DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. ALUNO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA. CONTRATAÇÃO DE INTÉRPRETE DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS.
1. A sentença de parcial procedência da ação sujeita-se à remessa oficial não apenas na parte em que proferida contra a União (
artigo 496,
I, do
CPC), como também na parte em que julgou parcialmente improcedente o pedido formulado em ação civil pública, por aplicação analógica do
artigo 19 da
Lei 4.717/1965,
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...conforme jurisprudência assentada. 2. Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva da União, pois, apesar da autonomia administrativa, financeira e patrimonial do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP, restou devidamente demonstrado nos autos que os Ministérios da Educação e Economia impuseram limitações, inclusive de ordem administrativa, que impediram, no caso concreto, a contratação de mais profissionais habilitados na área por tais instituições, mesmo depois de editada a alegada Portaria 443, de 27/12/2018, do extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Ademais, no bojo da presente ação, o IFSP deixou claro que, além de depender de autorização do MEC e do Ministério da Economia (artigo 5º da Lei 8.745/1993), “não dispõe de recursos orçamentários para custear as contratações necessárias”, devendo, pois, a União assumir o ônus financeiro da obrigação descumprida por uma de suas autarquias federais. Não se olvida, ainda, que, para o cumprimento da liminar parcialmente deferida nestes autos, foi necessária a edição de portaria interministerial específica, do Ministério da Economia e do Ministério da Educação, para “autorizar a contratação de 2 (dois) profissionais de nível superior especializado, por tempo determinado, para [...] atendimento a alunos com deficiência matriculados em cursos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, no campus de Jacareí-SP [...]”, corroborando a tese de que a contratação dos intérpretes de Libras pelo IFSP dependia de efetiva autorização dos órgãos da União, a legitimar sua presença no polo passivo da ação.3. Igualmente improcedente a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de tutela provisória, tendo em vista a configuração da situação de periculum in mora em desfavor dos portadores de deficiência auditiva, a merecer a imediata proteção e reparação, conforme já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, no exame específico da matéria.4. O dever do Estado em garantir efetivo atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, inclusive auditiva, encontra fundamento em normas constitucionais (artigos 205, 206, I, 208, III, da CF) e infraconstitucionais (artigos 2º, I, c e f, da Lei 7.853/1989; 58, § 1º, da Lei 9.394/1996; 17 e 18 da Lei 10.098/2000; 14, § 1º, III e IV, e 23, do Decreto 5.626/2005; e 28, XI, da Lei 13.146/2015). Como se observa, o ordenamento jurídico é farto em normas cogentes que impõem ao Poder Público o dever específico de proporcionar aos alunos surdos o efetivo serviço de tradução e interpretação de Libras em salas de aula e demais espaços educacionais.5. Na espécie, restou comprovado que tal múnus público não estava sendo suficientemente cumprido no campus de Jacareí do IFSP, em que constatada a presença de três alunos deficientes auditivos matriculados em anos diferentes do ensino médio, atendidos por uma única profissional habitada contratada para a interpretação da Língua Brasileira de Sinais - Libras, em flagrante prejuízo ao aprendizado dos interessados, donde legítima a atuação do Ministério Público Federal em provocar o Poder Judiciário para o exame da controvérsia, sem que disto resulte, no sistema constitucional de controle recíproco, qualquer violação aos princípios da separação de poderes ou da autonomia universitária.6. Conquanto não seja o Judiciário competente para aprovar lei orçamentária, disto não resulta que direitos subjetivos violados, sobretudo quando relacionados a direitos fundamentais de estatura constitucional de população ou setor hipossuficiente ou socialmente vulnerável, não devam constituir pauta de apreciação judiciária, reafirmando-se, como no caso, a infringência pelo Poder Público de garantia constitucional a fim de que o Estado readeque, pelos meios próprios, a respectiva atuação administrativa ou legislativa para contemplar a consecução material do direito assegurado. Cabe ao Estado, e não ao Judiciário, dizer de onde os recursos devem ser remanejados ou administrados para atingir o direito reconhecido em Juízo, o que, longe de configurar violação da discricionariedade administrativa, autonomia ou independência dos Poderes, apenas traduz a aplicação prática do princípio constitucional do controle recíproco pelo exercício independente da função jurisdicional em salvaguarda, sobretudo, da eficácia necessária dos direitos fundamentais na ordem democrática republicana. 7. Seguindo nesta linha, adota-se a jurisprudência supracitada do Superior Tribunal de Justiça, no que reconhece que “o direito à efetiva educação deve sobrepor-se a eventual embaraço orçamentário apregoado pelo Estado, mesmo quando em causa o direito de uma única criança” (AGRESP 1.207.683, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJE de 11/12/2015), sendo de rigor, pois, a prestação pela instituição de ensino - e eventual corresponsável, como, no caso, a União - dos serviços de tradutor e intérprete de Libras em número suficiente e necessário para garantir aos respectivos alunos deficientes auditivos o efetivo acesso à educação e permanência na escola, justamente para garantir, em observância a preceito constitucional (artigos 206, I, e 208, III, da CF), a igualdade de condições entre os portadores e não portadores de deficiência, conforme já reconhecido por esta Corte e Turma:8. A obrigação de contratação de intérpretes de Libras pela instituição de ensino aos respectivos alunos deficientes auditivos decorre de comandos constitucionais e legais - a maioria vigente há mais de dez anos - conforme fundamentos já expostos e jurisprudência elencada, pelo que não se cogita de preterição da “universalidade do acesso à educação em prol de mazelas individuais, específicas e particulares”, tampouco de violação à legalidade, isonomia, impessoalidade eficiência, moralidade ou razoabilidade.
9. Apelação desprovida e remessa oficial parcialmente provida para condenar os réus a promover a acessibilidade dos serviços de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais - Libras em número suficiente e necessário aos respectivos alunos portadores de deficiência auditiva.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002567-54.2019.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 24/08/2020, Intimação via sistema DATA: 26/08/2020)