APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA - CPRB.
LEI Nº 12.546/2011. REVOGAÇÃO.
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 774/2017. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ANTERIORIDADE. 1. Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pela UNIÃO/FAZENDA NACIONAL em face de sentença que, nos autos do mandado de segurança, julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do
art. 485,
VI, do
Código de Processo Civil, em relação ao pedido de permanência
...« (+1499 PALAVRAS) »
...da impetrante no regime de apuração da contribuição previdenciária substitutiva (sobre a receita bruta) prevista na Lei nº 12.546/2011, no período compreendido entre agosto de 2017 até o final do ano calendário de 2017, por verificar a perda superveniente do interesse de agir considerando a revogação da MP 774/2017, pela MP 794/2017; e julgou procedente em parte o pedido contido na petição inicial, concedendo a segurança, com base no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para determinar à autoridade impetrada que mantenha a impetrante no regime de apuração da contribuição previdenciária substitutiva (sobre a receita bruta) prevista na Lei nº. 12.546/2011, relativamente ao mês de julho de 2017, nos moldes previstos no art. 9º, § 13, da citada norma, conforme seu teor anterior à revogação realizada pela MP 774/2017. 2. O ponto central do presente mandamus é identificar se a revogação da opção de tributação da contribuição previdenciária pelo sistema da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), nos termos previstos na Lei nº 12.546/2011, levado a efeito pela Medida Provisória nº 774/2017, durante o exercício financeiro, fere direito líquido e certo do contribuinte. 3. A medida provisória em comento altera a Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, para revogar para todas as empresas de alguns setores determinados a Contribuição Previdenciária Incidente sobre a Receita Bruta (CPRB), com efeitos a partir de 1º de julho de 2017. 4. É consenso que uma lei criada pode ser modificada, como regularmente ocorre, inclusive por intermédio de medidas provisórias, e, como regra geral, as leis ou medidas provisórias que criem ou aumentem tributos não podem ser aplicadas no mesmo exercício financeiro de sua criação, tampouco em prazo inferior a noventa dias contados de sua publicação. 5. As contribuições para financiamento da seguridade social, em especial, sujeitam-se à regra específica de não surpresa: o princípio da noventena, posteriormente estendido pela EC 42/2003 para os demais tributos (com exceções), a teor do que impõe o art. 195, § 6º, da CRFB/88. Assim, no caso das contribuições para seguridade, elas podem viger no mesmo ano de sua criação, tenha-se dado por lei ou por medida provisória, bastando apenas o transcurso do prazo de 90 dias (noventena), uma vez que essa espécie de anterioridade, como é cediço, não possui qualquer relação com o exercício financeiro, levando-se em consideração unicamente o lapso temporal decorrido entre a publicação da lei e o início de sua incidência/cobrança. 6. Destaca-se, por oportuno, a desnecessidade de a medida provisória que crie ou majore a contribuição seja convertida em lei para que produza efeitos, uma vez que tal regra apenas diz respeito aos impostos, de acordo com a redação do art. 62 da CRFB/88. 7. Na hipótese dos autos, considerando que a Medida Provisória nº 774/2017 alterou a Lei nº 12.546/2011, para que a contribuição previdenciária patronal voltasse a incidir sobre a folha de salários e não sobre a receita bruta, acabou por provocar um aumento da contribuição, uma vez que o regime anterior provocava uma desoneração da folha de salários. Assim, considerando que se trata de aumento de tributo, o mesmo somente poderá ser cobrado após 90 dias da publicação da medida provisória, não havendo óbice na aplicação da lei ainda no ano de 2017, ou seja, a cobrança não precisaria se dar apenas em 2018. 8. Quanto à segurança jurídica, uma vez que a lei posterior havia criado uma irretratabilidade na opção, ou seja, uma vez optado pela tributação substitutiva, em janeiro ou na primeira competência subsequente, a tributação deveria se dar, em tese, para todo ano calendário. Art. 9º da Lei nº 12.546/2011. Não se pode negar que a segurança jurídica e as garantias que dela se extraem, como proibição de excesso, proporcionalidade e confiança legítima, configuram-se como típicas garantias asseguradas aos contribuintes, cuja causa final é proteger direitos decorrentes das expectativas de confiança legítima na criação ou aplicação de normas tributárias, mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento ou efetividade de direitos e liberdades fundamentais, o que se pode exemplificar através da inserção, pelo Poder Constituinte Originário e Derivado, de dispositivos limitativos do poder de tributar. 9. Contudo, no caso em questão, a regra de opção irretratável possuía seu fundamento no sistema em que seria possível a opção, ou seja, havendo a possibilidade de opção, uma vez exercida, não se poderia voltar atrás, sendo irretratável. Ademais, a irretratabilidade na hipótese era para o contribuinte, ou seja, ele não poderia, no ano calendário para o qual feita a opção, modificar essa escolha. Essa conclusão se extrai do §13 do artigo 9º da Lei 12.546/2011. 10. Noutro dizer, o fato de a legislação ter previsto para o contribuinte a possibilidade de optar em caráter irrevogável, em cada ano calendário, sua forma de contribuição, não lhe conferiu direito adquirido àquele determinado regime jurídico, que pode ser modificado, a partir do advento de nova legislação constitucionalmente válida, nem se confunde com hipótese de revogação de benefício tributário condicional, que inexiste no caso. 11. Portanto, "irretratável" é a opção feita pelo contribuinte acerca da tributação com base na receita bruta, desde que a referida sistemática de tributação permaneça vigente ao longo do ano. O termo não impede que o legislador altere o regime tributário, observando os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da anterioridade, da legalidade etc. A alteração pode ocorrer porque não há direito adquirido a qualquer regime tributário. Precedente: TRF4, 1ª Turma, AC 50226321120144047108, Rel. Des. Fed. MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 29.10.2014. 12. Vale lembrar que a Suprema Corte já pacificou entendimento de que não existe direito adquirido a regime tributário: Precedentes: STF, 1ª Turma, Rcl 37940 SP 00329302120191000000, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, E-DJF2R 02.02.2022; STF, RE 354870 AgR/RS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento em 02.12.2014. 13. Não há que se falar, ainda, que o princípio da isonomia não foi respeitado, pelo fato de determinadas atividades ficarem de fora da sistemática trazida pela Medida Provisória nº 774/2017, tendo restado mantido para eles a contribuição sobre a receita bruta. Há muito já têm se manifestado os Tribunais Superiores no sentido de que a legislação pode trazer regramentos diferentes para certos ramos de atividade, enfatizando a solidariedade e equidade na participação do custeio da Seguridade Social. Esta postura vai ao encontro da máxima de que isonomia deve ser considerada em seu aspecto material. 14. Nesse ínterim, a concretização do princípio da isonomia não prescinde da observação dos critérios levados em consideração para o estabelecimento dos juízos de igualdade/desigualdade e do tratamento díspar que a diversidade aferida embasará. É nesse contexto que sobressai o princípio da capacidade contributiva, como vetor à concretização da isonomia tributária. 15. Em razão desse primado, é bastante razoável que as políticas econômica e legislativa imponham regras de diferenciação relativas à tributação a fim de exigir do contribuinte montante que atenda aos fins da seguridade social na proporção de sua responsabilidade e, ainda, atentem à atividade econômica e lucrativa do setor tributado, razão pela qual, na hipótese dos autos, não se vislumbra qualquer ofensa à isonomia tributária na distinção da forma de tributação para pessoas jurídicas dedicadas a atividades distintas, conforme opção realizada pelo Estado Fiscal. 16. Consequentemente, o contribuinte não tem direito adquirido a permanecer até o fim do exercício de 2017 no regime de tributação pela receita bruta. 17. Vale acrescentar, ainda, que, o advento da Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018, ou seja, posteriormente à estabilização da demanda, em nada altera os fundamentos e o resultado dos presentes autos. É o que se extrai da própria redação do mencionado diploma legal, em seu art. 3º. 18. Pela leitura do dispositivo é possível perceber que a lei considerou indevidos os recolhimentos das contribuições previdenciárias patronais que excedessem ao montante que seria devido em virtude da opção efetuada pela tributação substitutiva, conforme dispõem os §§ 13, 14, 15 e 16 do art. 9º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, o que, à evidência, em nada interfere no plano de validade e de eficácia da MP nº 774/2017. Nesse ponto, cristalina é a regra disposta na Constituição (art. 62, §11), no sentido de que não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º, do mesmo artigo, até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. 19. Ainda que a MP nº 774 não tenha simplesmente perdido a vigência por decurso de prazo, mas sido revogada pela MP nº 794, em 09.08.2017, não há restauração do regime anterior de desoneração, tendo em conta o art. 1º, § 3º, da LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/42), que veda a repristinação. 20. Não se pode negar, portanto, a produção de efeitos da Medida Provisória em questão. Assim é que, na verdade, considerar como indevidos tais pagamentos, no plano normativo, a
Lei nº 13.670/2018 apenas confere aos contribuintes benefício tributário, cujo gozo poderá ser perseguido na própria esfera administrativa ou judicial, em ação própria, já que foge ao objeto delimitado destes autos. Precedentes: TRF2, 4ª Turma Especializada, APELREEX 0174273-90.2017.4.02.5101, Rel. Des. Fed. LUIZ ANTONIO SOARES, E-DJF2R 19.11.2020; TRF2, 4ª Turma Especializada, APELREEX 01391867320174025101, Rel. Des. Fed. FERREIRA NEVES, E-DJF2R 27.04.2021. 21. Deve ser dado provimento à apelação da União e ao reexame necessário, para em análise de mérito, denegar a ordem pleiteada, julgando improcedentes os pedidos formulados no mandado de segurança. 22. Apelação da União e reexame necessário providos.
(TRF-2, Apelação/Remessa Necessária n. 00225702420174025001, Relator(a): Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, Assinado em: 16/10/2023)