HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO HEXAGRAMA. POLICIAIS MILITARES E CIVIS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO PASSIVA. EXPLORAÇÃO ILEGAL DE JOGOS DE AZAR. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. PARECER MINISTERIAL FAVORÁVEL À REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INDEFERIMENTO DO PLEITO. ILEGALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO POR CAUTELARES MENOS GRAVOSAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. DENEGADA A ORDEM.
1. A prisão preventiva possui natureza excepcional, sempre sujeita a reavaliação, de modo que a decisão judicial que a impõe ou a mantém, para compatibilizar-se com a presunção de não culpabilidade
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...e com o Estado Democrático de Direito - o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade individual quanto a segurança e a paz públicas -, deve ser suficientemente motivada, com indicação concreta das razões fáticas e jurídicas que justificam a cautela, nos termos dos arts. 254, 255 e 256 do Código de Processo Penal Militar, c/c os arts. 315 e 282, I e II, do Código de Processo Penal, com as alterações dispostas pela Lei n. 13.964/2019.
2. São idôneos os motivos exarados para a imposição da cautela extrema, pois evidenciam a gravidade concreta da conduta em tese perpetrada e o risco de reiteração delitiva, diante da noticiada existência deorganização criminosa bem estruturada, com a participação de policiais militares e civis, voltada à exploração de jogos de azar.
3. O Juízo singular ressaltou, no decreto que originariamente estabeleceu a prisão provisória, que o ora paciente seria responsável por alertar o líder do grupo sobre ações a serem realizadas nos locais em que havia máquinas caça-níqueis de sua propriedade, além de recuperar equipamentos eventualmente apreendidos e receberia pagamento pelas atividades efetuadas.
4. A decisão que manteve a prisão cautelar ressaltou a maior gravidade das condutas apuradas na terceira fase da Operação Hexagrama (objeto desta impetração), por ultrapassarem simples atos relacionados à exploração de jogos de azar, diante da notícia de ações voltadas a intimidar concorrentes ou outros envolvidos, até mesmo com a prática de homicídios e lesões corporais.
5. Não é possível, sem ampla dilação probatória - incompatível com a via estreita do habeas corpus -, analisar a tese defensiva de que não há descrição da prática de atos violentos pelo ora paciente, no âmbito da suposta organização criminosa. Com efeito, seria imprescindível o exame dos depoimentos colhidos tanto no inquérito policial quanto durante a instrução probatória - já encerrada, como descrito pela própria defesa.
6. A ausência de análise individualizada da situação do réu, no decisum que indeferiu a liberdade provisória, não constitui flagrante ilegalidade, pois já havia sido descrita a forma como se daria a sua participação nas atividades ilícitas.
7. Quanto à alegação defensiva de ilegalidade da manutenção da prisão diante do parecer ministerial foi favorável à substituição por medidas menos gravosas, releva salientar que o indeferimento do pleito, na hipótese, não configura a atuação vedada pela Lei n. 13.964/2019 - notadamente, a decretação da prisão preventiva pelo julgador sem prévia representação da autoridade policial ou do Ministério Público.
8. Com efeito, a decisão que originariamente impôs a cautela extrema decorreu de provocação do Ministério Público, com o intuito de cessar as atividades da suposta organização criminosa em investigação. Apenas em momento posterior, o órgão acusatório manifestou-se favoravelmente a pedido defensivo de revogação da prisão cautelar, o que não foi acolhido pelo Juízo singular.
9. Em situação que, mutatis mutandis, implica similar raciocínio, decidiu o STF que: "Muito embora o juiz não possa decretar a prisão de ofício, o julgador não está vinculado a pedido formulado pelo Ministério Público. [...] Após decretar a prisão a pedido do Ministério Público, o magistrado não é obrigado a revogá-la, quando novamente requerido pelo Parquet" (HC n. 203.208 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 30/8/2021).
10. Não há dúvidas de que configura constrangimento ilegal a conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva do paciente. No entanto, a decisão do magistrado em sentido diverso do requerido pelo Ministério Público, pela autoridade policial ou pelo ofendido não pode ser considerada como atuação ex officio, uma vez que lhe é permitido atuar conforme os ditames legais, desde que previamente provocado, no exercício de seu poder de jurisdição.
11. Entender de forma diversa seria vincular a decisão do magistrado ao pedido formulado pelo Ministério Público, de modo a transformar o julgador em mero chancelador de suas manifestações, ou de lhe transferir a escolha do teor de uma decisão judicial, em total desapreço à função jurisdicional estatal.
12. Na dicção da melhor doutrina, "o direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo" (Claus ROXIN. Problemas fundamentais de direito penal. 2ª ed. Lisboa: Vega, 1993, p. 76), visto que, em um Estado de Direito, "la regulación de esa situación de conflito no es determinada a través de la antítesis Estado-ciudadano; el Estado mismo está obligado por ambos fines - aseguramiento del orden a través de la persecución penal y protección de la esfera de libertad del ciudadano" (Claus ROXIN.
Derecho procesal penal. Buenos Aires: Editores dei Puerto, 2000, p. 258).
13. Os elementos mencionados pelas instâncias ordinárias denotam o risco de reiteração delitiva e, por conseguinte, evidenciam a insuficiência e a inadequação da substituição da custódia provisória por cautelares diversas, porquanto tais medidas não se prestariam a evitar o cometimento de novas infrações penais (
art. 282,
I, do
CPP).
14. Denegada a ordem.
(STJ, HC n. 686.272/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.)