TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. REVENDA DE MERCADORIA POR PREÇO MENOR QUE O DA BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA.
ART. 166 DO
CTN. INAPLICABILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA COM EFEITOS PATRIMONIAIS PRETÉRITOS. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 271/STF. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. INAPLICABILIDADE DO
ART. 166 DO
CTN AO PRESENTE CASO: MERO RESSARCIMENTO 1. A presente discussão consiste em saber se deve se submeter aos ditames do
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... do CTN o direito à restituição da diferença do ICMS/ST, pago a mais no regime de substituição tributária para frente, em razão de a base de cálculo efetiva na operação ter sido inferior à presumida.2. Sobre a matéria, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 593.849/MG, com Repercussão Geral reconhecida (Tema 201 do STF), firmou tese de que "É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida".3. Na sistemática da substituição tributária para frente, quando da aquisição da mercadoria, o contribuinte substituído antecipadamente recolhe o tributo de acordo com a base de cálculo presumida, de modo que, no caso específico de revenda por valor menor que o presumido, não tem ele como recuperar o tributo que já pagou, decorrendo o desconto no preço final do produto da própria margem de lucro do comerciante.4. A Primeira Turma do STJ já vinha entendendo que, "na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN." (AgInt no REsp n. 1.968.227/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 1.9.2022). Nesse sentido: AgInt no REsp 1.872.036/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 7.10.2021; e AgInt no REsp 1.927.472/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 2.6.2021.5. A Segunda Turma do STJ, por sua vez, no julgamento do REsp 525.625/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 21.11.2022, em juízo de retratação, por força do art. 1.040 do CPC/2015, revendo sua jurisprudência anterior, firmou o entendimento no sentido da inaplicabilidade do art. 166 do CTN, em caso idêntico.6. Observa-se que o art. 166 do CTN está inserido na seção relativa ao "pagamento indevido", cujas hipóteses estão previstas no art. 165 do CTN. Em nenhum dos incisos do art. 165 do CTN se encontra a de que trata o presente feito.7. O montante pago a título de substituição tributária não era indevido por ocasião da realização da operação anterior. Ao contrário, aquele valor era devido e poderia ser exigido pela Administração tributária. Ocorre que, realizada a operação que se presumiu, a base de cálculo revelou-se inferior à presumida. Esse fato superveniente é que faz nascer o direito do contribuinte.8. Não se trata, portanto, de repetição de indébito, nos moldes do art. 165 do CTN, mas de mero ressarcimento, que encontra fundamento tanto no art. 150, § 7º, da CF/1988 quanto no art. 10 da Lei Complementar 87/1996.9. Conforme bem observado em Voto do eminente Ministro Benedito Gonçalves no AgInt no REsp 1.949.848/MG, DJe 15.12.2021, a controvérsia objeto destes autos não diz respeito à devolução do valor do "ICMS incluído no preço da mercadoria vendida, mas daquele decorrente da diferença entre a base de cálculo efetivamente praticada e a presumida, sendo que esta última, porque não ocorrida, não foi imposta ao consumidor, daí porque não se pode exigir comprovação do não repasse financeiro".10. Por conseguinte, a averiguação da repercussão econômica torna-se dispensável no âmbito da substituição tributária, a qual apenas teria relevância nos casos submetidos ao regime normal de tributação.11. Assim, na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que o da base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN. Nesse sentido: REsp n. 525.625/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 21.11.2022; AgInt no AREsp n. 2.209.468/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 13/4/2023, AgInt nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.826.049/AC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 23.3.2023; AgInt no REsp n. 1.956.315/MG, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 17.2.2022; e AgRg no REsp n. 630.966/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 22.5.2018. TESE JURÍDICA A SER FIXADA 12. Assim, proponho a fixação da seguinte tese jurídica: "Na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN." SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 13. Preliminarmente, constato que não se configurou a ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia.
Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram.
Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.14. Em relação ao mérito em sentido estrito, no caso em espécie, o juízo de primeiro grau julgou improcedente o Mandado de Segurança. A Corte de origem, por sua vez, deu provimento ao Apelo do contribuinte para reconhecer o direito da impetrante à compensação da diferença do ICMS paga a maior no regime de substituição tributária para frente, sob o entendimento de que "a exigência contida no artigo 166 do CTN não se aplica aos casos de substituição tributária 'para frente'." (fl. 254, e-STJ, grifei).15. Verifica-se que o aresto recorrido não destoa da orientação do STJ, de modo que não deve ser reformado quanto a esse ponto.16. O recorrente alega ausência de interesse de agir, pois o Estado de Minas Gerais, adequando-se ao que foi decidido pelo STF no RE 593.849/MG, editou a Lei Estadual n. 22.549/2017, na qual passou a prever a possibilidade de restituição de parcela do ICMS ST, quando não realizado o fato gerador presumido. Dessa forma, não haveria pretensão resistida.17. Acerca da matéria, a Corte a quo consignou: "Conquanto a Lei n. 22.549/2017 e o Decreto n. 47.547/2018 tenham sido editados a fim de adequar a legislação do Estado de Minas Gerais à tese fixada pelo colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 593.849, entendo que a alteração legislativa não possui o condão de limitar a restituição do ICMS que teria sido pago a maior no regime de substituição tributária à data em que foi realizada. (fl. 268, e-STJ). Como se observa, entender de forma diversa e acolher as razões do recorrente demandaria a análise de legislação local, o que encontra óbice na Súmula 280 do STF: 'Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.'".18. O Estado de Minas Gerais afirma, também, haver ilegitimidade ativa da parte contrária para o ajuizamento da presente demanda, pois "caberia à ora recorrida comprovar, na fase instrutória do processo, nos termos do art. 373, I, do CPC e do parágrafo único do art. 204/CTN - dispositivos estes violados e contrariados pelo r. acórdão - que foi ela, e não o adquirente de seus produtos, quem suportou - em termos concretos e em quais condições - o custo do ICMS decorrente daquelas operações." (fl. 474, e-STJ). Contudo, verificado que não se aplica o art. 166 do CTN, fica prejudicada a presente alegação.19. Em relação à tese de que houve decadência, o Colegiado de origem, ao julgar os Embargos de Declaração, consignou que a alegação "foi feita de forma genérica, sem subsunção dos dispositivos mencionados ao caso concreto" (fl. 376, e-STJ).20. Com efeito, a mesma falha argumentativa foi repetida nas razões do Recurso Especial, na qual o recorrente afirma: "Como o presente writ só [foi] distribuído apenas em 29/08/2019, quando já esgotado o prazo fatal a que se refere o art. 23 da lei 12016/09, mesmo porque se discute matéria relativa ao ano de 2016, o caso era, como de fato é, de denegação da segurança, ainda que sem análise do mérito."
(fl. 488, e-STJ).21. Verifica-se que houve vício em virtude de argumentação genérica da parte, pois não se explicou por qual motivo o dies a quo da contagem do prazo decadencial, para o caso dos autos, seria 2016, nem se especificou a data exata do início da contagem do prazo decadencial, deixando ao Judiciário a escolha de uma data. Incide, assim, o óbice da Súmula 284 do STF. Nessa linha: AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.342.810/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 26.10.2023; e AgInt no AREsp n. 1.972.132/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 31.3.2022.22. Quanto à alegação de que deveria ter ocorrido a prévia requisição administrativa, vinculada à tese de ofensa ao art. 10 da LC n. 87/96, verifica-se que a insurgência não merece prosperar. A Corte a quo, ao dirimir a questão, assim consignou (fl. 253 e-STJ):
"Registro que a ausência de prévio requerimento nas vias administrativas não obsta o interesse de agir, que se configura pela necessidade do provimento judicial e pela adequação da via processual na obtenção da pretensão deduzida em juízo, conforme acima destacado. Desnecessário, por isso, o prévio ingresso do pedido na via administrativa, visto que a Constituição da República garante a apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV)".23. Assim, observa-se que a matéria foi tratada sob a ótica constitucional, a qual é de competência do STF. A propósito: AgInt no REsp 1.895.172/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 29.6.2022.24. No que se refere à alegação de que o caso dos autos trataria de Mandado de Segurança contra lei em tese, a irresignação não prospera, de modo que devem prevalecer as razões da Corte a quo, expostas no acórdão que apreciou os Aclaratórios da parte, oportunidade em que afirmou: "O presente mandado de segurança visa à restituição dos valores de ICMS pagos a maior no regime de substituição tributária, decorrentes da diferença entre a base de cálculo presumida e a base de cálculo real de venda da mercadoria, não havendo que se falar na aplicação, no caso em análise, da Súmula 266, do STF." (fl. 374, e-STJ).25. Procede, porém, a alegação do Estado de Minas Gerais quando afirma ser inutilizável o Mandado de Segurança para produzir efeitos pretéritos, já que o writ não se equipara a uma ação de cobrança.26. O STJ entende que "a possibilidade de a sentença mandamental declarar o direito à compensação (ou creditamento), nos termos da Súmula 213/STJ, de créditos ainda não atingidos pela prescrição não implica concessão de efeitos patrimoniais pretéritos à impetração" (REsp n. 1.596.218/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 10.8.2016, grifei.). Contudo, o acórdão de origem concluiu que "a parte autora faz jus à restituição do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária para frente, após 19 de outubro de 2016," (fl. 269, e-STJ, grifei), quando o Mandado de Segurança apenas foi impetrado em 29 de agosto de 2019. Como se observa, foram atribuídos efeitos pretéritos ao ajuizamento do presente writ.27. É possível, em Mandado de Segurança, o reconhecimento do direito à restituição referente a valores vencidos a partir da impetração do writ, mas não referentes a valores pretéritos à impetração, como houve no caso dos autos.28. Ademais, sobre a matéria esta Corte Superior entende que "o mandado de segurança é via adequada para declarar o direito à compensação ou restituição de tributos, sendo que, em ambos os casos, concedida a ordem, os pedidos devem ser requeridos na esfera administrativa, restando, assim, inviável a via do precatório, sob pena de conferir indevidos efeitos retroativos ao mandamus" (AgInt no REsp 1.895.331/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 11/6/2021, grifei). No mesmo sentido: REsp 1.864.092/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9.4.2021; AgInt no REsp 1.944.999/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14.2.2022; e AgInt no AREsp 1.945.394/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14.3.2022.
29. Por fim, embora a parte tenha alegado que há divergência jurisprudencial na petição de interposição do Recurso Especial (fl. 433, e-STJ), verifica-se que, na parte reservada à fundamentação, o recorrente não desenvolveu argumentação que demonstre a presença da suposta divergência. Incide a Súmula 284 do STF. CONCLUSÃO 30. Recurso Especial parcialmente conhecido e parcialmente provido.
(STJ, REsp n. 2.034.977/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/8/2024, DJe de 23/8/2024.)