PJE 0801040-82.2019.4.05.8102
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. SANÇÃO PREVISTA NO
ART. 73-C,
LC 101/2000. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS.
1. Remessa oficial e apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF), contra sentença que, no bojo de ação civil pública em face do Município de Solonopole/CE, declarou a extinção do processo, sem resolução de mérito, com fundamento no
art. 485,
inciso VI, do
Código de Processo Civil...« (+2132 PALAVRAS) »
.... 2. Em seu apelo, o MPF arguiu, em síntese, que: a) o art. 5º da CF é claro ao estipular que a administração pública direta ou indireta de qualquer dos entes federativos reger-se-á pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, notadamente frisando os incisos XIV e XXXIII, quanto ao princípio da publicidade; b) com a finalidade de regulamentação dos dispositivos constitucionais, foi editada a Lei 12.527/2011, cujo art. 3º garante a divulgação de informações de interesse público, salvo as excepcionalidades referentes ao sigilo; c) os fatos que deram ensejo à presente ação encontram-se no âmbito de competência da Justiça Federal, pois envolvem interesses caros à União; d) em que pese o Governo Federal envidar esforços e recursos para dar máxima transparência às verbas que arrecada e gasta, por meio do portal www.transparencia.gov.br, quando tais recursos são transferidos a estados e municípios, não são disponibilizadas informações simples como, por exemplo, cópias dos editais de licitações, dos contratos firmados e dos pagamentos realizados; e) embora o MPF seja instituição autônoma, sem personalidade jurídica própria, tem-se reconhecido que ele se situa na estrutura federativa como órgão da União; f) insta ressaltar que a competência não se confunde com a legitimidade ad causam, esta condição da ação, porquanto, em regra, a competência antecede logicamente ao juízo quanto à legitimidade para a causa; g) o art. 73-C da LRF estabelece que o não atendimento, até o encerramento dos prazos previstos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do pu do art. 48 e do art. 48-A, sujeita o ente à sanção prevista no inciso I do § 3° do art. 23 da LC 101/2000, caso em que não poderá receber transferências voluntárias enquanto perdurar essa irregularidade, donde de depreende a supremacia do interesse nacional da União na presente ação. 3. Depreende-se e constata-se da sentença:
a) Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de tutela de evidência, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em desfavor do Município de Solonópole/Ceará.
b) Requereu o Parquet que sejam regularizadas as pendências encontradas no sítio eletrônico já implantado, de links que não estão disponíveis para consulta (sem registro ou arquivos corrompidos), e que promova a correta implantação do Portal da Transparência, previsto na Lei Complementar 131/2009 e na Lei 12.527/2011, assegurando que nele estejam inseridos, e atualizados em tempo real, os dados previstos nos mencionados diplomas legais e no Decreto 7.185/2010 (art. 7º), inclusive com o atendimento aos seguintes pontos: I. Implementar ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma eficiente, de modo que os resultados mostrados permitem acessar a informação pesquisada diretamente; II. Disponibilizar no Portal da Transparência todos os itens ausentes, conforme indicação em tabela colacionada alhures. 4. A sentença restou fundamentada nos seguintes termos:
"(...) 2. Fundamentação
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu, dentre outras, em seu art. 129, inciso III, como função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente, do patrimônio público e demais interesses difusos e coletivos.
A Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, ao dispor sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, em seu art. 39, incumbiu ao Ministério Público Federal o exercício da defesa dos direitos constitucionais do cidadão quando infringidos pelos Poderes Públicos Federais, órgãos da administração pública federal direta ou indireta, concessionários e permissionários de serviço público federal ou entidades que exerçam outra função delegada da União.
"Art. 39. Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito:
I - pelos Poderes Públicos Federais;
II - pelos órgãos da administração pública federal direta ou indireta;
III - pelos concessionários e permissionários de serviço público federal;
IV - por entidades que exerçam outra função delegada da União."
Por sua vez, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, dispôs sobre os procedimentos a serem adotados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios para se garantir o acesso à informação assegurado pelo inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Conforme o art. 8º, § 2º, da Lei nº 12.527/2011, os órgãos e as entidades públicas devem obrigatoriamente divulgar em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet) as informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou armazenadas.
"Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.
(...)
§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)."
No caso dos autos, o MINISTÉRIO PÚBLICO - MPF ajuizou a presente ação em desfavor apenas do MUNICÍPIO DE SOLONÓPOLE/CE com o objetivo de obter provimento judicial para compelir o ente municipal a regularizar a implantação de "Portal da Transparência" com informações da municipalidade.
Depreende-se da demanda como posta que o MPF pretendeu, além de suas atribuições estabelecidas pela Lei Complementar nº 75/1993, tutelar direito metaindividual do cidadão de acesso à informação supostamente não observado por ente não federal.
Além disso, não trata a demanda de matéria afeta a interesse federal, mas sim de questão restrita ao âmbito do município demandado, pelo que se infere a ausência de legitimidade ativa do MPF para o ajuizamento desta ação.
O e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região em demanda similar a dos autos igualmente não reconhece a legitimidade ativa do Parquet Federal a exemplo da ementa do julgado a seguir:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. IRREGULARIDADES. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPF EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. OBRIGAÇÃO DE CONTROLE UNIFICADO PELA UNIÃO. INEXISTÊNCIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Apelação da União em face da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal para condenar o Município de General Maynard-SE a dar o devido cumprimento aos ditames legais atinentes à divulgação de informações de interesse público, e para condenar a União na obrigação de incluir no sistema CAUC (Cadastro Único de Convênio) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) uma ferramenta destinada a monitorar o cumprimento e a atualização das informações de transparência pública de todos os entes estaduais e municipais, além de somente proceder à liberação de recursos derivados de transferências voluntárias e de formalizar termos de ajustes, convênios e outros repasses de natureza voluntária com a devida comprovação do cumprimento dos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A da Lei Complementar nº 101/2000 pelos entes estaduais e municipais, não suprindo a mera declaração de cumprimento por parte dos gestores estaduais e municipais. 2. Em que pese o entendimento exposto pelo Parquet Federal e seu inquestionável intuito de assegurar o efetivo cumprimento das disposições legais acerca da transparência do setor público, o Ministério Público Federal não possui legitimidade ativa para deduzir as pretensões anteriormente aludidas em desfavor do município. 3. Nos moldes traçados no art. 59 da LC nº 101/2000, a fiscalização do cumprimento das normas contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal é acometida de forma expressa ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do respectivo estado da federação. 4. O descumprimento da legislação que instituiu as normas de transparência no setor público é questão de interesse apenas da comunidade do Município de General Maynard-SE ou, no máximo, do Estado de Sergipe, de modo que não há como se falar em interesse federal nesse ponto. 5. A inobservância das exigências de disponibilização de informações de transparência pelo Município de General Maynard-SE deve desencadear as ações fiscalizatórias do Tribunal de Contas e do Ministério Público, ambos do Estado do de Sergipe. 6. Quanto à lide do MPF em face da União Federal, há inquestionável legitimidade ativa do Parquet Federal para demandar. 7. Em que pese o comprovado descumprimento, por parte do ente municipal, das normas de transparência, com diversas irregularidades apontadas em seu Portal da Transparência, nenhum fato em concreto foi apurado em relação à União, de modo que não se pode concluir que a apelante tenha contribuído para os descumprimentos imputados exclusivamente ao Município General Maynard-SE. O que pretende o MPF é responsabilizar a União por não ter cumprido uma obrigação que o Parquet alega que ela tem, mas que não é prevista em lei, decorrendo somente de um raciocino dedutivo e presuntivo a partir da previsão legal de uma penalidade a ser aplicada tanto pela União quanto pelos Estados, a depender do caso, nas hipóteses de desatendimento das normas de transparência pelos municípios. 8. Da análise da Lei Complementar nº 101/2000 e da Lei de Acesso à Informação, percebe-se com clareza que a legislação federal previu a obrigação de transparência da gestão pública para todos os entes federativos, estabelecendo tão somente a penalidade de suspensão do repasse das transferências voluntárias em caso de sua inobservância. 9. O fato de haver a previsão de uma sanção para o município que não cumpre as normas de transparência das contas públicas não permite concluir, por si só, que existe o dever isolado da União de fiscalizar e controlar o cumprimento de todos os requisitos legais exigidos para a regularização dos Portais da Transparência de todos os entes municipais e estaduais. Este dever não encontra respaldo legal, de modo que não se pode presumir uma obrigação que a lei não criou expressamente, sobretudo porque a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade. 10. Pretender operacionalizar o procedimento de fiscalização e controle da transparência pública de maneira unificada, concentrando toda a responsabilidade na União, é de duvidosa aplicabilidade prática. Mesmo porque, por melhor que seja tal sistema, é tarefa impossível que tal ferramenta, e a STN, sejam incumbidas solitariamente de monitorar se houve o cumprimento e atualização efetivos das informações de todos os Portais da Transparência de todos os entes da federação. Ademais, é temerário permitir, com base apenas em comando automático de um único sistema de reunião de informações, que é passível de falhas técnicas, a suspensão das transferências. 11. Nos termos do art. 59 da LC 101/2000, cabe ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas respectivos o dever de, verificando que o ente municipal não está observando as normas de transparência, comunicar à União, a fim de que se suspendam os repasses de transferências voluntárias, penalidade prevista no parágrafo 4º do art. 48 e art. 73-C do mesmo diploma legal. 12. A própria Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/11) deixa claro que a atribuição de definir as regras para a concretização das normas de transparência cabe a todos os entes federativos e não somente à União. 13. Não há como apontar qualquer conduta omissiva da União que tenha contribuído para o descumprimento, por parte do Município, da legislação que garante o acesso às informações públicas. 14. Em que pese não ser possível impor à União a criação de tal sistema unificado, como pretende o MPF, por outro lado, é razoável que se imponha a este ente federativo uma obrigação de não fazer, qual seja: não celebrar convênios, ajustes e repasses de natureza voluntária e, consequentemente, não transferir voluntariamente recursos, enquanto o Município não adequar o seu portal da transparência nos termos da legislação de regência, sem prejuízo ao disposto nos arts. 10 e 11 da Lei nº 11.945/2009. 15. Reconhecida, de ofício, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal relativamente aos pleitos deduzidos em face do Município de General Maynard-SE. Sentença anulada quanto às condenações impostas ao ente municipal. Processo extinto sem resolução do mérito nesta extensão. 16. Apelação da União parcialmente provida para, reformando a sentença do juízo de origem, afastar apenas a condenação referente ao item b.1 da sentença, remanescendo as obrigações de não celebrar convênios, ajustes e outros repasses de natureza voluntária, e de não realizar transferência voluntária de recursos enquanto o Município de General Maynard não cumprir a obrigação legal de adequar seu portal da transparência nos termos previstos na legislação de regência, sem prejuízo ao disposto nos arts. 10 e 11 da Lei nº 11.945/2009. (PROCESSO: 08023950520164058500, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 23/05/2019, PUBLICAÇÃO: )" (destaquei em negrito)
Tendo em vista a patente ilegitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF para o ajuizamento da presente ação, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito com fundamento no
art. 485,
inciso VI, do
Código de Processo Civil. (grifos nossos).
(...)".
5. Não assiste, portanto, razão ao apelante, pelos próprios fundamentos da sentença.
6. Remessa oficial e apelação desprovidas. Sem honorários recursais.
rkf
(TRF-5, PROCESSO: 08010408220194058102, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 21/06/2022)