REVISÃO CRIMINAL nº 0801872-03.2019.8.10.0000
Sessão do dia 24 de janeiro de 2020
Requerente : Valrice Mouta Pontes
Advogados : Joaylton Soares Veras (OAB/SP 10.243) e Miriam Regina Dos Santos Veras (OAB/SP 324.194)
Requerido : Ministério Público do Estado do Maranhão
Incidência Penal :
Art. 157,
§ 2º,
I e
II do
Código Penal Brasileiro
Origem : Juízo de Direito da Comarca de Timbiras
Relator : Desembargador Vicente de Castro
Revisor : Desembargador João Santana Sousa
Acórdão nº __________________
REVISÃO
...« (+2361 PALAVRAS) »
...CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR E PROGRESSÃO DE REGIME. INADEQUAÇÃO DA AÇÃO REVISIONAL PARA O FIM PRETENDIDO. DOSIMETRIA. ERRONIA. VERIFICAÇÃO. MOTIVOS DO CRIME INERENTES AO TIPO PENAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO. CONSTATAÇÃO. MAJORAÇÃO DA PENA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE NA QUANTIDADE DE CAUSAS DE AUMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 443 DO STJ. REDIMENSIONAMENTO DA REPRIMENDA.
I. A revisão criminal não é o meio adequado para o conhecimento de pleitos referentes à progressão de regime e ao cumprimento da sanção privativa de liberdade em prisão domiciliar, cabendo ao juízo da execução, nos termos do art. 66 da Lei de Execução Penal, cuidar de tais matérias, sob pena de supressão de instância acaso enfrentadas originariamente pelo Tribunal de Justiça.
II. Constatando-se que três das oito circunstâncias judiciais do art. 59 do CP foram corretamente valoradas, mostra-se proporcional e adequada a manutenção da pena-base no patamar de 5 (cinco) anos, referente ao crime de roubo, não obstante reconhecida a erronia na valoração de uma quarta circunstância.
III. Tendo o réu confessado em seu interrogatório a autoria do crime, de rigor a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP.
IV. "O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes." (STJ, Súmula nº 443).
V. Revisão Criminal parcialmente conhecida e, nesta extensão, parcialmente procedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos da Revisão Criminal nº 0801872-03.2019.8.10.0000, "unanimemente e de acordo com o parecer ministerial, adequado em banca, as Câmaras Criminais reunidas conheceram parcialmente da revisão criminal e, nesta parte, julgaram parcialmente procedente a presente ação, nos termos do voto do Desembargador Relator".
Votaram os Senhores Desembargadores Vicente de Paula Gomes de Castro (Relator), João Santana Sousa (Revisor), Tyrone José Silva, José Luiz Oliveira de Almeida, José De Ribamar Froz Sobrinho, (...) e os Juízes de Direito Dr. (...), convocados para compor quórum.
Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. (...).
São Luís, MA, 24 de janeiro de 2020.
Desembargador Vicente de Castro
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Revisão Criminal promovida por Valrice Mouta Pontes, com fundamento no art. 621, I do CPP1, postulando o reexame da sentença da MM. Juíza de Direito da Comarca de Timbiras (ID nº 3082025), pela qual, em ação penal a que respondeu o requerente, fora ele condenado, por infração ao art. 157, § 2º, I e II do Código Penal2 (roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo e concurso de pessoas), à pena de 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 50 (cinquenta) dias-multa.
Em face da sobredita sentença o demandante interpôs recurso de apelação (Ap. Crim. nº 3.210/2012), ao qual a Primeira Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou provimento (ID nº 3082030).
Na petição inicial de ID nº 3082015, a que acostou documentos (ID nº 3082017 ao 3082030), o requerente argumenta, em síntese, a existência de erronia na dosimetria da pena contra si aplicada, abordando as seguintes teses: 1) a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, porquanto o demandante é detentor de condições pessoais favoráveis, sendo primário e sem antecedentes criminais; 2) por se tratar de réu confesso, deveria incidir, na segunda fase da dosimetria, a atenuante da confissão (art. 65, III, "d", do CP), com fixação da reprimenda abaixo do mínimo legal, devendo ser superada a Súmula nº 231 do STJ; 3) a pluralidade de causas de aumento de pena do crime de roubo, por si, não justifica o acréscimo da sanção em patamar acima do mínimo estabelecido por lei (1/3); 4) aplicável o caso o regime aberto de cumprimento da pena, considerando o tempo já passado desde a data do delito, a primariedade do peticionante e o montante da sanção estabelecida, circunstâncias estas que também autorizam o cumprimento da reprimenda em prisão domiciliar; 5) a redução da pena resultará na extinção da punibilidade pela prescrição.
Por outro lado, em sua manifestação de nº ID 3359795, subscrita pela Dra. Flávia Tereza de Viveiros Vieira, digna Procuradora de Justiça, o Ministério Público de segundo grau está a opinar pelo conhecimento e parcial procedência do pedido de revisão criminal, para que "seja readequada a dosimetria aos parâmetros legais", sob os seguintes argumentos: 1) embora a circunstância judicial dos motivos do crime tenha sido valorada erroneamente na primeira fase de aplicação da pena, uma vez que utilizado fundamento ínsito ao tipo em referência, deve a pena-base ser mantida no patamar originário, porquanto presentes outras circunstâncias negativas que a justificam; 2) deve incidir na hipótese a atenuante da confissão, que foi utilizada para lastrear a condenação; 3) terceira fase da dosimetria em desacordo com a Súmula nº 443 do STJ, não servindo exclusivamente a quantidade de majorantes para aumentar a sanção em proporção acima do mínimo legal; 4) regime de cumprimento de pena semiaberto estabelecido de acordo com os parâmetros legais; 5) não se pode conhecer dos pedidos de progressão de regime e fixação de prisão domiciliar, sob pena de supressão de instância; 6) não verificada a extinção da punibilidade pela prescrição.
Conquanto sucinto, é o relatório.
VOTO
Consoante os documentos que guarnecem os autos e a natureza jurídica da Revisão Criminal, entendo merecer a ação em epígrafe ser conhecida apenas em parte, conforme passo a expor.
Com efeito, como já assentado pela douta Procuradoria Geral de Justiça, os pleitos referentes à progressão de regime e ao cumprimento da sanção privativa de liberdade em prisão domiciliar não podem ser enfrentados originariamente por este Tribunal em sede de Revisão Criminal. Cabe ao juízo da execução, nos termos do art. 66 da Lei de Execução Penal, cuidar de tais matérias, sob pena de supressão de instância.
No que concerne à alegação de excesso na reprimenda aplicada, entendo estar o demandante com parcial razão, ao que passo a enfrentar, nesse ponto, a questão de fundo da revisão.
In casu, fora o requerente definitivamente condenado à pena de 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 50 (cinquenta) dias-multa, pela prática do crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo e concurso de pessoas (art. 157, § 2º, I e II do CP).
No que diz respeito à dosimetria da pena, sabe-se cada uma das três etapas de sua fixação (art. 68 do CP)1 deve ser suficientemente fundamentada pelo juiz sentenciante. Busca-se, com tal imposição, além de garantir a correta individualização da sanção, assegurar ao réu o exercício da ampla defesa, ambos direitos fundamentais de todo cidadão (CF, art. 5º, XLVI e LV)2.
No que se refere à primeira fase da dosimetria, correspondente ao estabelecimento da pena-base, a majoração da sanção mínima legalmente prevista para o crime imputado ao acusado deve ser justificada pela presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, concretamente demonstradas, conforme dispõe o art. 59 do Código Penal3.
In casu, o Juízo de primeiro grau fixou a pena-base em desfavor do requerente em 5 (cinco) anos de reclusão, justificando sua aplicação acima do mínimo legal, de 4 (quatro) anos, em face da valoração negativa de quatro das oito circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, a saber: culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências do crime.
Transcreve-se fragmento da sentença sobre o ponto (ID nº 3082025, fls. 12-13):
"(...) Denoto que o réu agiu com culpabilidade reprovável, por atuar com frieza e de forma premeditada na forma na prática do ilícito, sendo, inclusive, um dos mentores da ação delitiva. (…) Os motivos do crime não são favoráveis, considerando que o delito foi praticado por motivo egoístico, vez que o acusado pretendeu apossar-se de bem alheio sem despender o necessário esforço laborativo, demonstrando desrespeito ao patrimônio alheio e às pessoas. As circunstâncias do crime foram desfavoráveis, vez que praticado em estrada com pouca circulação de veículos e pessoas. As consequências foram graves, pois as vítimas não conseguiram reaver os bens subtraídos e, uma delas, ainda foi lesionada. (...)."
Com base no excerto acima transcrito, consoante assentado pela douta Procuradoria Geral de Justiça, entendo que somente a circunstância judicial referente aos motivos do crime foi erroneamente valorada, uma vez que utilizados argumentos que já integram o tipo penal de roubo. Quanto às demais, devida suas valorações negativas (culpabilidade: réu premeditou e foi o mentor do crime; circunstâncias: delito praticado em local ermo; consequências: vítima lesionada e bens subtraídos superiores a R$10.000,00 não recuperados).
Destarte, mantendo-se a avaliação negativa de três das oito circunstâncias judiciais, imperiosa a manutenção da pena-base imposta ao requerente no patamar de 5 (cinco) anos. Em verdade, seria o caso de fixação da sanção em patamar mais elevado4. No entanto, ante a vedação da reformatio in pejus, tal quantum deve ser mantido.
Em relação à segunda fase da dosimetria, entendo que, de fato, a magistrada a quo deixou de considerar a atenuante da confissão, pelo que deve a sanção ser reduzida em 1/6 (um sexto), sendo estabelecida em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão.
Quanto ao terceiro momento do cálculo pena, percebe-se que a juíza sentenciante majorou a pena do apelante em 2/5 (dois quintos) - acima no mínimo de 1/3 (um terço) previsto no § 2º do art. 157 do Código Penal -, sem apresentar elementos concretos que justificassem tal exasperação. Assim, agiu em desacordo com entendimento consolidado no enunciado nº 443 da Súmula do STJ, segundo o qual "o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes".
Desse modo, majorando em 1/3 (um terço) a sanção encontrada na fase anterior, fica a pena privativa de liberdade acrescida de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias, sendo definitivamente estabelecida em 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.
Quanto à sanção pecuniária, deve ser mantido o seu quantum em 50 (cinquenta) dias-multa, porquanto proporcional pena privativa de liberdade.
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, considerando as disposições do art. 33, § 2º, "b" e § 3º do CP5, entendo ser adequada a manutenção do regime semiaberto, devendo ser destacado que a primariedade do requerente está sendo aqui levada em consideração, caso contrário aplicar-se-ia o regime fechado.
Por outro lado, não há falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pois não preenchido o requisito estabelecido pelo art. 44, I do CP6.
Por fim, considerando a pena final estabelecida (5 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão), não se verifica a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva ou executória. É que, sendo o prazo prescricional para o caso de 12 (doze) anos (art. 109, III do CP), não transcorrido tal lapso de tempo entre qualquer das causas interruptivas da prescrição descritas no art. 117 do CP.
Ante o exposto e, de acordo com o parecer ministerial (adequado em banca), CONHEÇO PARCIALMENTE da presente Revisão Criminal e, nesse ponto, julgo-a PARCIALMENTE PROCEDENTE, para redimensionar a pena privativa de liberdade aplicada ao requerente ao patamar de 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mantendo-se os demais termos do édito condenatório.
É como voto.
Sala das Sessões das Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 24 de janeiro de 2020.
Desembargador Vicente de Castro
Relator
1 CPP. Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
2 CP. Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas.
1 CP. Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
2 CF/1988. Art. 5º. (...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
3 CP. Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
4 Critério utilizado: para cada circunstância judicial valorada negativamente deve ser acrescida à pena-base o percentual resultante da subtração entre a sanção máxima e a mínima prevista de forma abstrata para o tipo legal, seguida da divisão por 8 (número de circunstâncias do art. 59 do CP).
5 CP. Art. 33. (...)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no
art. 59 deste Código. (Grifou-se).
6
CP. Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. (Grifou-se).
(TJ-MA, REVISÃO CRIMINAL 0801872-03.2019.8.10.0000, Rel. VICENTE DE PAULA GOMES DE CASTRO, Câmaras Criminais Reunidas, Publicado em 31/01/2020)