PJE 0800125-07.2022.4.05.8303
PROCESSUAL CIVIL. INSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO NO CADASTRO DE INADIMPLÊNCIA. AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NA INSCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Apelação interposta pela UNIÃO contra sentença que julgou procedente o pedido (
art. 487,
I, do
CPC), para determinar ao ente público a suspensão da restrição existente em nome do Município de Brejinho/PE junto ao CAUC, referente ao item 3.2.3 - Encaminhamento do Anexo 8 do Relatório Resumido de Execução Orçamentária ao SIOPE, referente ao sexto bimestre de 2021, até que sejam oportunizados contraditório e ampla
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...defesa ao requerente. Honorários advocatícios foram arbitrados em 10% sobre valor da causa (art. 85, § 3º, do CPC). 2. Em seu apelo, a União defende, em síntese, que: a) não tem legitimidade para figurar na causa, sendo necessária a citação/intimação do FNDE; b) as restrições atinentes à área educacional são gerenciadas por meio do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação - SIOPE, competindo ao FNDE e não ao Ministério da Educação a gestão operacional e administrativa do referido Sistema; c) nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, requer-se a exclusão da União da lide; d) caso seja superada a preliminar, necessário que o Município emende a inicial com a inclusão do FNDE como litisconsorte passivo necessário (arts. 130 e 131, do CPC/2015); e) não obstante o FNDE esteja sob a supervisão da Administração Direta Federal - Ministério da Educação - com esta não se confunde, porque possui autonomia administrativa e personalidade jurídica própria, não pertencendo, portanto, à estrutura orgânica da União; f) a irresignação do Município autor reside na impossibilidade de, estando com restrição no CAUC, receber novas transferências voluntárias; contudo, a própria LRF exige que Estados e Municípios estejam regulares quanto à prestação de contas de recursos anteriormente recebidos da União; g) argui a presunção de legitimidade dos atos administrativos; h) em que pese a sentença tenha alegado ausência do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, a União passa a impugnar essas alegações, haja vista existir permissivo legal, além da jurisprudência pátria, que ampara tais registros dos agentes/entes públicos nos cadastros de inadimplência; i) quanto ao princípio da causalidade na fixação dos honorários advocatícios, tem-se que não deu causa à instauração da demanda, porquanto realmente existiram irregularidades praticadas. 3. Consta dos autos:
a) Trata-se de ação ordinária com pedido de concessão de tutela provisória de urgência, proposta pelo Município de Brejinho - PE em face da União, cujo objetivo é obter provimento jurisdicional que determine a suspensão da inscrição do Município do Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias para Estados e Municípios - CAUC, em relação ao item 3.2.3 - Encaminhamento do Anexo 8 do Relatório Resumido de Execução Orçamentária ao SIOPE, referente ao sexto bimestre de 2021.
b) Destaca que a inscrição da Municipalidade no CAUC ocorreu sem outorgar ao Município qualquer oportunidade de exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório, no âmbito administrativo.
c) A seu turno, a União aduziu, preliminarmente, a impugnação ao valor da causa e sua ilegitimidade passiva. No mérito, requereu a total improcedência do pedido. 4. Cinge-se a questão de mérito à suspensão, por parte da União, das restrições cadastrais do Município de Brejinho/PE, perante o Sistema CAUC, em virtude de irregularidade constante do Item 3.2.3 - Encaminhamento do Anexo 8 do Relatório Resumido de Execução Orçamentária ao SIOPE, referente ao primeiro bimestre de 2021. 5. Na sentença recorrida, explanou o Juízo a quo que: "O Cadastro Único de Convênio (Cauc) é um sistema que reúne informações de diferentes fontes para facilitar sua consulta pelos interessados, mormente por ocasião da celebração de convênios para repasse de recursos federais aos demais entes federados. A consulta ao CAUC é prevista no art. 3º, da Instrução Normativa STN nº 1, de 15/01/97. Dentre os subsistemas que alimentam os dados constantes do CAUC se encontra o SIOPE, o qual gerou a restrição anotada no Item 3.2.3 do CAUC (id. 4058303.21989389). O autor não teria apresentado tempestivamente o "Anexo 8 do Relatório Resumido de Execução Orçamentária" referente ao primeiro bimestre de 2021". 6. Prosseguiu o magistrado ressaltando que: "A fiscalização externa das contas municipais é tarefa precípua da Câmara de Vereadores com auxílio dos respectivos Tribunais de Contas Estaduais ou Municipais, conforme o art. 31, § 1º, da Constituição Federal. Ocorre que tal comando não inviabiliza que a União monitore as contas dos demais entes federados, tudo no interesse da correta aplicação dos escassos recursos públicos (...)". 7. Caso em que a preliminar de ilegitimidade passiva ventilada pela União Federal não merece prosperar, pois a presente demanda objetiva a suspensão da inscrição do Município no CAUC, sendo tal cadastro gerenciado pela Secretaria do Tesouro Nacional, que é vinculada ao Ministério da Fazenda, órgão da Administração Direta Federal. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado deste Regional: TRF5, 1ª Turma, PJE 0802125-96.2018.4.05.0000, Rel. Des. Federal Francisco Roberto Machado, julgado em 21/06/2018. 8. Quanto ao mérito, é certo que este Tribunal tem precedentes no sentido de que a inscrição do município no cadastro de inadimplência é uma consequência natural de sua situação, de modo que não seria possível contrafazer a realidade. 9. Da mesma forma, irrefutável que, no que concerne às transferências voluntárias provenientes da União em favor dos Municípios, consta de diversas legislações, como a própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a obrigatoriedade de, conforme o artigo 25, inciso IV: "comprovação, por parte do beneficiário, de: a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos; b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde; c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal; d) previsão orçamentária de contrapartida". 10. Na mesma linha, a Portaria Interministerial 424, de 30 de dezembro de 2016, no âmbito federal, estabelecendo normas para execução do previsto no Decreto 6.170/2007 (que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse), prevê: "Art. 9º É vedada a celebração de: VI - qualquer instrumento regulado por esta Portaria: b) com órgão ou entidade, de direito público ou privado, que esteja inadimplente nas suas obrigações em outros instrumentos celebrados com órgãos ou entidades da Administração Pública Federal, exceto aos instrumentos decorrentes de emendas parlamentares individuais nos termos do § 13 do art. 166 da Constituição Federal, ou irregular em qualquer das exigências desta Portaria; (...)". 11. Sucede que, no caso, o principal fundamento do juízo reside na ausência de contraditório e ampla defesa antes da inscrição do ente municipal no cadastro de inadimplência, conforme diretriz traçada pelo Supremo Tribunal Federal (tema 327), in verbis:
"A inscrição de entes federados em cadastro de inadimplentes (ou outro que dê causa à negativa de realização de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres que impliquem transferência voluntária de recursos) pressupõe o respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, somente reconhecido: a) após o julgamento de tomada de contas especial ou procedimento análogo perante o Tribunal de Contas, nos casos de descumprimento parcial ou total de convênio, prestação de contas rejeitada, ou existência de débito decorrente de ressarcimento de recursos de natureza contratual (salvo os de conta não prestada); b) após a devida notificação do ente faltoso e o decurso do prazo nela previsto (conforme constante em lei, regras infralegais ou em contrato), independentemente de tomada de contas especial, nos casos de não prestação de contas, não fornecimento de informações, débito decorrente de conta não prestada, ou quaisquer outras hipóteses em que incabível a tomada de contas especial". 12. Destarte, arrematou o Juízo a quo:
"(...)
Observe-se que, segundo esse entendimento do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, o dever de prestar contas ou de fornecer informações, por retratarem mera inação, independem de tomada de contas especial para sua a verificação, mas exige a notificação prévia e o esgotamento de seu prazo sem resposta ou justificativa plausível para a inserção da pendência nos cadastros restritivos.
No caso em comento, a própria União Federal/Ré na presente ação, reconheceu, por meio do OFÍCIO SEI nº 69136/2022/ME (id. 4058303.22566049), que "Como o CAUC é um mero agregador de informações sobre a situação de regularidade dos requisitos que compõem seu extrato, e não um cadastro de inadimplentes, a replicação de informações básicas de adimplência no extrato do CAUC prescinde de notificação prévia".
Defendeu que "o art. 8º da Lei nº 11.945/2009 excetua da necessidade de notificação prévia as obrigações certas de pagamento previstas em contratos de financiamento, parcelamentos ou outros de natureza assemelhada e as obrigações de transparência, por serem estas de natureza declaratória". E concluiu, ao final, que "Não exigem, portanto, notificação prévia os registros de inadimplência de requisitos fiscais associados aos seguintes sequenciais do CAUC: (...) 3.2 - Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO); (...)".
Assim, o procedimento de inscrição do Município Autor no CAUC, que se deu em razão do não "Encaminhamento do Anexo 8 do Relatório Resumido de Execução Orçamentária ao SIOPE", referente ao sexto bimestre de 2021, não respeitou o entendimento firmado pelo STF no RE 1.067.086/BA (Tema 327), em sede de Repercussão Geral, de modo que o pedido do Postulante deve ser acolhido, excluindo tal restrição cadastral".
13. Assim sendo, não merece retoque a sentença ora vergastada, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos, sem que se impeça, entretanto, a União de promover uma nova inscrição do Município, de acordo com as diretrizes firmadas pelo STF.
14. Apelação desprovida. Honorários recursais majorados em 1%, nos termos do
art. 85,
§ 11, do
CPC/2015.
rkf
(TRF-5, PROCESSO: 08001250720224058303, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 04/10/2022)