Vistos, etc. Trata-se de recurso especial (ID 58055726) interposto por MICHEL SOARES REIS, com fulcro no
art. 105,
inciso III, alínea a, da
Constituição Federal, em face de acórdão que, proferido pela Segunda Câmara Criminal – 1ª Turma deste Tribunal de Justiça da Bahia, votou no sentido de conhecer e rejeitar a preliminar suscitada e, no mérito, negar provimento ao Recurso em Sentido Estrito, restando mantida, na íntegra, a decisão recorrida (ID 56966392). Alega o recorrente, em síntese, que o acórdão combatido contrariou os
arts. 395,
inciso III...« (+2006 PALAVRAS) »
... e 520, do Código de Processo Penal. O recurso não foi contra-arrazoado (ID 59632858). É o relatório. Exsurge das razões recursais a pretensão da recorrente de reforma do acórdão recorrido, a fim de que seja restaurada a ação penal privada para submeter o feito à audiência de reconciliação (violação ao art. 520, do CPP, ou para receber a queixa-crime (violação ao art. 395, III, do CPP). O apelo nobre em análise não reúne condições de ascender à Corte de destino. O acórdão guerreado para afastar o pleito da defesa de nulidade do processo, em face da ausência da audiência de reconciliação e da rejeição da queixa por ausência de justa causa, assentou-se nos seguintes termos (ID 56966392): [...] Inicialmente, pugna o Recorrente pela nulidade do processo vez que não houve designação de audiência de conciliação prevista no art. 520 do CPP. Pois bem, é sabido que o artigo 520 do CPP prevê que antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo. Contudo, verifica-se nos autos que não houve violação ao art. 520, do CPP, como alegado a defesa, pela ausência de prévia designação de audiência de tentativa de reconciliação entre as partes, vez que nos casos em que a queixa-crime é liminarmente rejeitada não há necessidade da designação de audiência de conciliação. A jurisprudência pátria tem entendido ser dispensável a realização da dita audiência de conciliação, nos casos em que a queixa-crime não apresentar elementos mínimos para a configuração. Veja-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A HONRA. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO PRETERIDA POR FORÇA DO INDEFERIMENTO DA QUEIXA-CRIME. VIOLAÇÃO DO ART. 520 DO CPP. INOBSERVÂNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça já assentou que "não existe violação ao art. 520 do Código de Processo Penal, nos casos em que o magistrado indefere liminarmente a queixa-crime, sem marcar audiência de tentativa de conciliação, quando entende ausente requisito necessário para o recebimento da exordial acusatória" (REsp 647.446/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJ 8/11/2004). 2. O conhecimento do recurso especial pela divergência exige a transcrição dos trechos do acórdão impugnado e do paradigma, evidenciando-se, de forma clara e objetiva, o suposto dissídio jurisprudencial, não sendo suficiente a simples transcrição de ementas ou votos sem a exposição das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. 3. Agravo regimental não provido. AgRg no AREsp 484371 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0050706-0 RELATOR Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158) ÓRGÃO JULGADOR T6 - SEXTA TURMA DATA DO JULGAMENTO 30/03/2017 DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 07/04/2017.” (grifo acrescido) Sobre a nulidade suscitada pelo Recorrente, assim opinou a douta Procuradoria de Justiça: “No entanto, o certo é que a interpretação a ser conferida ao artigo deve ser outra, pois, à luz do princípio da eficiência, trazido para nossa Constituição Federal pela Emenda nº 19 de 1998, a designação dessa audiência só se mostra conveniente para esses casos, quando não evidenciada hipótese de rejeição liminar da inicial, que impede a deflagração da ação penal. Ou seja, é contraproducente movimentar toda a estrutura estatal para designar uma audiência se a queixa-crime não alcançará o processamento." Rejeita-se, assim, a preliminar. MÉRITO Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto na QUEIXA-CRIME oferecida por MICHEL SOARES REIS em face de LAERCIO MOTTA LIMA, por ofensa aos arts.138 e 139, cumulado com o art. 141, §2°, todos do Código Penal. Insurge-se o Recorrente pelo provimento do recurso ora manejado, objetivando a reforma da decisão que rejeitou a queixa-crime, determinando-se, assim, o regular prosseguimento do feito. É sabido que os delitos contra a honra, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, exigem, para a sua configuração, a presença de elemento subjetivo específico, sem o qual se entende ser atípica a conduta, inviabilizando-se a deflagração da competente ação penal privada. Da análise dos autos, não se vislumbra existir plausibilidade nos argumentos utilizados pelo Recorrente, visando o provimento do recurso por ele interposto. Com efeito, ao apresentar a queixa-crime o Recorrente afirma, em síntese, que o Recorrido praticou contra ele os crimes de calúnia e difamação, nos seguintes termos: “Consta da peça exordial acusatória que “em 17 de abril de 2023, o Querelado publicou em seu canal no YouTube vídeo, com a legenda “TENTATIVA DE SALVADOR DA PÁTRIA EM EUNÁPOLIS: ADVOGADO TENTA REVERTER CASSAÇÃO NA JUSTIÇA”: [...]. “Eunápolis vive um episódio lamentável e lastimável. A prefeita Cordélia está prestes a cair, mas surge um novo salvador da pátria, Michel Reis, irmão do Prefeito de Salvador, Bruno Reis. Michel Reis é advogado da família dos Dapés e atende empresas que tem contrato com a prefeitura. Ele chega dizendo que se a prefeita for cassada, ele vai reverter na justiça. Ele tem muita influência e isso é preocupante para o povo honesto e trabalhador de Eunápolis porque ele pode acabar executando tramites que podem livrar a prefeita de ser cassada. Todo mundo já sabe que ele recebeu 2 milhões de reais sem contrato. A justiça da Bahia é séria e tem compromisso com o povo. Mas esse tipo de balela, essa mentira jamais será aceita. O povo já cansou de ser enganado e esse grupo já passou de todos os limites. Muitas mentiras. Muitas falcatruas e muitas coisas erradas vem acontecendo para atrasar o desenvolvimento de Eunápolis. Michel Reis, irmão do Prefeito de Salvador, tenta ser o salvador da pátria para a família Dapé, mas da forma como ele está agindo, nada está funcionando. Eunápolis precisa de soluções sérias e honestas para se desenvolver. A população já não aguenta mais tantas mentiras e falcatruas. Vamos continuar acompanhando essa história pra ver como ela irá terminar. Agradeço muito por você ter assistido até aqui. Espero que tenha gostado do vídeo e que tenha sido esclarecedor sobre essa situação lamentável envolvendo a prefeita de Eunápolis e seus apoiadores….” Como se sabe, os requisitos da queixa-crime são elencados pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, vejamos: Art. 41 do CPP dispõe que “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”. Por sua vez, o art. 395 do mesmo diploma legal prescreve que: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou; III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.”. A falta de justa causa para a deflagração da ação penal é, portanto, hipótese de rejeição da denúncia, conforme o artigo 395, III, do CPP, supratranscrito, contudo, a alegada ausência de justa causa, só deve ser reconhecida quando a denúncia ou queixa não apresentar prova de materialidade do crime ou dos indícios de autoria, o que se vislumbra no presente caso. Para o exercício da ação penal privada é necessário que haja a "justa causa", ou seja, que a conduta imputada seja típica, que não incida qualquer causa de extinção da punibilidade, e, ainda, que exista lastro probatório mínimo necessário a subsidiar a persecução penal, caso contrário, não haverá justa causa para iniciar o processo. Na hipótese em apreço, após detido exame dos autos e tendo em vista que não há prova suficiente do fato criminoso denunciado (materialidade), indicando que se constitui ele em uma infração penal, inexiste, portanto, a necessária justa causa para o recebimento da queixa-crime. Pode-se verificar que na conduta do Recorrido não estão presentes os requisitos mínimos para a configuração do crime de calúnia e difamação, previstos nos artigos 138 e 139, do Código Penal, uma vez que, é exigido para caracterização dos mencionados delitos, o dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de imputar falsamente fato definido como crime ou ofender a honra subjetiva e objetiva da vítima. Os documentos constantes do processo demonstram a ausência de suporte probatório mínimo apto a indicar a suposta autoria e materialidade do fato criminoso narrado na queixa-crime, assim como a justificar o grave desencadeamento de uma ação penal em face do Recorrido, sobretudo diante da ausência do dolo específico. Não se evidencia, assim, a presença dos elementos constitutivos dos tipos penais sub examine, e, logo, não há como se vislumbrar a configuração dos crimes de calúnia e difamação. Frisa-se que, analisando o conjunto probatório ofertado pelo Querelante, a hipótese é de ausência de dolo específico. Observa-se das declarações acima transcritas imputação genérica, vaga quanto ao tempo e ao sujeito passivo, o que não configura calúnia e difamação devido à generalidade dos fatos narrados. In casu, o que se afere, é que as declarações do Querelado são imprecisas e vagas, consubstanciando-se apenas em supostas críticas ao Querelante. Assim, não se verifica dos autos o animus de difamar e/ou caluniar no enfrentamento entre a Querelado e o Querelante, mas sim um juízo de presunção, num momento de desabafo.” Assim, a pretensão do recorrente de infirmar as conclusões do acórdão recorrido, demandaria, necessariamente, indevida incursão no acervo fático-probatório delineado nos autos, providência que se revela inviável, nos termos da Súmula 7, do Superior Tribunal de Justiça, vazada nos seguintes termos: SÚMULA 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Nesse sentido: QUEIXA-CRIME. IMPUTAÇÃO DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. AUDIÊNCIA DE COMPOSIÇÃO CIVIL DOS DANOS. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE FATO CONCRETO E DETERMINADO. DIFAMAÇÃO AFASTADA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO ESPECÍFICO. ANIMUS INJURIANDI AFASTADO. QUEIXA-CRIME REJEITADA. 1. Ausentes os requisitos necessários para o recebimento da queixa-crime, desnecessária a designação de ato para a tentativa de conciliação e composição civil dos danos. Precedentes. 2. Hipótese em que o Querelado, durante a Presidência de sessão de julgamento de órgão colegiado, referiu-se ao Querelante, advogado inscrito para realizar sustentação oral na ocasião, como "toupeira", momento em que o áudio foi captado pelos microfones da sala e transmitido pela rede mundial de computadores. 3. Para a caracterização do crime de difamação, é preciso que se impute a alguém um fato concreto e determinado, nos termos do art. 139 do Código Penal. A expressão utilizada pelo Querelado não configura a atribuição de um fato ocorrido em determinada circunstância de tempo e lugar, motivo pelo qual deve ser afastada a imputação pelo crime de difamação. Precedentes. 4. A configuração do crime de injúria demanda a identificação do elemento subjetivo do tipo específico, ou seja, a vontade consciente de ofender a Vítima. Em outras palavras, é preciso que, da conduta do agente, depreenda-se com clareza o intento de desprezar, menoscabar ou desrespeitar a Vítima. 5. Ainda que a palavra "toupeira", quando utilizada para se referir a uma pessoa, indiscutivelmente ostente potencial ofensivo em seu aspecto objetivo, não se identifica o dolo específico ou tendência intensificada (animus injuriandi) no caso concreto. 6. O Querelado, falando em voz baixa e, aparentemente, dirigindo-se à autoridade sentada à sua direita, adotou tom jocoso e chega a esboçar um leve sorriso. Não há dúvida de que se trata de conduta em que o animus jocandi se fez presente em local e momento inadequados. Porém, não ficou evidenciado o propósito ofensivo hábil à caracterização do crime de injúria. 7. Queixa-crime rejeitada. (QC 2 / DF, Relatora Ministra LAURITA VAZ, DJe 23/08/2023) RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CALÚNIA. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DE DOLO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR Nº 07 DO STJ. AUDIÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO. DESNECESSIDADE. 1. A pretensão recursal do recebimento da queixa-crime pela adequação da conduta ao crime de calúnia, bem como a declaração de existência de dolo demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, o que não se coaduna com a via especial, a teor da Súmula n.º 7 do STJ. 2. Não existe violação ao art. 520 do Código de Processo Penal, nos casos em que o magistrado indefere liminarmente a queixa-crime, sem marcar audiência de tentativa de conciliação, quando entende ausente requisito necessário para o recebimento da exordial acusatória, como a atipicidade da conduta. Precedente. 3. Recurso especial não conhecido.(REsp 647446 / SP, Relatora Ministra LAURITA VAZ, DJ 08/11/2004 p. 287) Ante o exposto, escorado no
art. 1.030,
inciso V, do
Código de Processo Civil, inadmito o presente recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Salvador (BA), em 28 de abril de 2024. Desembargador José Alfredo Cerqueira da Silva 2º Vice-Presidente sc//
(TJ-BA, Classe: Recurso em sentido estrito/Recurso ex officio, Número do Processo: 8003907-75.2023.8.05.0113, Órgão julgador: 2ª VICE-PRESIDÊNCIA, Relator(a): JOSE ALFREDO CERQUEIRA DA SILVA, Publicado em: 29/04/2024)