ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO AFASTADA. ANP. FISCALIZAÇÃO, AUTUAÇÃO E MULTA. COMBUSTÍVEL ADULTERADO.
ART. 3º,
XI, DA
LEI Nº 9.847/1999.
ARTIGOS 17 E 20, AMBOS, DA PORTARIA ANP N° 29/1999. REGULAMENTO TÉCNICO N° 05/2001 E PORTARIA ANP N° 309/2001. VALOR DA MULTA DE ACORDO COM OS
ARTIGOS 3º,
XI,
E 4º DA
LEI Nº 9.847/1999. PROPORCIONALIDADE
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...E RAZOABILIDADE.
Trata-se de apelação interposta por (...) - POSTO DO LAGO visando a reforma da r. sentença que julgou improcede o pedido.
Em seu recurso, (...) - POSTO DO LAGO reafirma os argumentos trazidos na inicial. Suscita, preliminarmente, a ocorrência da prescrição. Argumenta que a autuação do posto foi feita de maneira “confusa”, haja vista que o fiscal da ANP verificou que os combustíveis estavam dentro das especificações exigidas, fato este indiscutível, pois na referida data nenhuma multa fora lavrada durante o ato fiscalizatório. Sustenta a violação ao princípio da legalidade cumulada com princípio da retroatividade da lei mais favorável (entrada em vigor da Resolução nº 37, de 27 de junho de 2007). Alega, também, a não observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no ato administrativo. Aduz que a conduta adotou conduta extremista ao inserir seu nome do cadastro de postos autuados. Por fim, em decorrência dos atos praticados pela ANP, entende que faz jus ao ressarcimento de perdas e danos, bem como ao recebimento de danos morais.
Ressalta-se, de imediato, que a prescrição intercorrente do processo administrativo (art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.873/99) somente ocorre quando este fica paralisado, pendente de julgamento ou despacho, por mais de três anos, em razão da desídia da administração pública. A data da infração (26/06/2007) e o efetivo julgamento (1º/03/2009) ocorreram dentro de três anos, não havendo que se falar em prescrição.
Já no mérito, destaca-se que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, autarquia federal, foi efetivamente implantada pelo Decreto 2.455/1998, sendo o órgão regulador das atividades que integram a referida indústria, com a responsabilidade pela execução da política nacional para o setor energético do petróleo, gás natural e biocombustíveis. Incumbe-lhe a fiscalização direta da referida atividade, a teor do art. 8º, caput, e inciso VII da Lei 9.478/97, com a aplicação das sanções previstas na Lei 9.847/99.
Salienta-se, também, que a Lei 9.847/99 foi editada segundo os ditames constitucionais (art. 177, §2º, III), definindo em seus artigos os fatos imponíveis para a fiscalização das infrações, a competência para o exercício do poder de polícia, os sujeitos dos deveres, as penalidades cabíveis, os valores das multas, dentre outros. Não há que se falar em afronta ao princípio da legalidade o fato de a Lei atribuir a posterior normatização administrativa (Resolução ANP nº 45/2013) critérios e procedimentos de ordem técnica.
No caso, a apelada, em fiscalização realizada junto à apelante lavrou auto de Infração em razão da constatação de teor de álcool etílico anidro combustível (AEHC) presente na gasolina em percentual maior (26%) do que o permitido pela normatização técnica específica que regulamentava a matéria (23%, com tolerância de 1% para mais ou menos).
Nos termos do art. 3º, XI, da Lei nº 9.847/1999 (dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei nº 9.478/1997, estabelece sanções administrativas e dá outras providências) estará sujeita a multa a empresa que “importar, exportar e comercializar petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis fora de especificações técnicas, com vícios de qualidade ou quantidade, inclusive aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem ou rotulagem, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor”.
Já os artigos 17 e 20, ambos, da Portaria ANP n° 29/1999 (regulamenta a atividade de distribuição de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível, biodiesel, mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou autorizada pela ANP e outros combustíveis automotivos) estabelecem que “são condições obrigatórias para a comercialização dos produtos de que trata esta Portaria” e que a “a Distribuidora obriga-se à garantir a qualidade e a quantidade dos combustíveis, quando transportados sob sua responsabilidade ou quando armazenados em instalações próprias ou de terceiros”.
Ademais, o regulamento Técnico n° 05/2001 e a Portaria ANP n° 309/2001(ratifica as especificações das gasolinas automotivas destinadas ao consumidor final e comercializadas em todo território nacional) definem que “ficam estabelecidas, através da presente Portaria, as especificações das gasolinas automotivas destinadas ao consumidor final, comercializadas pelos diversos agentes econômicos em todo o território nacional, consoante as disposições contidas no Regulamento Técnico ANP nº 5/2001, parte integrante desta Portaria” e que “fica vedada a comercialização das gasolinas automotivas, definidas no art. 2º desta Portaria, que não se enquadrem nas especificações do Regulamento Técnico ou em que sejam identificados Marcadores regulamentados pela Portaria ANP nº 274 de 1º de novembro de 2001”.
No caso dos autos, o conjunto probatório ratifica os fundamentos expostos pela ANP no boletim de fiscalização nº 021.303.0734.209467, no auto de infração, bem como no processo administrativo nº 48621.000594/2007-52. Como demonstrado, a ANP constatou a adulteração do combustível que foi recolhido no tanque do apelante. A irregularidade foi comprovada pela análise laboratorial, realizada pela UNICAMP. O percentual de álcool na gasolina fiscalizada registrou o índice de 26% quando a norma do período exigia 23%, com tolerância de 1% para mais ou para menos. A irregularidade do combustível é irrefutável.
Quanto à multa aplicada, de acordo com os artigos 3º, XI, e 4º, ambos, da Lei nº 9.847/1999, a multa pode ser aplicada entre “R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais)” e “a pena de multa será graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida, a condição econômica do infrator e os seus antecedentes”. Como se vê, a multa foi fixada nos termos da legislação e em consonância com a proporcionalidade e a razoabilidade.
Por fim, no tocante aos outros argumentos trazidos pelo apelante, deve ser adotado os fundamentos expostos na r. sentença: “deve-se frisar que a nova norma, invocada pela autora, que alterou o percentual obrigatório de álcool etílico anidro combustível à gasolina para 25% (fl. 502 - Resolução nº 37, de 27.06.2007, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool), somente dispôs sobre a nova composição do produto a partir de 01/07/2007, portanto, sem efeitos retroativos. Talvez pudesse ser acolhida a tese de que deveria ser aplicado, inclusive retroativamente, o novo critério para consideração de "amostra conforme" do teor de AEAC na gasolina comum, que teria sido adotado pela própria ANP e expresso pelo Memorando nº 557/2008/SBQ/RJ, que fixou a margem de "23 a 27% vol.". Mas é necessário bem esclarecer o aspecto que poderia ser aplicado retroativamente. É que este Memorando não alterou, e nem poderia (por faltar-lhe competência), o teor de AEAC exigido na gasolina comum (25%), pois esta matéria foi disposta pela autoridade competente através da Resolução Ministerial nº 37, de 27.06.2007, e continuou sendo o parâmetro normativo aplicável a partir de 01/07/2007. A novidade expressa no referido Memorando foi a de, tendo por pressuposto este teor normativo de 25% estabelecido pela Resolução), estabelecer uma margem de segurança de 2% para mais ou para menos, para avaliação da conformidade do produto sob análise com a norma regulamentar. Esta nova regra, que revela um novo critério de natureza técnica que expressa melhores condições de segurança para avaliação da conformidade exigida na regulamentação específica, deveria ser aplicada retroativamente. Todavia, isso não afeta a infração examinada nos presentes autos, em que o auto de infração constatou o teor de 26%, excedendo em 3% o teor de 23% exigido na norma vigente à época da infração, portanto, acima da margem de segurança de 2% estabelecido pela nova regra de avaliação técnica, subsistindo, assim mesmo, a violação constatada. De outro lado, as alegações de falhas no processo de coleta e realização dos exames também não prosperam, pois se trata de questões técnicas que somente poderiam ser demonstradas por prova pericial específica, não produzida e nem requerida pela autora. Sob outro aspecto, os agentes fiscais da ANP, como agentes públicos que são admitidos para esta função específica, têm atribuição e qualificação legais para proceder à fiscalização e coleta dos materiais para exames, não tendo a autora demonstrado a ocorrência de qualquer falha neste particular e não sendo exigível a qualificação de profissionais de química para a mera coleta das amostras a serem periciadas. A autora, nem na esfera administrativa, nem nesta ação judicial, desincumbiu-se de seu dever de demonstrar eventual vício em qualquer aspecto do procedimento da constatação infracional, que, por isso mesmo, deve subsistir. Também não prospera a alegação de que não foram observados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito do processo administrativo. Com efeito, a alegação perde contexto na medida em que é o próprio autor quem informa a pendência de processo administrativo acerca da autuação aqui em questão, até hoje não concluído, sendo-lhe assegurado, então, o exercício do direito de defesa na esfera administrativa. Note-se que a tese não pode ser acolhida diante da mera alegação de que não lhe foi facultada a possibilidade de indicar assistente técnico e formular quesitos, pois o procedimento legal estabelecido para a hipótese garante à pessoa jurídica sob fiscalização a apreensão de amostra para contraprova que fica em seu poder, facultando-lhe a realização de exame para confrontar a perícia feita pela administração, garantia que foi observada no caso concreto (vide Boletim de Fiscalização, fls. 28/29) e a autora não fez valer esse seu direito, com o qual poderia comprovar, inclusive, qualquer das alegadas falhas no procedimento de coleta e conservação das amostras em seu estabelecimento. Por fim, a inclusão do nome da autora no site da ANP, antes do trânsito em julgado da decisão administrativa, dentre os postos interditados por irregularidades na qualidade de combustíveis, na verdade não caracteriza qualquer punição da autora em ofensa ao devido processo legal. Trata-se apenas de informação, prestada pela autarquia ao público em geral (em especial aos consumidores), a respeito dos serviços a seu cargo por ela desenvolvidos no controle da qualidade dos combustíveis comercializados no país. Não se trata de qualquer espécie de sanção por infração, eis que as sanções previstas em lei são apenas aquelas previstas no artigo 2º da Lei nº 9.847/1999 e que somente podem ser aplicadas ao final do processo administrativo, salvo as medidas cautelares previstas no
artigo 5º (interdição, total ou parcial, de instalações e equipamentos, ou apreensão de bens e produtos). Note-se que o rol constante do site da ANP, a que se refere a autora, não é de postos considerados adulteradores de combustíveis (quando, aí sim, se poderia reconhecer como indevida a inscrição da pessoa como infratora antes do término do processo administrativo), mas sim, apenas, uma relação daqueles postos que sofreram medida cautelar de interdição dos estabelecimentos por constatações iniciais de irregularidades nos combustíveis. Portanto, não se extrai, de todo o exposto, qualquer ilegalidade ou abuso de poder que pudesse dar causa a danos morais ou materiais”.
R. sentença mantida.
Apelação não provida.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002226-68.2010.4.03.6123, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 06/09/2022, DJEN DATA: 13/09/2022)