ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. ENTES FEDERATIVOS. MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. RUXOLITINIBE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. ANULAÇAO DA SENTENÇA. REMESSA E APELAÇÃO DA UNIÃO PROVIDAS. 1. Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pela UNIÃO objetivando a reforma da sentença (evento 56, 1º grau) que, nos autos da ação ordinária ajuizada por WELITON LEOPOLDINO DA SILVA, julgou procedente o pedido, na forma do
art. 487,
I, do
CPC,
... +1433 PALAVRAS
...confirmando a tutela de urgência anteriormente deferida, para condenar a ora apelante, o Estado do Espírito Santo e o Município de Alegre, solidariamente, ao fornecimento do medicamento RUXOLITINIBE 20mg (2 comprimidos/dia), conforme prescrição médica, de forma contínua, na quantidade, dosagem e pelo período em que seu médico assistente prescrevê-lo. 2. A devolução cinge-se à análise do cabimento da condenação dos entes federativos ao fornecimento do medicamento RUXOLITINIBE 20mg (2 comprimidos/dia), conforme prescrição médica, de forma contínua, na quantidade, dosagem e pelo período em que seu médico assistente prescrevê-lo. 3. O art. 196 da Constituição da República assevera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, competindo, na forma do art. 197, primordialmente ao Poder Público, a execução das ações e serviços que garantam ao cidadão, em última análise, o seu direito à vida.4. O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde é de competência comum dos entes da federação, nos termos do art. 23, II, da Constituição.5. Em maio de 2019, ao julgar os embargos de declaração opostos pela União contra o acórdão que havia estabelecido a redação original do Tema 793 de repercussão geral, no julgamento do RE 855178 (Rel. Min. Luiz Fux, julg: 05/03/2015), o STF alterou o paradigma até então vigente nas demandas por tratamentos de saúde ajuizadas em face dos entes públicos, que considerava uma solidariedade geral e irrestrita entre os entes federativos, permitindo direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro: Tema 793 - Responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde.; Leading Case: RE 855178; Tese: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.6. Em relação aos medicamentos não incorporados ao SUS e não registrados na ANVISA, o STF fixou, ainda, as seguintes teses: Tema 500/STF. Dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA. Leading Case: RE 657718 Tese: 1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Tema 1.161 / STF. Leading Case: RE 1165959; Tese: Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.7. Da leitura do tema 500 do STF, que aborda especificamente medicamentos não incorporados e não registrados na ANVISA, se infere que é imprescindível, além dos demais requisitos, a demonstração da mora irrazoável da agência reguladora.8. A judicialização da saúde no Brasil, contudo, passou por uma total reorganização de sua arquitetura com o julgamento dos temas nºs 6 e 1.234 pelo Supremo Tribunal Federal, novo marco paradigmático que consolidou diretrizes fundamentais para a conciliação do direito à saúde com os limites orçamentários e operacionais dos entes federativos, com a reestruturação de fluxos administrativos e a determinação de criação de uma plataforma nacional de medicamentos que irá centralizar informações, monitorar prescrições e prevenir fraudes, garantindo maior eficiência e transparência na gestão dos recursos públicos, auxiliando na promoção de uma governança mais colaborativa. 9. Em 2020, o STF negou provimento ao RE nº 566471, Recurso extraordinário em que o Estado do Rio Grande do Norte questionava decisão judicial que determinou o fornecimento de medicamento de alto custo não incorporado ao Sistema Único de Saúde - SUS, no qual as discussões evoluíram da abordagem inicial de medicamentos de alto custo para a análise da possibilidade de concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS, deliberando por fixar a tese de repercussão geral posteriormente. 10. Iniciada a votação quanto à tese, foi formulado pedido de vista pelo Min. Gilmar Mendes e, em 2022, criada Comissão Especial, composta por entes federativos e entidades envolvidas, cujos debates resultaram em acordos sobre competência, custeio e ressarcimento em demandas envolvendo medicamentos não incorporados, entre outros temas, considerando as premissas de escassez de recursos e eficiência das políticas públicas; o potencial prejuízo da judicialização excessiva na organização, eficiência e sustentabilidade do SUS; a igualdade no acesso à saúde; e o respeito à expertise técnica e medicina baseada em evidências, com a publicação, no final de 2024, dos Temas 6 (RE nº 566471) e 1.234 (RE 1.366.243).11. A partir dos mencionados julgamentos, foram publicados os enunciados das súmulas vinculantes nºs 60 e 61 do STF. 12. À luz das referidas teses, o fornecimento excepcional de medicamentos não incorporados dependerá da comprovação de que: i) houve negativa administrativa do fornecimento; ii) inexistem alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo SUS; iii) o fármaco é imprescindível e com respaldo na medicina baseada em evidências de alto nível; iv) a omissão ou negativa da CONITEC não encontra justificativa legal; e v) o autor não possui condições financeiras de arcar com os custos.13. No caso em comento, consoante o laudo médico anexado à inicial emitido em 2021pelo médico hematologista Dr André Sena Pereira (CRM-ES 4544, RQE 5407) em papel sem timbre, o apelado é paciente portador de policitemia verdadeira, cod. 45, há 11 anos, em uso de hidroxiruréia, evoluindo com esplenomegalia e fibrose na última biópsia de medula óssea, em evolução compatível com mielofibrose secundária a doença mieloproliferativa e indicação de ruxolitinibe (evento 1, p. 17, 1º grau).14. O fármaco possui registro na ANVISA e não há lista padronizada de dispensação de medicamentos oncológicos no SUS, além de não haver, atualmente, um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PDCT) ou Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) no SUS para nortear o tratamento da patologia que acomete o apelado (mielofibrose).15. Sob outro prisma, o apelado comprovou sua incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito, juntando recibo de entrega da declaração de ajuste anual do IRPF para comprovar seu rendimento tributável anual no montante de R$ 73.535,08, restando demonstrado que não possui condições de arcar com o custo com o custo mensal do medicamento estimado em R$45.001,47.16. Por sua vez, a CONITEC, durante a 109ª Reunião Ordinária, realizada nos dias 8 e 9 de junho de 2022, recomendou por maioria simples a não incorporação do ruxolitinibe para tratamento de pacientes com mielofibrose, risco intermediário-2 ou alto, com plaquetas acima de 100.000/mm3, inelegíveis ao transplante de células-tronco hematopoéticas, no âmbito Nota Técnica 1091 (0032506229) SEI 00737.005484/2023-73 / pg. 4 do SUS, considerando o elevado custo do medicamento17. Todavia, o parecer contrário à incorporação pela CONITEC levou em conta sobretudo o custo-efetivo do fármaco e, considerando a ausência de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para o tratamento da mielofibrose, se faz imperiosa a realização de perícia judicial, como apontado pela União em sua apelação, para que sejam esclarecidos pontos como a intolerância ao uso de hidroxiuréia, a existência de estudos comparados mais recentes em institutos internacionais sobre a doença, considerada rara, bem como outras questões que possam ser trazidas pelas partes.18. Tal providência processual é absolutamente crucial, a fim de que se estabeleça a efetiva necessidade, utilidade e segurança do tratamento postulado, eis que, como reconhecido pela União, no caso de medicamentos oncológicos, inexiste padronização exclusiva de tratamentos pela CONITEC.19. Dada a especificidade da matéria, de índole médica e farmacológica, a perícia, por profissional imparcial, da confiança do juízo, e submetida às regras do Código de Processo Civil, com respeito ao contraditório, é condição sine qua non para a análise do pleito.20. Remessa necessária e apelação da União providas para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para a realização de perícia judicial. DECISAO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à remessa e à apelação da União para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para a realização de perícia judicial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(TRF2 , Apelação/Remessa Necessária, 5000866-51.2023.4.02.5002, Rel. ALCIDES MARTINS RIBEIRO FILHO , 5ª TURMA ESPECIALIZADA , Rel. do Acordao - ALCIDES MARTINS, julgado em 29/04/2025, DJe 08/05/2025 14:53:59)