APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. SEGUNDA FASE. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. PRESCRIÇÃO PARCIAL RECONHECIDA. A presente ação foi ajuizada com o objetivo de obtenção de contas de investimentos realizado no período compreendido entre 1967 e 1983. Conforme se sabe, o Fundo 157 foi instituído pelo
Decreto-Lei nº 157, de 10/02/1967, e era uma opção de investimento disponibilizada aos contribuintes brasileiros, que podiam aplicar parte do valor de imposto de renda devido na aquisição de cotas de fundos administrados por instituições financeiras administradoras. O referido Fundo foi extinto em 05/06/1985 (
Resolução nº 1.023 do Conselho Monetário Nacional), e
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...o seu patrimônio transferido para os chamados Fundos Mútuos de Investimento em Ações, os quais deveriam ser administrados por diversos bancos, sendo que as cotas da parte autora ficaram sob responsabilidade do banco réu. Assim, aplicável à espécie o prazo prescricional trienal à obrigação de a instituição financeira prestar contas quanto aos valores investidos em ações no Fundo 157, e quinquenal no que diz respeito ao montante investido em debêntures, em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Nesse contexto, deve ser limitada a obrigação de prestar contas de investimentos dos 03 (três) anos anteriores à propositura da ação, quanto aos valores investidos em ações, e aos 05 (cinco) anos precedentes à demanda, no que diz respeito ao montante investido em debêntures. Ressalto, por fim, que não há o que se falar em afronta à coisa julgada, visto que o reconhecimento de prescrição é matéria de ordem pública cognoscível a qualquer tempo. Além disso, foi aplicada ao caso jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, que sedimentou entendimento na data de 21/06/2022. Preliminar contrarrecursal acolhida. EXIGIR CONTAS. SEGUNDA FASE. A ação de exigir contas possui procedimento próprio, no qual se busca garantir àquele que teve seu interesse, bem ou direito administrado por outrem, o direito de obter as contas prestadas, podendo também ser proposta por quem tem o dever de prestá-las. Em um primeiro momento - primeira fase - verifica-se a existência de obrigação da prestação de contas pelo demandado e, posteriormente, sobrevindo sentença de procedência, passa-se à segunda fase, na qual se analisa se há crédito em favor da parte demandante. A sentença prolatada na segunda fase, por sua vez, tem por objetivo apurar saldo credor, ou não, em favor de uma das partes, possuindo carga condenatória e força de título executivo (artigo 552 do CPC). Antes disso, serão prestadas contas pelo réu, podendo a parte-autora impugná-las específica e fundamentadamente. No caso, a parte-autora, em sua apelação, defende que a relação contratual, o que é incontroverso nos autos, é de fundo 157. Diz que, em sendo de fundo 157, é de conhecimento de toda sociedade brasileira (art. 374, I, do CPC) que os investimentos foram realizados entre 1967 e 1983, dado o disposto nos arts. 1º, caput, 2º, caput, e 3º, caput, do Decreto-Lei nº 157/67, e 14 do Decreto-Lei nº 2.065/83; e que as contas, para não dizer que são inexistentes, são muito ruins, não cumprindo a condenação imposta em primeira fase e tampouco o art. 551, caput, do Código de Processo Civil. Sem razão. Veja-se que o argumento de que as contas não podem ser consideradas boas, pois apresentados documentos apenas a partir do ano de 2016, não merece prosperar, visto que, em caso semelhante, já entendeu o STJ, que, por não se tratar de valor incontroverso nos autos, caberia à parte autora produzir prova mínima das suas alegações. Esse entendimento se coaduna com o que venho adotando em meus votos no sentido de que, nas ações de prestação de contas do Fundo 157, embora possível a inversão do ônus da prova, não é dado à parte autora criar valor aleatório e inverossímil, como sendo esse o valor inicial investido. Caso a parte autora discorde do valor inicial investido informado pelo banco, caberá a ela trazer ao processo comprovante do valor que diz ter aplicado. Isso impede a situação teratológica de a parte autora poder afirmar qualquer valor que quiser, sem a mínima comprovação, como sendo o que tem a receber. Portanto, imprescindível o exame da verossimilhança dos valores referidos pela parte autora como investidos e de uma minima comprovação. No entanto, além de não haver mínima comprovação do valor investido, o que se verifica nos autos, a parte autora impugnou genericamente os documentos e laudo apresentados pelo banco demandado e pelo próprio perito. Isso porque seria simples a comprovação, pela parte autora, do valor inicial que diz ter investido, bastando trazer aos autos a sua declaração de renda do ano em questão, ou algum extrato do fundo recebido durante o período de investimento, já que alegou que o valor investido foi o equivalente a 10% de imposto de renda devido no ano. Conforme já mencionado, tal situação foge aos padrões e deve ser obrigatoriamente comprovada pela parte autora. Ademais, a ponderação entre o dever do banco de guardar os documentos referentes aos investimentos realizados de 1963 a 1987 e, em contrapartida, o dever da parte autora de mitigar o próprio dano (due to mitigate the loss), devem ser analisados sob o princípio da boa-fé objetiva, sobretudo em observância aos comportamentos adotados pelas partes no tempo, conforme arts. 442 e 187 do Código Civil. Assim, não é razoável que a parte demandante tenha aguardado mais de 40 anos para se informar sobre o aporte financeiro realizado, vindo a pleitear em juízo, valores calculados com critério próprio, e valendo-se da ausência de documentos referentes à integralidade da contratação. Aliás, no presente julgamento - conforme tópico anterior -, foi reconhecida a prescrição parcial da pretensão inicial, com o que não há falar no acolhimento da tese autoral relacionada à prestação de contas de todo o período. Outrossim, em se tratando de ação de exigir contas, por ocasião do julgamento de sua primeira fase, há apreciação de parte do mérito, no caso a relativa ao direito de exigir contas, somente a esse respeito operando-se a coisa julgada. Significa dizer que, em relação às próprias contas prestadas, objeto da segunda fase, não há falar em violação da coisa julgada com base na sentença de primeira fase que determinou a prestação das contas. Ainda, é entendimento desta Câmara é de que não procede a pretensão do autor de restituição do valor investido, acrescido de rentabilidade pelo índice IBOVESPA, pois o investimento em questão não é indexado ao índice. Com as as considerações pertinentes, no que diz respeito à adequação das contas, nada a reparar na decisão recorrida que, embasada no laudo técnico do perito do juízo, julga boas as contas apresentadas. Recurso da parte autora desprovido. APELAÇÃO DO BANCO-RÉU. CONVERSÃO DAS AÇÕES. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. O art. 552 do CPC dispõe que “a sentença apurará o saldo e constituirá título executivo judicial”, incumbe ao magistrado declarar o valor credor ou devedor. A sentença declarou como devido o valor de "R$ 349,77 em 24/03/2023 referente às 4,8240 cotas do “Fundo 157”, devendo tal quantia ser restituída corrigida monetariamente pelo IGP-M a contar da referida data e acrescida de juros moratórios de 1% ao mês a partir da data da citação". O banco-apelante defende que a conversão das cotas de titularidade da parte autora em dinheiro deve observar a cotação diária do fundo para o dia do resgate, sem incidência de juros de mora e correção monetária. A tese não prospera. Primeiro porque, tendo em vista que não se trata de um investimento de evolução constante, como a renda fixa, mas de mercado acionário, deve ser apurada a quantidade de ações e convertida em valor com base na cotação atual. Outrossim, a perícia homologada realizou a conversão nos termos do entendimento exposto. Ora, considerando o laudo pericial existente, com a conversão nos termos delineados, determinar o recálculo do valor - em nova fase, com novos cálculos, impugnações e recursos, nos termos pretendidos pela instituição-ré -, implicaria também em inquestionável violação aos princípios da economia e celeridade processuais, além do preceito da razoável duração do processo. Ainda, ao contrário do que defende o Banco recorrente, devem ser acrescidos correção monetária pelo IGP-M, a contar da apuração e de juros moratórios desde a citação. Recurso da instituição financeira desprovido no ponto. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. Não há dúvidas de que o Código de Processo Civil adotou o princípio da sucumbência, segundo o qual “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios” (art. 82, § 2.º CPC/2015). Da mesma forma, em relação aos honorários, ao firmar “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” (art. 85, caput, CPC/2015). No caso, nesta segunda fase da ação de exigir contas, as contas prestadas pelo Banco demandado foram acolhidas. Nestas circunstâncias, cabe à parte autora arcar com as custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios em favor do procurador da parte contrária. Impõe-se, pois, o provimento do recurso da instituição financeira para invertes os ônus de sucumbência fixados em sentença. devendo a parte demandante arcar com as custas processuais da segunda fase, destacando que a parte-condenada não litiga ao abrigo da GJ. Outrossim, os honorários advocatícios devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, observados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 85, § 2º, do CPC). O dispositivo legal supramencionado transmite regra geral e de aplicação obrigatória no sentido de que a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais deve ser realizada de forma sucessiva - Primeiro, sobre o valor da condenação; Segundo, sobre o proveito econômico obtido; Terceiro, sobre valor atualizado da causa. O § 8º do art. 85 do CPC, por sua vez, transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação, I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo. No caso, a fixação sobre o proveito econômico resultaria valor irrisório. Assim, em observância à ordem de precedência legal, fixo os honorários advocatícios em favor dos procuradores de ambas as partes em 10% do valor da causa (R$9.705,00). No ponto, recurso da instituição financeira provido; apelação da parte-autora prejudicado. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL ACOLHIDA. PRESCRIÇÃO PARCIAL RECONHECIDA. APELAÇÃO DA PARTE-RÉ DESPROVIDA. APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO RÉ PARCIALMENTE PROVIDA.
(TJ-RS; Apelação Cível, Nº 50202500920208210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 26-06-2024)