APELAÇÃO. DIREITO DESPORTIVO E CONSTITUCIONAL. CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA. AUTOMOBILISMO. PRÁTICA DA INFRAÇÃO TIPIFICADA NO
ART. 231 DO CBJD. ARGUIÇÃO DE NULIDADE DE SENTENÇA. DESCABIMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA QUE SE REJEITA. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DE TODAS AS INSTÂNCIAS DA JUSTIÇA DESPORTIVA PARA O ACIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO. MULTA ARBITRADA EM CONSONÂNCIA COM A INFRAÇÃO COMETIDA, OBSERVADA A PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. INADIMPLÊNCIA DO PILOTO AUTOR. EXCLUSÃO DE CAMPEONATO QUE É REFLEXO DE SUA INÉRCIA EM PAGAR O VALOR DEVIDO À CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE AUTOMOBILISMO, CONFORME PREVISÃO DO CBJD. PROVA DE EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE CULMINOU COM SUA PRIMEIRA
...« (+2301 PALAVRAS) »
...PUNIÇÃO NAQUELA ESFERA. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS E MATERIAIS NA HIPÓTESE. RECONVENÇÃO. PERSEGUIÇÃO DO CRÉDITO REFERENTE À MULTA APLICADA PELA CONFEDERAÇÃO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE EXECUÇÃO DA PENALIDADE ADMINISTRATIVA PUNITIVA IMPUTADA AO PILOTO INFRATOR. DECISUM QUE DEVE SER MANTIDO. Cinge-se a controvérsia aqui estabelecida, primeiramente, quanto à possibilidade do julgamento do mérito recursal, uma vez que, consoante colhido dos autos, pela segunda vez, ajuizou-se uma demanda sobre fatos que, em tese, não teriam sido levados às últimas instâncias da justiça desportiva. Ultrapassado isto, o cerne do debate se refere à nulidade de sentença, eventual inconstitucionalidade do art. 231 do Código de Justiça Desportiva, o esgotamento de instâncias do processo que resultou na punição do autor, a suposta autonomia da pretensão indenizatória com relação à matéria desportiva, a prescrição da pretensão punitiva disciplinar (§2º do art. 165-A do Código Desportivo), a dosimetria do valor da sanção e a alegada ocorrência de dano material e moral na hipótese narrada. I - Do necessário esgotamento das instâncias desportivas. Como por todos cediço, o direito desportivo é o conjunto de normas jurídicas de direito público e privado que regem a conduta do homem em relação ao esporte e seu meio ambiente. Dessa forma, podemos entender que esteja legitimamente presente na Constituição Federal, no Estatuto do Torcedor, no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, entre outras legislações. Trata-se, portanto, de um denso conjunto de regramentos, com disposições administrativas, trabalhistas, civis e fiscais, entre outras. Neste diapasão, dada a importância nata da prática de esportes para a completude humana, com sua natureza e peculiaridades, fez-se necessário o estabelecimento de regras que atendam à essas particularidades. Assim, com o crescente número de conflitos que envolvem a matéria, desenvolveu-se a estrutura do que se denomina Justiça Desportiva. Neste prisma, tem-se que a Justiça Desportiva é atividade especial, e ainda que possua esta denominação se constitui de uma entidade de direito privado. Logo, assim como outros tipos de tribunal arbitral, a Justiça Desportiva não faz parte do Poder Judiciário, mas tem como atribuição disciplinar as questões relativas à prática formal do desporto no País. Essa é a sua função precípua, consagrada pelo artigo 217 da Constituição Federal. Dentro desse contexto, ao se estabelecerem regras para determinada competição, as equipes e os atletas deverão cumpri-las. Acaso sejam as normas desobedecidas, as condutas serão analisadas e eventualmente punidas. Observa-se que cada modalidade deve ter a sua própria estrutura para julgamento de infrações. E, assim, inaugura-se a efetiva apreciação da questão referente às três instâncias da Justiça Desportiva, sendo estas: Comissões Disciplinares (entes judicantes de primeira instância dos tribunais desportivos); Tribunais de Justiça Desportiva (órgãos que analisam recursos relativos a decisões das comissões disciplinares ou julgam originariamente causas de competições municipais, regionais ou estaduais) e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (ente máximo da justiça desportiva brasileira que julga apelações de casos analisados pelos tribunais de Justiça Desportiva). Conforme determinado pela Constituição Federal, o Poder Judiciário só poderá ser acionado em causas desportivas após esgotadas todas as instâncias na Justiça Desportiva. Na hipótese dos autos, o próprio autor afirma na inicial desta demanda que deixou de recorrer administrativamente da infração por ele cometida em 2012, ao argumento de que o tempo para apresentação do recurso, nos termos dos arts. 155 e 157, do Código Desportivo Automobilístico, é muito pequeno e, via de regra, não permitiria a correta elaboração da defesa (30 minutos). Aduziu que os demais recursos seguem uma sequência hierárquica, de modo que entendeu que após a punição, o acesso à Justiça Desportiva tornou-se prejudicado. Neste momento, rememoro que tais argumentos se referem à demanda anteriormente ajuizada. Ora, é patente não ter havido o devido esgotamento das instâncias desportivas quando do ajuizamento da primeira ação, haja vista que a simples perda do prazo para interposição do recurso administrativo, no momento do cometimento da infração disciplinar automobilística, não inibiria a apresentação de outras formas de defesa, no decorrer do processo administrativo ainda em curso quando acionado o Poder Judiciário, o que, por sua vez, culminou com outras sanções disciplinares contra ele aplicadas. Contudo, em que pese a primeira demanda tenha sido devidamente extinta, sem julgamento de mérito, em razão do não esgotamento das instâncias desportivas, o mesmo destino não deve ser conferido a este feito. Confessadamente, quando do ajuizamento da primeira demanda, questionando a infração por ele cometida, o autor aduziu, e tornou a aduzir nesta ação, que não recorreu administrativamente em razão do pouco tempo que dispunha para elaborar defesa. Neste sentido, foi o trecho da sentença de extinção da primeira demanda: "A alegação de que a impossibilidade de ingresso administrativo por perda dos prazos previstos representou o esgotamento das vias a autorizar o ajuizamento desta demanda não se sustenta, não se podendo dar ao dispositivo legal o alcance pretendido pela parte ao afirmar que ´a intenção do constituinte não foi a de impedir o acesso ao Judiciário, mas apenas recomendar a prévia discussão na Justiça Desportiva´, ou quando sustenta que ´se até mesmo eventual derrota no âmbito da Justiça Desportiva permite o posterior ingresso judicial, com mais razão deve ser permitida a discussão judicial diante da ausência de discussão´ (fls. 296). Ora, inequívoco, no texto legal, que toda e qualquer matéria envolvendo interesses de atletas, agremiações, dirigentes e árbitros, no âmbito esportivo, são da alçada da Justiça Desportiva, a qual deverá promover a organização e funcionamento das competições, bem como apurar fatos, deliberando e punindo, na forma da legislação específica, restando claro que o próprio constituinte originário exigiu o esgotamento prévio da via administrativa da justiça desportiva para que se possa ingressar com ação judicial em matéria de desporto, sem que tal represente ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Tratando-se de requisito formal, obrigatório, imposto pela própria Constituição da República, a fim de delimitar a competência de uma instância administrativa especializada, integrada às peculiaridades da atividade desportiva e, portanto, de maior celeridade na solução dos conflitos que se limitem a questões de disciplina e competições desportivas." Naquele caso, em consequência da perda do prazo recursal, poderia o autor, a título de exemplo, ter ajuizado a chamada "revisão", de forma a tentar reverter os efeitos da decisão que lhe aplicara a punição vergastada. Ou seja, embora plenamente possível, preferiu não esgotar todas as instâncias da Justiça Desportiva. Contudo, nos presentes autos, o que se postula é a anulação (e/ou mitigação) dos efeitos que a sentença de extinção do processo anterior lhe causou, uma vez que a confirmação, pelo Judiciário, de que ele ingressou com demanda sem esgotar as instâncias da Justiça Desportiva foi motivo para uma nova punição, nos termos doart. 231 do CBJD c/c art. 217 CRFB/88. Assim, há que ser observado que, no que concerne ao que efetivamente é requerido nesta demanda (rol de pedidos), as instâncias da Justiça Desportiva foram devidamente exauridas, não se podendo exigir que, além do recurso cabível contra a decisão que lhe foi desfavorável, já julgado em definitivo, exija-se do autor o ingresso com mandado de garantia (que corresponderia ao mandado de segurança, na esfera do Poder Judiciário) e/ou com pedido de revisão (equivalente à ação rescisória, na esfera do Poder Judiciário). Logo, a questão referente à admissibilidade da demanda deve ser superada e julgado o mérito recursal, nos limites impostos pela lide. II - Do mérito recursal. O valor da multa pelo ato de pleitear diretamente junto ao Poder Judiciário questões inerentes à disciplina desportiva, antes de esgotadas todas as instâncias do STJD,pode variar de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais),e, no presente caso, foi arbitrado, comedidamente, em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), de sorte que não há que se falar em onerosidade excessiva, como se verá. O piloto (...) foi desclassificado da COPA AUDI DTCC 2012, por conduta antidesportiva, e, em razão disso, propôs ação judicial, naquela época, discutindo a ilegalidade da punição. A Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), em 27.01.2014, apresentou contestação nos autos daquela ação e enviou uma cópia da defesa para a Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o qual, por sua vez, é um órgão autônomo e independente da CBA. No dia seguinte, em 28.01.2014, ciente da propositura da ação judicial, a Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva entendeu que deveria, no exercício do seu múnus, apresentar denúncia contra o piloto Adolpho Rossi, junto ao Presidente da Comissão Disciplinar do STJD, nos termos do art. 217 CRFB/88 e do art. 231 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Apósoiterprocedimentaladministrativo,garantidoso contraditório e a ampla defesa, a denúncia foi julgada procedente, vindo o autor, ora apelante, a ser punido, primeiro, pela Comissão Disciplinar do STJ, e, depois, mantida a decisão, pelo Pleno do STJD, com a exclusão do campeonato COPA AUDI DTCC 2012 e multa de R$50.000,00, a ser paga em 15 dias. Conforme prova dos autos, o autor não pagou a multa a que foi definitivamente condenado em 03.04.2014 (fls.151 do processo administrativo), nem adotou outra providência administrativa ou judicial em relação à punição, ou mesmo tentou obter a suspensão da exigibilidade da multa, passando à condição de inadimplente junto à Confederação. Sendoassim,nostermosdoCódigoDesportivode Automobilismo (art. 132.4), considerando-se que o apelante estava inadimplente, a CBA suspendeu a sua cédula desportiva a partir de 2014,circunstânciaque,automaticamente,oimpediudeparticipardos eventosautomobilísticospromovidospelaentidadeatéaregularizaçãodo pagamento, o que, ao que tudo indica, não foi efetivado até o momento. Mantida a sua inadimplênciae,consequentemente,a suspensãodasua licençadepiloto,aindaassim,porcontaprópria,e mesmocientedasdecisõesdoSTJD,jáquesefez representar, por advogado em todos os julgamentos (e a sua intimação para pagar a multa de R$50.000,00 foi regular), o apelante decidiu tentar participar daCOPABRASILDEENDURANCE2014,cuja2ªetapa ocorreu no Autódromo Internacional de Tarumã, em Viamão/RS. Em função dos regulamentos desportivos, notadamente do art.132.4 do Código Desportivo de Automobilismo, a inscrição do piloto ADOLPHO (...) na prova de ENDURANCE 2014 foi indeferida pelos comissários, sob a justificativa de que o seu nome estava inscrito na relação de pilotos suspensos, o que inviabilizaria a sua participação no evento. Dentro desse contexto, o apelante alegou que não teve acesso à ampla defesa e que houve prescrição da pretensão punitiva, por entender que a Procuradoria do STJD teria 60 dias para proceder à denúncia, nos termos do art. 231 c/c 165-A do CBJD. Para isso, considerou que o fato gerador seria a distribuição da ação judicial sem o esgotamento da Justiça Desportiva (no caso, a judicialização daquela 1ª ação), e sustentou que a pena de multa e de exclusão do campeonato só poderia lhe ter sido imputada até, no máximo, 60 dias após a data de distribuição daquela açãojudicial(21/01/2013), sendoinquestionável quea denúnciafoioferecidanodia28/01/2014(fls.02/03 do processo administrativo). Contudo, este argumento não merece prosperar. O dies a quo da contagem do prazo de 60 dias não é a data de distribuição da ação judicial que gerou a punição, mas sim o dia em que o fato se tornou conhecido pela Procuradoria da CBA (no caso, a data em que a CBA protocolou no STJD asuadefesa,27/01/2014,às10:45,fls.13dosautosdoprocesso administrativo)ou ainda,emseconsiderandoqueainfraçãoépermanenteou continuada, por se entender que o processo judicial foi proposto sem o esgotamento da via administrativa, conta-se o prazo dadataemquecessarapermanênciaoucontinuidade,demodoque,em quaisquer das duas hipóteses, não há que se falar em prescrição. E é esta a norma expressa do art.165-A, 'c' e 'd' do CBJD. De mais a mais, é totalmente razoável reconhecer que a infração, no caso concreto, é continuada, uma vez que o apelante não só deixou de se dirigir à Justiça Desportiva, como insistiu na infração, ao dar prosseguimento ao processo judicial, mesmo após ciente, através da contestação apresentada pela CBA, que faltaria ao processo pressuposto de validade. Já quanto ao pedido de anulação da sentença, uma vez que o magistrado não teria analisado o pedido pela inconstitucionalidade do art. 231 do Código de Justiça Desportiva, tal não procede, haja vista que o magistrado não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, se já tiver elementos suficientes para firmar seu convencimento, como no caso dos autos. Ademais, a questão se confunde com o próprio mérito do processo, tendo em consideração que as alegações trazidas na exordial a fim de corroborar a tese se referem à inaplicabilidade do artigo objurgado ao caso concreto e suas especificidades, de forma que, dentro desse prisma, é de se esclarecer que, desde o ano de 2009 a matéria, genericamente suscitada pelo autor, se encontra superada, haja vista o controle concentrado de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.139. Por salutar, veja-se um trecho do referido julgamento: "No inciso XXXV do art. 5º, previu-se que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". (...) O próprio legislador constituinte de 1988 limitou a condição de ter-se o exaurimento da fase administrativa, para chegar-se à formalização de pleito no Judiciário. Fê-lo no tocante ao desporto, (...) no § 1º do art. 217 (...). Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário sofre uma mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase administrativa está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de controvérsia a envolver disciplina e competições, sendo que a chamada Justiça desportiva há de atuar dentro do prazo máximo de sessenta dias, contados da formalização do processo, proferindo, então, decisão final - § 2º do art. 217 da CF." [ADI 2.139 MC e ADI 2.160 MC, voto do rel. p/ o ac. min. Marco Aurélio, j. 13-5-2009, P, DJE de 23-10-2009.] Dessa forma, por qualquer ângulo que se observe, inexistem os motivos alegados para eventual indenização por danos morais e materiais, haja vista que, conforme amplamente aqui debatido, o próprio autor deu causa aos infortúnios experimentados. E, por fim, quanto à reconvenção, na qual a Confederação ré pleiteia a execução da multa disciplinar cominada ao autor, certo é que somente o Poder Judiciário tem como garantir o seu cumprimento, haja vista a eficácia executiva da jurisdição, ou seja, somente aqui pode ser efetivamente executada a penalidade administrativa pecuniária imputada ao piloto. Logo, também merece julgamento de mérito o pedido reconvencional, devendo ser mantida a sua procedência. Desprovimento do recurso. Conclusões: EM CONTINUAÇÃO, VOTARAM O 3º VOGAL, DES. PETERSON SIMÃO, E A 4ª VOGAL, DES. FERNANDA PAES, NO MESMO SENTIDO DA DIVERGÊNCIA, COLHENDO-SE O SEGUINTE RESULTADO: POR MAIORIA DE VOTOS, NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DA 2ª VOGAL, DES. RENATA COTTA, VENCIDOS O DES. RELATOR E O 1º VOGAL, DES. MÁRIO ASSIS, QUE AO MESMO DAVAM PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DE SEU RESPECTIVO VOTO. ACOMPANHOU, PELO APDO, A DRA. BARBARA LUPETTI, OAB/RJ 113.658.
(TJ-RJ, APELAÇÃO 0082537-26.2015.8.19.0001, Relator(a): DES. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA , Publicado em: 31/07/2020)