APELAÇÃO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA - REVENDA DE COMBUSTÍVEL (G.N.V.) EM DESACORDO COM AS NORMAS ESTABELECIDAS NA FORMA DA LEI (ESPECIFICAÇÕES DA A.N.P.).
ARTIGO 1º,
INCISO I, DA
LEI Nº 8.176/1991. CONSTATAÇÃO DE QUE DIVERSOS BICOS DE ABASTECIMENTO DE GÁS NATURAL VEICULAR ESTAVAM FUNCIONANDO COM PRESSÃO SUPERIOR A PREVISTA NA LEGISLAÇÃO VIGENTE, DE MODO A ENSEJAR DANOS AO VEÍCULO ABASTECIDO E À INCOLUMIDADE PÚBLICA, INCIDINDO EM INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA, PREVISTA NO
ARTIGO 14,
INCISO III, DA RESOLUÇÃO A.N.P. Nº 32/2001, ASSIM COMO NO DELITO INSERTO NO
...« (+2198 PALAVRAS) »
...ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N° 8.176/1991. RECURSO DEFENSIVO ARGUINDO: 1) QUESTÃO PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS RÉUS, SUSTENTANDO O IMPLEMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO ESTATAL RETROATIVA. NO MÉRITO, POSTULA A ABSOLVIÇÃO DOS APELANTES, SOB AS ALEGAÇÕES: 2) DE PRECARIEDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO, INCLUSIVE, QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL; E 3) POR ATIPICIDADE DAS CONDUTAS PRATICADAS. CONHECIMENTO DO RECURSO, COM PARCIAL ACOLHIMENTO DA QUESTÃO PRELIMINAR ARGUIDA PARA DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE DO PRIMEIRO RÉU APELANTE ((...)), ANTE O IMPLEMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA, E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO. Recurso de apelação interposto pelos réus, (...), (...), representados por advogados constituídos, contra a sentença de fls. 332/351, prolatada pelo Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Duque de Caxias, a qual condenou os réus nominados, ante a prática do delito tipificado no artigo 1º, inciso I, da Lei n° 8.176/1991, às penas de 01 (um) ano de detenção (réus (...)) e de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção (réu (...)), a serem cumpridas no regime prisional aberto, substituídas as penas privativas de liberdade por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços comunitários, condenando-os, ainda, ao pagamento das despesas processuais. Ab initio, destaca-se o parcial acolhimento da questão preliminar de prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, suscitada pela Defesa dos réus apelantes, ora verificada em relação, tão somente, ao réu (...), conforme será oportunamente analisado, tendo em vista a necessidade de incursão no mérito do recurso dos demais recorrentes, em relação aos quais não se verifica qualquer questão preliminar ou prejudicial. Extrai-se dos autos que, na data dos fatos imputados na peça exordial acusatória, em cumprimento à Ordem de Missão nº 107/2011, por determinação da Superintendência de Fiscalização do Abastecimento - SFI da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - A.N.P., em atendimento ao Ofício 2ª PJ/595/11, de 31.05.2011, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, foi realizada inspeção no estabelecimento comercial do qual os réus apelantes figuram como sócios administradores, qual seja, POSTO DE GASOLINA MAIOR L.T.D.A., durante a qual resultou constatado que diversos bicos de abastecimento de Gás Natural Veicular (G.N.V.) estavam funcionando com pressão superior à prevista na legislação vigente, de modo a ensejar danos ao veículo abastecido e à incolumidade pública, incidindo em infração administrativa, prevista no artigo 14, inciso III, da Resolução A.N.P. nº 32/2001, assim como no delito inserto no artigo 1º, inciso I, da Lei n° 8.176/1991. O caso reverbera como inequívoca a ocorrência de crime contra a ordem econômica praticado pelos ora apelantes, consistente em revender/disponibilizar G.N.V. ao consumidor final a pressão de abastecimento acima dos parâmetros determinados na legislação vigente, quais sejam, de 200 (duzentos) a 220Kgf/cm² (duzentos e vinte quilogramas-força por centímetro quadrado), no posto de gasolina do qual os nomeados apelantes figuram como sócios administradores. Na hipótese sub examen, tem-se que, a materialidade e a autoria delitivas resultaram plenamente positivadas por meio da cópia dos autos do processo administrativo nº 48610-011860/2011-88 (itens 12/84), no qual houve pleno atendimento aos postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa, notadamente os documentos da fiscalização realizada pela Agência Nacional de Petróleo - A.N.P., Auto de Infração Administrativa e Laudo de Exame Indireto (item 98), além da segura prova oral produzida a cargo do órgão acusador. O respectivo Auto de Infração consignou, ad litteram: "Fica a empresa acima qualificada, atuada por disponibilizar GNV ao consumidor final à pressão de abastecimento acima da máxima permitida. Tal fato constitui infração ao inciso III do art. 14 da Resolução ANP nº 32/2001, que define que o revendedor varejista de GNV obriga-se a disponibilizar GNV ao consumidor final a pressão máxima de abastecimento de 220Kgf/cm², equivalente a 215 bar, 21,56 Mpa ou 3128,4 psi". Não se deve olvidar que tal documentação possui natureza de ato administrativo, sendo certo que, submetendo-se a Administração Pública aos estritos preceitos legais, seus atos gozam de presunção, juris tantum, de legitimidade e veracidade, cuja desconstituição demanda a produção de prova consistente em sentido contrário, o que não ocorreu no caso em apreço. De acordo com a decisão constante do item 40, julgou-se subsistente o aludido Auto de Infração e, nos termos do artigo 3º, inciso VIII, da Lei nº 9.847/1999, foi aplicada multa no valor de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), o que resultou mantido por ocasião do julgamento do Recurso Administrativo interposto. Saliente-se, por oportuno, que o interesse da testemunha Wekisileli, fiscal da A.N.P., especialista em regulação, salvo firme prova em contrário, não foi outro senão o de apontar a ocorrência e a autoria da ação delituosa perpetrada, não havendo motivos para acusar terceiro inocente ou deixar de expor a verdade. Assim, não se verificando presente, na hipótese dos autos, qualquer argumentação concreta, a fim de desautorizar a credibilidade de seu conteúdo, o depoimento da mesma deve ser considerado plenamente, haja vista que em harmonia com os demais elementos probatórios coligidos aos autos, cabendo repisar, neste ponto, que nenhum dos recorrentes afirmou possuir animosidade anterior com o mesmo. Conforme bem salientado pelo órgão do Ministério Público, em contrarrazões, causa estranheza o fato de não ter sido arrolado, como testemunha, o subgerente do posto de gasolina, (...), signatário do auto de infração, o qual, de acordo com as declarações do réu (...), continuava empregado da sociedade empresarial, havendo, ainda, notícia acerca da flexibilização de horários entre os mesmos, o que lança dúvida, inclusive, sobre a efetiva presença da testemunha (...), por ocasião da ocorrência da fiscalização da A.N.P. Quanto ao questionamento relativo à cronologia dos acontecimentos, irretocáveis e elucidativos se afiguram os argumentos constantes da sentença vergastada, os quais ora se transcreve, passando a integrar o presente voto, ipsis litteris: "Do que se verifica da documentação acostada aos autos, inclusive da ordem de serviço de fl.09, é que a manutenção alegada ocorreu após a constatação da irregularidade. De fato, caso realmente os bicos de GNV com pressão superior à permitida realmente estivessem sofrendo manutenção prévia à chegada do fiscal ao local, certamente o respectivo auto não teria sido lavrado. Como destacou o Ministério Público, tal cronologia é perfeitamente aferível pelo teor do próprio auto, onde se verifica que o conserto se deu após a constatação da irregularidade, sendo certo que somente não se interditou o posto em razão da manutenção realizada e conferida pela autoridade administrativa." "De acordo com as peças que instruíram o procedimento administrativo citado na denúncia da ANP, que tratou do fato objeto da presente lide, verifica-se que, em verdade, o auto de infração foi lavrado às 10:40 horas, ou seja, depois de todo o procedimento fiscalizatório que não se resumiu apenas à aferição das bombas de GNV, pelo que é de se conclui ter iniciado em horário bem anterior. É preciso se ter presente, inclusive, que a ordem de serviço foi emitida em horário inicial, às 10:00 horas e final às 11:30 horas, nada obstante, tais horários tenham sido apostos de forma unilateral, não necessariamente correspondendo à realidade." No caso dos autos, constata-se que as negativas de autoria aduzidas, notadamente a versão no sentido de que as bombas de abastecimento de combustível estariam interditadas, por ocasião da inspeção técnica, não convence e não resultou suficientemente comprovadas nos autos, traduzindo evidente manobra visando ao afastamento da responsabilização penal dos acusados. Por certo, o artigo 14, inciso III, da Portaria A.N.P. nº 32, de 06.03.2001, que regulamenta o exercício da atividade de revenda varejista de Gás Natural Veicular (G.N.V.), dispõe que o revendedor varejista de GNV obriga-se a: "III - disponibilizar G.N.V. ao consumidor final a pressão de abastecimento de 200 a 220 Kgf/cm²", sendo certo que o não atendimento às especificações legais à espécie configuram infrações de cunho administrativo, sem prejuízo das sanções de natureza civil e penal, conforme preceitua o artigo 18 do mesmo Ato Normativo, c/c artigo 2º da Lei nº 9.847. Cediço é que determinada conduta humana, ainda que única, pode ocasionar efeitos jurídicos diversos e, consequentemente, refletir em diferentes searas jurídicas, fazendo jus à aplicação da lei penal quando se tratar de conduta penalmente relevante, como é o caso dos autos. Neste diapasão, deve-se observar, ainda, que de acordo com a cláusula oitava dos Atos Constitutivos da sociedade empresarial POSTO DE GASOLINA MAIOR L.T.D.A. (item 31), a administração da sociedade caberá aos sócios, "com poderes e atribuições de administrador", o que resulta confirmado por meio da prova produzida, o que permite concluir pela ausência de responsabilização objetiva, in casu, uma vez que todos detinham poder de gerência e, via de consequência, o domínio final do fato, revelando-se cristalina a unicidade das condutas apuradas durante a instrução criminal, assim como o nexo causal entre o resultado da conduta verificado pela atividade da empresa e a responsabilidade subjetiva por parte de seus administradores, aos quais incumbia, legalmente, prezar pela qualidade de sua atividade empresarial e a segurança dos consumidores. Assim, no caso concreto, tem-se que, presentes estão os elementos objetivo, subjetivo e normativo do tipo penal, em apreço, os quais exsurgem nítidos das próprias condutas e responsabilidades de todos os réus apelantes, não havendo, portanto, que se falar em ausência de dolo ou atipicidade formal ou material daquelas. Doutrina e Precedentes de jurisprudência. Em sequência, no tocante à alegada ausência de vantagem auferida, de modo a atrair o instituto da fragmentariedade e/ou intervenção mínima, melhor sorte não socorre tais argumentos defensivos. Nessa esteira, convém trazer à colação o escólio de (...), acerca da definição do Direito Penal Econômico, stricto sensu, como sendo um "conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem econômica, entendida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na Economia", cuja principal característica é a intervenção estatal por meio do jus puniendi. Aludido autor leciona, ainda, quanto à natureza dos delitos econômicos, dentre eles o ora imputado aos réus recorrentes, na presente ação penal, tratar-se de "infrações jurídico-penais que lesionam ou põem em perigo esta ordem econômica entendida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na economia do país", ou seja, o bem penalmente tutelado abrange tanto a lesão ou o risco/perigo a produção, circulação e/ou consumo de bens e serviços. (in. Crimes Tributários e Econômicos. São Paulo: Ed. Quartier Latim, 2007). Destarte, ainda que não resulte comprovado que os réus apelantes tenham auferido qualquer vantagem econômica, em razão das condutas praticadas, tal circunstância, por si só, não se presta para caracterizar os fatos imputados aos mesmos como um indiferente penal, notadamente diante do grave risco gerado. Inviável, portanto, o acolhimento das pretensões absolutórias. Passa-se ao exame da dosimetria das penas e da questão atinente à prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa. As penas basilares dos réus (...) foram fixadas nos patamares mínimos legais, em 01 (um) ano de detenção, resultando definitivas em função da ausência de outras causas modificadoras. A pena base do réu (...) foi fixada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção por força do reconhecimento dos maus antecedentes. Fixado o regime prisional aberto e substituídas as penas privativas de liberdade por restritiva de direitos, não comporta a dosimetria das penas qualquer reparo nesta instância revisora. Na hipótese vertente, constata-se que a denúncia foi oferecida em 02.08.2018, tendo sido regularmente recebida por decisão prolatada em 23.08.2018. A sentença condenatória alvejada foi publicada, em cartório, em 13.07.2022, operando-se o trânsito em julgado para o órgão do Ministério Público, que não recorreu da mesma. Nesse diapasão, importa registrar que, o marco interruptivo da prescrição ocorre na data da publicação da sentença em cartório, ou seja, de sua entrega ao escrivão, e não da intimação das partes ou publicação no órgão oficial, consoante remansosa jurisprudência do S.T.J. Precedentes. Na sequência, observa-se que a quantidade de pena aplicada para todos os réus apelantes - 01 (um) ano de detenção e 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, desafia o lapso prescricional previsto no artigo 109, inciso V, do Código Penal, qual seja, 04 (quatro) anos. Destarte, no que concerne aos recorrentes (...), não há que se cogitar do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, considerando-se que, entre a data do recebimento da denúncia (23.08.2018) e da publicação da sentença objurgada (13.07.2022), não decorreu o lapso temporal exigido no aludido dispositivo legal, tendo havido o decurso de, aproximadamente, 03 (três) anos e 10 (dez) meses. Por outro lado, quanto ao apelante (...), o qual contava com 70 (setenta) anos de idade, à época da prolação do édito condenatório, tem-se que a pretensão punitiva estatal, de fato, resultou fulminada pela ocorrência da prescrição punitiva estatal, tendo-se em conta a redução do prazo prescricional, da metade, por força do que dispõem os artigos 107, inciso IV, c/c 109, inciso V, e 110, § 1º, na forma do artigo 115, todos do Código Penal. CONHECIMENTO DO RECURSO, COM PARCIAL ACOLHIMENTO DA QUESTÃO PRELIMINAR ARGUIDA PARA DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE DO PRIMEIRO RÉU APELANTE (
(...)), ANTE O IMPLEMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, NA MODALIDADE RETROATIVA, E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO DOS DEMAIS RÉUS. Conclusões: POR MAIORIA DE VOTOS ACOLHERAM QUESTÃO PRELIMINAR PARA DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE DO APELANTE
(...) E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO AOS DEMAIS RECURSOS, VENCIDA A E. DES.ADRIANA LOPES MOUTINHO QUE DAVA PROVIMENTO AOS RECURSOS PARA ABSOLVER TODOS OS APELANTES, COM FULCRO NO
ARTIGO 386,
VII DO
CPP.
(TJ-RJ, APELAÇÃO 0046128-83.2018.8.19.0021, Relator(a): DES. ELIZABETE ALVES DE AGUIAR, Publicado em: 27/06/2023)