das vestes originais e revestida de outras.
Para assim concluir, basta registrar que, da lei original, apenas os arts. 15 e 19 não foram objeto de modificação. Dizendo de outro modo, todos os demais dispositivos foram alterados ou revogados, o que exigirá dos aplicadores do Direito os merecidos ajustes, inclusive no que toca aos feitos ainda em andamento.
DA APLICAÇÃO RETROATIVA DA NOVA LIA
Sobre tema, cumpre frisar que, em nosso entendimento, especificamente em relação às normas da Lei nº 14.230/2021 que carregam conteúdo processual - tais como a reformulação dos artigos 16, 17 e 18 da lei original e a inclusão de dispositivos como os artigos17-C e 18-A -, a aplicabilidade imediata é indiscutível, conforme jurisprudencial já consagrado e positivado no artigo 14 do CPC.
No mais, quanto às normas de conteúdo material - como é o caso, por exemplo, das que tratam dos critérios para configuração dos atos de improbidade, das regras de sancionamento, dos prazos prescricionais etc. -, entendemos que as respostas quanto à sua aplicação, inclusive retroativa, são respondidas mediante simples leitura da "metanorma" inscrita no art. 1º, §4º, da Lei nº 8.429/92, na redação conferida pela nova lei, que assim dispõe: "Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".
De tal comando, emerge que, se o sistema de improbidade passa a estar expressamente enquadrado na moldura do Direito Administrativo Sancionador, fato é que os princípios e as regras deste sub-ramo do Direito Administrativo têm incidência inequívoca e obrigatória na interpretação e aplicação da nova LIA. Logo, é de se rememorar também que, entre tais princípios, encontram-se a vedação ao bis in idem, o dever de proporcionalidade das sanções, bem como a retroatividade da norma sancionatória mais benéfica, extraída de analogia com o Direito Penal, outro ramo do Direito acostumado com reflexões de índole sancionatória.
Portanto, na esteira do regime jurídico do Direito Administrativo Sancionador, aplicável expressamente à nova LIA por força do artigo 1º, §4º, da atual Lei de Improbidade Administrativa, entendemos que as normas materiais que regem a improbidade administrativa devem retroagir e incidir desde já às ações em curso sempre que mais favoráveis à esfera do réu.
Diante dessa constatação, chega-se à outra: são imediatamente aplicáveis aos processos de improbidade em trâmite as redações conferidas pela nova lei aos artigos 1º, 3º, 9º, 10, 11 e 12 da Lei nº 8.429/92, visto que a novel regulamentação de tais artigos é, claramente, mais benéfica aos acusados por improbidade.
DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO NO CASO EM APREÇO
Partindo dessas considerações, destacamos que, entre as grandes mudanças trazidas, a nova lei inovou quanto à prescrição, isto na medida em que unificou o prazo prescricional em 08 anos - lapso este que, antes, sofria variações, levando em conta detalhes circunstanciais previstos nos incisos I, II e III do art. 23, incisos estes revogados -, trazendo ainda a hipótese de prescrição intercorrente.
Nesse sentido, cumpre a transcrição do art. 23 e seus desdobramentos:
Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 2º O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 3º Encerrado o prazo previsto no § 2º deste artigo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de arquivamento do inquérito civil. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - pela publicação da sentença condenatória; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
IV - pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
V - pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato de improbidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Nos atos de improbidade conexos que sejam objeto do mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativas a qualquer deles estendem-se aos demais. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Portanto, doravante, tem-se que:
Como regra, ocorre a prescrição dos atos de improbidade administrativa no prazo de 08 anos (rememorando que a instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos suspende o prazo prescricional até, no máximo, 180 dias, recomeçando sua contagem após a conclusão da apuração ou após o máximo de tempo referido). Esse prazo tem como marco inicial ou a data do fato havido como improbo (no caso de infrações instantâneas) ou a data do encerramento da permanência (no caso de infrações permanentes). Pode ocorrer, todavia, de o prazo de 08 anos ser reduzido à metade, ou seja, para 04 anos. Isto ocorrerá quando estivermos diante da chamada prescrição intercorrente, que é justamente aquela que se observa entre os marcos interruptivos previstos no § 4º do art. 23, especificamente entre os incisos:
I e II - Ajuizamento da ação de improbidade administrativa e publicação da sentença condenatória.
II e III - Publicação da sentença condenatória e publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência.
III e IV - Publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência e publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.
IV e V - Publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência e publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.
Partindo dessas premissas e observando o caso em tela, é de ver-se que, entre a data do fato - mesmo considerando o prazo de suspensão em face da apuração - e a data do ajuizamento da ação de improbidade administrativa, transcorreu lapso superior a 08 anos.
Por fim, mas não menos importante, frisamos não merecer acato a tese no sentido de que a prescrição, consoante posta, seria inconstitucional, isto na medida em que, a nosso ver, a redução de lapso prescricional não encontra óbice, tampouco macula qualquer dispositivo de nossa Lei Maior.
No mais, sabe-se que as leis gozam de presunção de constitucionalidade, a qual, até a presente data, não foi, por nada afastada, senão o contrário.
Ante o exposto, com a devida vênia aos argumentos tecidos pelo MPF, entendemos que: 1) a Nova LIA tem sim aplicação retroativa, reverberando, portanto, no presente feito; 2) em face de sua aplicação e levando em conta os lapsos temporais acima declinados, operou-se sim a prescrição.
Por tais motivos, extingo o feito em face do reconhecimento da prescrição.
5.Por todos os motivos já expostos, os quais continuam a orbitar nos autos e no juízo deste Relator, mantenho a decisão guerreada.
6.Agravo interno improvido.
Ffmp
(TRF-5, PROCESSO: 08016950920144058400, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 14/06/2022)