O Fato do Príncipe nos contratos de trabalho

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Por Modelo Inicial
19/04/2020  
O Fato do Príncipe nos contratos de trabalho - Trabalhista
Sendo utilizado como argumento nas principais decisões em meio à pandemia, veja como a teoria do Fato do Príncipe se aplica na Justiça do Trabalho.

Neste artigo:
  1. DA TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE
  2. DA PREVISÃO LEGAL À JUSTIÇA DO TRABALHO
  3. REQUISITOS PARA ENQUADRAMENTO AO FATO DO PRÍNCIPE
  4. ELEMENTOS QUE AFASTAM A TEORIA
  5. O CONTRAPONTO
  6. DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
  7. DA SEGURANÇA JURÍDICA


Muita polêmica tem girado em torno da teoria do fato do príncipe durante a pandemia, a qual tem motivado a suspensão da cobrança de tributos e gerado muitos questionamentos nos contratos de trabalho.

Dessa forma, buscando trazer alguns elementos para o debate, apresentamos alguns pontos favoráveis e desfavoráveis à tese de aplicação da teoria do fato do príncipe nas relações de trabalho.

DA TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE

Em poucas palavras, usualmente aplicada no Direito Administrativo, a teoria do Fato do Príncipe nasce quando o particular é prejudicado por um fato que não deu causa, mas decorrente de ato da Administração Pública na relação contratual.

DA PREVISÃO LEGAL À JUSTIÇA DO TRABALHO

A CLT previu a possibilidade da aplicação da teoria do Fato do Príncipe em casos como o que vivemos durante a pandemia, in verbis:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Ou seja, pela letra fria da lei, o fato do príncipe pode ocorrer sempre que o Estado, por ato, lei ou resolução, determinar a paralisação do trabalho de uma empresa, ainda que temporária, de forma a inviabilizar a continuidade da atividade empresarial, gerando assim o dever de indenizar.

Como consequência, recairia a responsabilização do Estado no pagamento das verbas indenizatórias trabalhistas, conforme esclarece o doutrinador Rodrigo Garcia Schwarz:

"Nessa hipótese, o pagamento da indenização devida ao trabalhador ficará ao cargo do governo responsável. As demais verbas rescisórias continuam sendo devidas pelo empregador ao trabalhador." (Direito do Trabalho, 2ª ed., Rio de janeiro, p. 202).

Dessa forma, o primeiro ponto a ser considerado é a previsão em lei.

REQUISITOS PARA ENQUADRAMENTO AO FATO DO PRÍNCIPE

Para evidenciar a ocorrência do fato do príncipe, alguns elementos precisam ficar evidenciados, quais sejam:

EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO PELA AUTORIDADE PÚBLICA;

PARALISAÇÃO INTEGRAL DAS ATIVIDADES;

NEXO CAUSAL DOS IMPACTOS COM O ATO NORMATIVO;

REFLEXOS IMPREVISÍVEIS E INEVITÁVEIS À EMPRESA.

Se, evidenciados tais requisitos, seria possível a aplicação da teoria aos contratos de trabalho.

Poucos são os precedentes favoráveis à tese, sendo bem mais comum encontrar os elementos que conduzem ao afastamento da teoria, vejamos:

ELEMENTOS QUE AFASTAM A TEORIA

Antes de se estudar qualquer estratégia de atuação, é sempre importante avaliar os argumentos favoráveis, possíveis contraposições e precedentes negativos.

Nesse sentido, vamos avaliar cada um desses pontos:

1. ATO NORMATIVO PARA O BEM COMUM: Os atos restritivos impostas pelo Estado, são medidas adotadas em nome do bem comum, amparado pelo princípio da SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO sobre o interesse privado, fundados em Força Maior. Nesse caso, seria ausente a discricionariedade ou arbitrariedade do ato, conforme já sinalizam alguns doutrinadores:

"O entendimento que parece prevalecer, entretanto, é no sentido de que a medida adotada pelo poder público para enfrentamento do coronavírus não corresponde a fato do príncipe, por não se tratar de ato discricionário da administração pública, mas sim necessário para a preservação da saúde coletiva." (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa Garcia. Factum Principis nas relações de trabalho e medidas decorrentes do coronavírus. Revista dos Tribunais. vol. 1016/2020 - Jun/2020 | DTR\2020\6848)

2. RISCO DO EMPREENDIMENTO: Outro ponto levantado em muitos precedentes se refere ao risco do empreendimento. Por este ponto de vista, todo empreendedor deve estar preparado para os riscos do empreendimento, não podendo jamais transferir tal risco ao governo ou ao empregado. Nesse sentido, confirma a jurisprudência sobre o tema:

AUSÊNCIA DE REPASSE PELO ENTE PÚBLICO. ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. ALEGAÇÃO DE FORÇA MAIOR E FATO DO PRÍNCIPE. Não se pode transferir ao trabalhador o risco da atividade desenvolvida, sendo que as obrigações de natureza civil assumidas pelo Estado do Rio de Janeiro com a 1ª reclamada não se podem confundir com as obrigações trabalhistas assumidas por esta em relação aos trabalhadores por ela contratados. Os fatos narrados não configuram força maior ou fato do príncipe. (TRT-1, 0101272-10.2018.5.01.0501 - DEJT 2019-03-19, Rel. MARCOS PINTO DA CRUZ, julgado em 27/02/2019)

CRISE FINANCEIRA. FATO DO PRÍNCIPE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Crise financeira não caracteriza fato do príncipe por não ser imprevisível, devendo a ré assumir os riscos do negócio. (TRT-1, 0100216-51.2018.5.01.0012 - DEJT 2019-09-20, Rel. FERNANDO ANTONIO ZORZENON DA SILVA, julgado em 10/09/2019)

Tais elementos amparam a massiva jurisprudência dominante e negativa sobre a aplicação da teoria do fato do príncipe aos contratos de trabalho, fundamentando a contestação feita pelo município ou estado.

Mas, vejamos também o contraponto.

O CONTRAPONTO

Sobre referidos pontos, já existem também teorias afastando os motivos que descaracterizariam a aplicação da teoria à Justiça Trabalhista, vejamos:

1. Ato normativo para o bem comum: Apesar de reiteradamente exigido pela jurisprudência, a lei não menciona qualquer exigência de que o ato seja arbitrário e não para o bem comum.

Afinal, se não fosse para atender o interesse público, seria um ato maculado pela nulidade absoluta, por desconformidade aos princípios constitucionais que regem todo e qualquer ato administrativo. E neste caso, caberiam outros remédios constitucionais para retomar as atividades.

2. Risco do empreendimento: Não há que se falar em risco do empreendimento, quando medidas drásticas como estas jamais poderiam ser previsíveis.

Ademais, hão há transferência do risco do empreendimento ao empregado, uma vez que a responsabilidade das indenizações cabíveis são passadas ao Estado e, não ao empregado.

3. Discricionariedade do ato: Mesmo que voltadas ao bem comum, tratam-se de medidas discricionárias, uma vez que ausente qualquer Lei superior impositiva, tem-se notícia de atos diferentes atos por cada Estado e Município, e ainda, a maioria das restrições se opõem à política defendida pelo Governo Federal, confirmando a discricionariedade.

Assim, para se aprofundar um pouco mais sobre a aplicabilidade ou não da teoria, insta consignar alguns outros elementos que reforçariam a possibilidade de sua aplicação.

DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Outra análise importante de ser evidenciada no caso concreto é sobre a função social da empresa, especialmente pelos impactos em cadeia que a crise econômica pode causar ao impedir a continuidade de uma sociedade econômica.

Afinal, a empresa precisa sobreviver à crise da pandemia para ajudar o país e se reerguer economicamente após a quarentena, conforme bem delineado pela doutrina:

"O princípio da preservação da empresa assume feição pública relevante no âmbito da sociedade civil nesse momento. Trata-se de um dos pilares da economia e representa uma fonte geradora de empregos e riquezas - e que será fundamental para recriar um ambiente econômico forte após a pandemia da COVID-19. Portanto, a possibilidade de alteração de acordos judiciais também deve ser pensada por essa ótica - tendo em vista todas as empresas envolvidas, pois provavelmente todas serão atingidas de alguma forma com a crise sanitária e econômica decorrente do Estado de Emergência atual." (JUSTEN FILHO, Marçal. Org. COVID-19 e o Direito Brasileiro. TORIN, Maria Gasparoto Tonin. JARDIM, Raphaela Thêmis Leite. Os efeitos da pandemia da COVID-19 nos acordos judiciais celebrados por empresas. Edição Kindle, P. 165-202)

Assim, ficando demonstrado que a empresa teve impacto na saúde financeira decorrente da suspensão das atividades, a iniciativa do judiciário deve ser voltada à preservação e viabilidade de continuidade, não podendo se deixar de lado o princípio da função social da empresa.

DA SEGURANÇA JURÍDICA

Outro ponto a ser considerado é que, deixar de aplicar a letra da lei (Art. 486 da CLT) sob a justificativa de que o ato visa a saúde pública, viola a segurança jurídica das relações jurídicas e sociais, princípio inerente ao Estado Democrático de Direito.

A doutrina ao lecionar sobre o tema destaca a importância da segurança jurídica na manutenção da confiança:

"Como bem destaca Gomes Canotilho, em lição que aqui recolhemos como pressuposto da nossa análise, o princípio da segurança jurídica (aqui também tomado em sentido amplo como abrangendo a proteção da confiança) exige tanto a confiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder público, quanto a segurança do cidadão no que diz com as suas disposições pessoais e efeitos jurídicos de seus próprios atos, de tal sorte que tanto a segurança jurídica quanto a proteção da confiança incidem em face de qualquer ato de qualquer órgão estatal. A segurança jurídica, na sua dimensão objetiva, exige um patamar mínimo de continuidade do (e, no nosso sentir, também no) Direito, ao passo que, na perspectiva subjetiva, significa a proteção da confiança do cidadão nesta continuidade da ordem jurídica no sentido de uma segurança individual das suas próprias posições jurídicas." (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: Dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição do retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional - Revista dos Tribunais| vol. 57/2006 | p. 5 - 48 | Out - Dez / 2006 | DTR\2006\622)

Nesse mesmo sentido, vale a lição do Doutrinador Rafael Maffini:

"Outrossim, a existência de algumas prerrogativas públicas não pode induzir à conclusão de que a Administração Pública sempre teria uma posição vantajosa em prejuízo dos interesses privados. [...] Assim, à guisa de conclusão, deve-se entender que os princípios da legalidade e do interesse público são inquestionavelmente importantes para o Direito Administrativo, mas não são absolutos, razão pela qual se impõem que sejam ponderados com os demais princípios, resultando justamente dessa ponderação a incidência do princípio da proteção da confiança." (MAFFINI, Rafael Da Cás. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. P.74)

Configurado, portanto, fato do príncipe, cabível o chamamento ao processo, para que o Estado componha a lide nos casos que envolve indenizações trabalhistas decorrentes da pandemia.

DO CHAMAMENTO AO PROCESSO

A CLT ao dispor exatamente sobre esta situação, prevê a necessidade de intervenção estatal no processo, in verbis:

art. 486 (...) § 1º- Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.

No Direito do Trabalho é admissível o chamamento ao processo apenas nos casos de responsabilidade solidária:

"Estado do Rio Grande do Sul. Chamamento ao processo. Legitimidade ad causam. 1. Mantida a decisão que acolheu o chamamento ao processo do estado do Rio Grande do Sul, por entender que esta modalidade de intervenção é plenamente cabível no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT, e porque houve a concordância da parte autora, a quem cabe a definição do polo passivo da relação processual. 2. O Ente Público é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, de modo que a responsabilidade solidária a ele imposta pelas verbas discutidas na presente demanda é matéria de mérito, a ser como tal apreciada." (TRT-4, ROT nº 0020071-88.2018.5.04.0702, 7ª Turma, Relatora Des. Denise Pacheco, Julgamento: 19/03/2020)

Por fim, indispensável destacar a importância das provas em qualquer litígio envolvendo a pandemia, de forma que o nexo causal reste perfeitamente configurado, a fim de evidenciar que a saúde financeira foi realmente afetada pela pandemia.

Afinal, não é toda e qualquer empresa que teve prejuízo co a pandemia, devendo ser considerado minuciosamente cada caso, sob pena de punições por ações temerárias ou litigância de má fé.

Sobre o tema, veja modelo de Contestação da empresa pela aplicação da Teoria do Fato do Príncipe.

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Comentários

Parabéns pela análise quanto à Justiça do Trabalho e sua aplicação do Fato do Príncipe. Penso que é interessante analisar que, quando entramos com ação trabalhista para reconhecimento de vínculo, se não colocarmos nos pedidos anotação na CTPS, alguns juízes não mandam fazer a anotação e neste caso, acabamos de fazer de forma contrária. Não corremos o mesmo risco? escritórios de advocacia, consultórios de psicologia, RPG, massoterapeutas, terapeutas também fechados, não podem atender seus clientes durante o isolamento, também poderiam entrar com pedidos de indenizações pelo fato do princípe na área cível? 
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