AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DE LEI ESPECIAL QUE VERSA SOBRE DIREITO DE RESPOSTA. RITO ESPECÍFICO NÃO OBSERVADO PELO JUÍZO DE PISO. DEMONSTRAÇÃO DE PERICULUM IN MORA REVERSO. TUTELA ANTECIPATÓRIA REVOGADA. PROVIMENTO.
1. Hipótese em que, na decisão a quo, não foi observado o rito especial previsto na
Lei n.o 13.188/2015, na medida em que, por força do
artigo 6º,
inciso I, do referido diploma legal, o direito de resposta em matéria publicada por veículo de comunicação social não poderia ter sido concedido ao postulante sem que o julgador, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, mandasse citar o responsável pelo veículo
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...de comunicação social para que, em igual prazo, apresentasse as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu.2. À luz do supratranscrito regramento legal, observa-se que, no caso dos autos, o rito processual aplicável foi efetivamente ignorado pelo juízo a quo, o que afasta, de todo, a presença do requisito autorizador da liminar atinente à fumaça do bom direito, haja vista a impossibilidade, decorrente de imposição legal, de se presumir a verossimilhança dos argumentos autorais sem que, antes, se houvesse outorgado à parte ré a oportunidade de se manifestar sobre o teor da demanda, sob pena de violação dos princípios constitucionais da liberdade de imprensa (artigo 220, caput e §1º, da Constituição da República), corolário do primado constitucional da liberdade de expressão.3. Agravo de instrumento provido.
ACÓRDÃO
A PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, POR VOTAÇÃO UNÂNIME, DEU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO DESEMBARGADOR RELATOR.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Gráfica Escolar S/A, com pedido de efeito suspensivo, em face da decisão proferida pelo Juízo da 7ª Vara da Fazenda Pública do Termo Judiciário de São Luís da Comarca da Ilha de São Luís que, nos autos da ação ordinária ajuizada pelo Estado do Maranhão em desfavor da ora agravante, deferiu pedido de tutela antecipada para determinar que a ré possibilite direito de resposta ao autor, ora agravado.
Na origem, o Estado do Maranhão (agravado) alegou que, respectivamente nas datas de 31/07/2018 e 02/08/2018, o portal eletrônico Imirante.com, pertencente à ré, publicou as matérias intituladas "PIB do (...) tem queda acumulada de 11,5% em 2015 e 2016" e "PIB do (...) deve ser negativo em 4,4% em 2019". Seguiu aduzindo que, no entanto, a primeira publicação contém informações falsas, visto que o Estado do Maranhão foi o único estado brasileiro com crescimento intenso, quantificado em 8,8%. Acrescentou que a segunda publicação, por sua vez, também apresentou informações inverídicas, uma vez que relatou a estimativa de um suposto declínio de 4,4% no PIB do Estado do Maranhão para o ano de 2019.
Afirmou o autor (agravado), outrossim, que notificou a requerida e lhe apresentou nota de esclarecimento, ao tempo em que pleiteou sua publicação nas mesmas proporções do agravo, mas a ré não teria seguido os parâmetros estabelecidos na Lei n° 13.105/2015, de modo que não houve publicação ou manifestação a respeito da mencionada notificação. Requereu, com base nisso, a concessão da tutela de urgência para determinar que a ré fosse compelida a publicar nota de resposta, na sua íntegra, no portal eletrônico "Imirante.com", observando os seguintes moldes, a saber, duas publicações distintas publicadas em dias diferentes com o mesmo destaque e o mesmo espaço dado às notícias ofensivas respectivas e em dias da semana equivalentes, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Irresignada com a concessão da tutela antecipatória, a agravante aduz que a decisão a quo não observou o rito previsto na Lei n.o 13.188/2015, sob o argumento de que, por força do artigo 6º, inciso I, do referido diploma legal, o direito de resposta em matéria publicada por veículo de comunicação social não há de ser concedido ao postulante sem que o juiz, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, ordene a citação do responsável pelo veículo de comunicação social para que, em igual prazo, apresente as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu.
Alega, em face disso, que a inobservância do rito atingiu direito fundamental seu (art. 5º, LV, CRFB/88), visto que a oitiva prévia teria o condão de assegurar os direitos ao contraditório e à ampla defesa do site Imirante.com, pelo que a decisão não pode subsistir.
Ressalta que este egrégio TJMA já apreciou caso idêntico ao dos autos, em que o rito da Lei 13.188/2015 havia igualmente sido ignorado pelo juízo a quo, pronunciando-se pela violação ao contraditório e à ampla defesa, e sustando os efeitos do decisum. Colaciona, assim, a ementa do acórdão referente ao julgamento do agravo de instrumento n.o 0805479-92.2017.8.10.0000, prolatado pela colenda 5a Câmara Cível e de relatoria do eminente Desembargador José de Ribamar Castro.
Prossegue argumentando, ademais, que a notícia veiculada não era leviana, de modo que o deferimento do direito de reposta em caráter liminar mostra-se de descabido.
Destaca, inclusive, que em correção espontânea da matéria jornalística, o referido site assinalou textualmente que havia cometido um erro, pois as informações veiculadas na edição de 31.07.2018 tinham sido colhidas da ‘Revista Época’, a qual veiculou dados equivocados. Diz que, na oportunidade, o veículo também assentou que a ‘Tendências Consultoria Integrada’ havia informado que a queda do PIB maranhense havia sido de 8,7% e não de 11,6% no tocante ao período de 2015 e 2016, e que, em 2017, a projeção seria positiva, de 3,2%. Afirma, assim, que resta evidente que o site, nada obstante tenha apresentado dados equivocados na matéria de 31.07.2018, prontamente os corrigiu no dia 02.08.2018.
Acrescenta que o texto cuja publicação a decisão impôs à parte agravante é técnico, extenso, dissonante dos fatos veiculados na matéria jornalística e contém dados produzidos unilateralmente pelo agravado, sem qualquer subsídio em dados oficiais. Aduz, ainda, que o texto da resposta é muito maior do que a reportagem veiculada, desvirtuando-se o propósito da Lei 13.188/2015.
Pugna, em sede liminar, pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, sob o argumento de que a manutenção dos efeitos da decisão agravada causaria lesão de impossível reparação, ante o caráter irreversível da publicação do texto da resposta.
Requer, no mérito, o provimento recursal com vistas à revogação do decisum.
Concedi efeito suspensivo ao recurso (ID 2853544).
Inconformado com a suspensão da decisão a quo, o Estado do Maranhão interpôs agravo interno (ID 2950539), o qual restou improvido pela colenda Primeira Câmara Cível (ID 3409129).
Em sede de contrarrazões, o agravado argumenta que, a despeito de a Lei 13.188/2015 conter normas quanto à tramitação da ação de direito de resposta, não é afastada completamente a aplicação do CPC/2015. Diz, nessa linha, que é possível a aplicação simultânea dos dois diplomas normativos, bastando que seja aferido, em face de cada instituto, se a Lei 13.188/2015 traz alguma disposição especial.
Acrescenta, a respeito do momento da concessão da tutela de urgência, que o deferimento do pedido autoral pode ocorrer de forma liminar (sem que tenha sido citada a parte contrária) ou somente após justificativa prévia. Diz, nesse ponto, que, nos casos de concessão liminar, o contraditório não é sumariamente eliminado, mas apenas postergado.
Arremata expondo que a Lei 13.188/2015 não dispõe especificamente sobre os casos em que a concessão da tutela de urgência precisa ser concedida de forma liminar, ou seja, antes mesmo da citação do réu. Diz que, nesse caso, diante da ausência de normas especiais quanto ao tema, devem ser aplicadas as regras gerais previstas no CPC/2015.
Alega que incide, portanto, a previsão normativa contida no artigo 300, §2°, do CPC que autoriza a concessão da tutela de urgência liminarmente, ou seja, sem prévia oitiva da parte ré, não havendo violação ao contraditório, mas apenas sendo postergado seu exercício.
Aponta, por outro lado, que houve, no caso, abuso do direito de informar, visto que a publicação de informações distorcidas e tendenciosas, tais quais as constantes nas matérias citadas, resulta em graves prejuízos à Administração Pública, tendo em vista que a credibilidade do governo perante a sociedade é gravemente afetada, comprometendo a imagem objetiva do Estado do Maranhão.
Conclui argumentando que a suposta retratação da ré não alcançou todo o conteúdo inverídico da publicação feita no dia 31 de julho, e que, ao contrário, nessa publicação, houve novo exercício abusivo da liberdade de expressão, já que, na matéria do dia 02 de agosto, foi apresentada outra gravíssima informação inverídica, qual seja, a projeção negativa de 4,4% para o PIB do (...) em 2019. Requer, ao final, o improvimento do agravo de instrumento com vistas à manutenção da decisão agravada.
Instada a se manifestar, a Procuradoria de Justiça declinou de qualquer interesse no feito.
É o relatório.
VOTO
O agravo há de ser provido.
Cinge-se a controvérsia à perquirição do preenchimento dos requisitos autorizadores da decisão liminar proferida in initio litis pelo juízo a quo, a qual, ao receber a exordial, deferiu o pleito de urgência apresentado pelo Estado do Maranhão (autor/agravado) para o fim de determinar que a ré/agravante possibilite direito de resposta ao autor.
Conforme relatado, a agravante alega a inobservância, no decisum agravado, do rito previsto na Lei n.o 13.188/2015, na medida em que, por força do artigo 6º, caput e inciso I, do referido diploma legal, o direito de resposta em matéria publicada por veículo de comunicação social não poderia ter sido concedido ao postulante sem que o magistrado, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, mandasse citar o responsável pelo veículo de comunicação social para que, em igual prazo, apresentasse as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu, de modo que, apenas após o decurso do referido prazo, poderia o julgador conhecer do pedido e, havendo prova capaz de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do provimento final, fixar desde logo as condições e a data para a veiculação da resposta ou retificação.
Para o deslinde da controvérsia, impende transcrever os indigitados preceitos de lei, verbis:
Art. 6º Recebido o pedido de resposta ou retificação, o juiz, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, mandará citar o responsável pelo veículo de comunicação social para que:
I - em igual prazo, apresente as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu; (…)
Art. 7º O juiz, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo prova capaz de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do provimento final, fixará desde logo as condições e a data para a veiculação, em prazo não superior a 10 (dez) dias, da resposta ou retificação.
À luz do supratranscrito regramento legal, observo que, no caso dos autos, o rito processual aplicável foi efetivamente ignorado pelo juízo a quo, o que afasta, de todo, a presença do requisito autorizador da liminar atinente à fumaça do bom direito, haja vista a impossibilidade, decorrente de imposição legal, de se presumir a verossimilhança dos argumentos autorais sem que, antes, se houvesse outorgado à parte ré a oportunidade de se manifestar sobre o teor da demanda, sob pena de violação dos princípios constitucionais da liberdade de imprensa (artigo 220, caput e §1º, da Constituição da República), corolário do primado constitucional da liberdade de expressão.
Cai por terra, portanto, toda a argumentação arvorada nas contrarrazões da parte autora (agravada), notadamente a insubsistente alegação de que, naquilo que não contrariou o Código de Processo Civil, a lei especial ora aplicada (Lei n.º 13.188/2015) não aboliria a possibilidade de aplicação das normas autorizadoras da concessão de medidas de urgência inaudita altera parte. Entender-se de modo diverso equivaleria a subverter toda a lógica do regramento especial a reger a delicada arena onde se digladiam o direito à imagem e o primado constitucional da liberdade de imprensa.
No mesmo sentido já se manifestou a colenda Quinta Câmara Cível deste sodalício em julgado de relatoria do eminente Desembargador José de Ribamar Castro. Senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA NO JUÍZO A QUO. DIREITO DE RESPOSTA. APLICAÇÃO DO ART. 6º, I, E ART. 7º DA LEI 13.188/2015 - EQUÍVOCO. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO.
I - Na espécie, a insurgência tem como objeto a decisão interlocutória que determinou, em tutela de urgência no bojo de Ação Ordinária, para que a agravante possibilite, em seu sítio eletrônico, o direito de resposta ao Estado do Maranhão, ora agravado, com o mesmo destaque e mesmo espaço, nos termos da cópia da decisão combatida, relativa à matéria intitulada "Escândalo do aluguel de clínica é destaque no Bom Dia Brasil".
II - Com efeito, da análise dos autos digitais, constata-se que a decisão combatida para a tutela de urgência no Juízo a quo precipitou-se à correta aplicação do que dispõe o art. 6º, inciso I; e art. 7º, da Lei n.º 13.188/2015, de modo que, ao conceder a tutela de urgência, a magistrada de 1º Grau, para além de fulminar o viés principiológico do contraditório e da ampla defesa, o fez antes da devida citação da parte ré, ora agravante, prevista em lei.
III - Por outro lado, no que diz respeito ao periculum in mora, necessário para a concessão da tutela em 1º Grau, avalia-se mostrar-se na forma reversa, pois que, tendo caráter satisfativo a medida tomada em Juízo, impossível seria seu retorno ao status quo ante.
IV - Agravo que se dá provimento para reformar a decisão de 1º Grau para, após o prazo previsto em lei, a magistrada de 1º Grau defira ou indefira a postulação.
(TJMA, Quinta Câmara Cível, Agravo de Instrumento n.o 0805479-92.2017.8.10.0000, Rel. Des. José de Ribamar CASTRO, julgado em 20/02/2019).
Nesse diapasão, à semelhança do que se evidenciou no referido precedente, também os presentes autos demonstram a ocorrência de periculum in mora na forma reversa, visto que, tendo caráter satisfativo a medida deferida pelo juízo de piso, inviabilizar-se-ia o retorno ao status quo ante.
Ante todo o exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para revogar a decisão a quo.
É como voto.
(TJ-MA, AGRAVO DE INSTRUMENTO 0809493-85.2018.8.10.0000, Rel. KLEBER COSTA CARVALHO, 1ª Câmara Cível, Publicado em 27/02/2020)