PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRISÃO PREVENTIVA. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. FIANÇA. VALOR FIXADO DE ACORDO COM A NATUREZA DOS DELITOS INVESTIGADOS E AS CONDIÇÕES PESSOAIS/ECONÔMICAS DO PACIENTE E DE SUA FAMÍLIA. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PARTE DO VALOR APREENDIDO.
ART. 91 DO
CPP. NÃO CONHECIMENTO DAS ALEGAÇÕES DE CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS PELA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA DE FORMA ILEGAL E ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DAS
LEIS NºS 7.960/1989 E 8072/1990. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA, E NA PARTE CONHECIDA, DENEGADA.
Segundo consta, o paciente foi preso
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...em flagrante, em 17.04.2021, por volta das 14h00, na Rodovia Washington Luís, no município de Matão/SP, pela suposta prática do crime previsto no artigo 1º da Lei nº 9.613/1998, por policiais militares rodoviários que o surpreenderam na condução do veículo Ford/Focus, placas FPC 0998, cor branca, ocultando, sob o banco do passageiro, a quantia de R$177.579,00 (cento e setenta e sete mil quinhentos e setenta e nove reais).
Na audiência de custódia realizada em 19.04.2021 pelo juízo em plantão judicial, foi determinado o encaminhamento dos autos ao Juízo da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo em razão da conexão vislumbrada pela autoridade policial da Delegacia de São José do Rio Preto/SP com a investigação em curso nos autos do processo distribuído ao juízo referido sob o nº 5001049-52.2020.4.03.6181.
A autoridade impetrada (Juízo da 6ª Vara de São Paulo) reconheceu a prevenção aventada em relação ao procedimento investigatório, processo nº 5001049-52.2020.4.03.6181, no qual o paciente seria um dos investigados pela mesma prática delituosa, inclusive com expedição de mandado de busca e apreensão em seu endereço, cumprido pela autoridade policial.
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, com fulcro no inciso II do artigo 310 do CPP.
O Ministério Público Federal apresentou manifestação em 07.06.2021, opinando pela manutenção das medidas cautelares diversas da prisão impostas pelo juízo impetrado. Por fim, o MM. Juízo a quo indeferiu o pleito da defesa de redução da fiança, contra a qual se insurge a presente impetração.
Infere-se da decisão impetrada que há fortes indícios de que o paciente estaria envolvido no crime de lavagem de dinheiro, oriundo da comercialização de cigarros internalizados ilegalmente no país, além de estar ocultando a propriedade de bens de elevado valor agregado, registrando-os em nome de familiares próximos.
Segundo apurou-se, o patrimônio do paciente, composto de bens imóveis de alto padrão, veículos de terra e água, alguns deles em nome de familiares seria incompatível com sua condição econômico financeira declarada (locação de uma chácara para eventos e lazer). Ademais, a prova da materialidade e os indícios de autoria em relação ao paciente encontram-se demonstrados pela situação de flagrância, na qual houve a apreensão da quantia de R$177.579,00 (cento e setenta e sete mil quinhentos e setenta e nove reais), sem que tenha sido comprovada a origem lícita do montante.
O requisito da garantia da ordem pública, como critério a ser aferido para a decretação da custódia cautelar, é de ser visto não apenas como medida para evitar que o acusado continue a praticar delitos, mas também como uma resposta à sociedade, em face do crime em tese praticado. A ordem pública é ofendida pela continuidade da prática dos delitos. Não obstante estar sendo investigado em outros inquéritos e já ter sido inclusive preso, não teria havido interrupção da atividade delinquencial.
O Supremo Tribunal Federal, com efeito, já se manifestou no sentido de que "a custódia cautelar visando a garantia da ordem pública legitima-se quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa" (RHC 122182, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 19.8.2014).
Diante das razões apresentadas pelo Ministério Público Federal, entendeu o juízo a quo pela possibilidade, neste momento, de garantia da ordem pública mediante o cumprimento de medidas cautelares, substituindo a prisão preventiva do paciente, (...) pelas medidas cautelares previstas nos artigos 319, incisos I, III, V, VIII e IX, e artigo 320 do Código de Processo Penal.
As medidas cautelares são aplicáveis nas fases investigativa e processual penal, observados, dentre outros requisitos, a gravidade do crime e as circunstâncias do fato.
A imposição de toda e qualquer medida de natureza cautelar deve observar a necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou para a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, e, ainda mostrar-se adequada à gravidade do crime, circunstância do fato e condições pessoais do indiciado.
O arbitramento da fiança deve ser feito em consonância à gravidade da infração, nos termos do artigo 325, caput, do Código de Processo Penal.
O artigo 326 do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece critérios objetivos e subjetivos para a fixação do valor da fiança.
Cabe à autoridade, no momento de fixação da fiança, observar os comandos trazidos nos dispositivos legais supratranscritos, a saber: natureza da infração, condições pessoais de fortuna e vida pregressa, circunstâncias indicativas de periculosidade e importância provável das custas do processo (art. 326 do CPP). Cumpre salientar ainda que, se a situação econômica do preso recomendar, a fiança poderá ser dispensada, na forma do artigo 350 do CPP, ou reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços), conforme preveem os incisos I e II do § 1º do art. 325 desse Codex.
Em juízo de cognição sumária, a fiança fixada pela autoridade impetrada no valor de R$85.000,00 (oitenta e cinco mil reais) está em consonância com o disposto no inciso II do artigo 325 e artigo 326, ambos do Código de Processo Penal.
A fiança foi fixada em observância ao disposto no artigo 325, inciso II e artigo 326, ambos do Código Processual Penal, levando em consideração, a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, como bem salientou o MM. Juízo impetrado: “O valor fixado nos autos para recolhimento de fiança pelo investigado, em substituição à prisão cautelar, mostra-se razoável, nos termos do artigo 325, inciso II, e 326 do Código de Processo Penal, tendo em vista as informações dos autos sobre possível movimentação de recursos em valores superiores ao estabelecido pelo Juízo, incluindo as informações que constam do laudo pericial recentemente juntado no Id 55890909. Conforme aponta o Ministério Público Federal, o valor determinado a título de fiança corresponde a pouco menos da metade do montante apreendido em poder do imputado e se encontra no patamar entre 1 e 100 salários-mínimos, conforme definido no artigo 325, inciso I, do Código de Processo Penal. Ademais, o Ministério Público Federal aponta elementos dos autos que indicam padrão de vida elevado ostentado pelo investigado e seus familiares, anteriormente mencionados. Portanto, o patrimônio identificado pela investigação, com possível ligação a (...), permite, em princípio, o recolhimento da fiança estabelecida pelo Juízo (...)A defesa não demonstra nos autos que o investigado tenha condição financeira deficitária que justifique a aplicação de redução prevista pelo artigo 325, parágrafo 1º, inciso II, não se demonstrando a inviabilidade do recolhimento de fiança no valor de R$ 85.000,00. Por ocasião da decisão de Id 53942223 foi reconhecida a possibilidade de substituição da prisão preventiva de (...), sob condição de cumprimento de medidas cautelares pessoais e real. Contudo, não é possível desconsiderar os riscos para a ordem pública, tendo em vista as informações dos autos sobre possíveis atos praticados pelo investigado, sendo necessário o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão para inibir a continuidade de práticas ilícitas e garantia da eficácia de eventual ação penal. Nesse sentido, a fixação de fiança, em conjunto com as demais medidas decretadas nos autos, se justifica para dissuadir o investigado quanto à continuidade de possíveis práticas delitivas, bem como assegurar o comparecimento a atos de eventual ação penal, além de evitar a obstrução de possível processo, nos termos do artigo 319, inciso VIII, do Código de Processo Penal. Outrossim, não se mostra possível a utilização de parte dos valores apreendidos por ocasião da prisão em flagrante de (...) para recolhimento da fiança fixada pelo Juízo. De fato, os valores apreendidos em 17/04/2021 podem consistir em produto ou proveito da prática dos delitos de contrabando e de lavagem de capitais, sujeitos a perdimento em caso de eventual ação penal, nos termos do artigo 91 do Código Penal. Dessa forma, não é cabível que valores com possível origem ilícita sejam utilizados para assegurar o comparecimento do investigado aos atos de eventual ação penal ou para coibir a continuidade de práticas delitivas. De fato, a utilização de valores apreendidos por suspeita de origem ilícita para recolhimento de fiança em favor do investigado mostra-se incapaz em garantir a eficácia de eventual ação penal, uma vez que os valores já se encontram constritos, em nada alterando a situação patrimonial do investigado, que nada perderia em caso de descumprimento das restrições impostas pelo Juízo, sobretudo no caso de eventual perdimento decretado nos termos do artigo 91 do Código Penal. Como visto anteriormente, as informações dos autos indicam que o investigado dispõe de condição financeira para recolhimento de fiança no valor de R$ 85.000,00, podendo se livrar solto independentemente do andamento de diligências complementares solicitadas pelo Ministério Público Federal”.
O valor arbitrado corresponde a pouco menos que o montante apreendido em poder do acusado, e está de acordo com o disposto nos artigos 325, II, e 326, ambos do Código de Processo Penal.
Não restou demonstrada a insuficiência de recursos para prover referido valor, tendo em vista que o acusado possui alto padrão de vida, cujo patrimônio é composto de bens imóveis de alto padrão, veículos de terra e água.
Por ocasião da prisão em flagrante, o paciente declarou ser construtor e empresário, com renda mensal familiar no total de R$14.000,00 (quatorze mil reais), além de possuir um veículo no valor R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e uma chácara avaliada em R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) (ID 165564340).
Segundo consta na representação policial, há diversos automóveis de elevado valor agregado registrados em nome do irmão (...) e da mãe (...) CERON, tais como um veículo Fiat/Ducato, ano 2008, uma caminhonete GM/S10, ano 2010, um Ford/Focus, ano 2012 (potencialmente o que era por ele conduzido no momento da prisão), uma Hyundai/Tucson, ano 2012/2013, um Citroen C3, ano 2013/2014, um Ford Focus, ano 2018, uma caminhonete Toyota Hilux, ano 2018, uma caminhonete L200/MMC, Triton, ano 2014/2015, um Fiat/Fiorino, ano 2013, entre outros veículos automotores, que apontariam a utilização dos nomes dos familiares próximos para ocultar a propriedade dos bens provenientes de comércio espúrio.
O investigado (...), ainda, segundo as investigações detém a posse direta e propriedade oculta de um imóvel de luxo, de alto padrão no Condomínio Quinta da Mata, quadra 02, lote 05, e de outro localizado no Parque Residencial Damha VI, quadra U, lote 12, ambos em São José do Rio Preto, assim como uma lancha, registrada com o cognome de ‘Guerreira’ na Capitania dos Portos em nome de terceiro.
Não é o caso de dispensa ou de redução do valor arbitrado, tendo em vista a natureza dos delitos investigados e as condições pessoais/econômicas do paciente e de sua família.
Os prazos procedimentais previstos na lei não são peremptórios e sua dilação, dentro dos limites razoáveis, justifica-se diante das circunstâncias do caso concreto. Com efeito, tais prazos servem apenas como parâmetro geral, razão pela qual a jurisprudência uníssona os tem mitigado. (TRF3. HC 00003186520174030000. Relatora Cecilia Mello. Décima Primeira Turma. e-DJF3 Judicial 1 DATA: 24/03/2017; HC 00034763120174030000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO, STJ- HC 201304026895. Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura. DJe 29/08/2014; HC 201702339310, RIBEIRO DANTAS, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:16/02/2018.).
Não há como utilizar parte do valor apreendido para o pagamento da fiança, haja vista a possibilidade de consistir em produto ou proveito da prática dos delitos de contrabando e de lavagem de capitais, sujeitos a perdimento em caso de eventual ação penal, nos termos do
artigo 91 do
Código Penal.
Não merecem ser conhecidas a alegação de contaminação das provas pela interceptação telefônica realizada de forma ilegal e a arguição de inconstitucionalidade das
Leis nºs 7.960/1989 e 8072/1990. A primeira, sob pena de supressão de instância, haja vista que o impetrante não comprovou que tal pleito tenha sido submetido à análise do juízo impetrado e a segunda diante da inadequação da via eleita, uma vez que não se relaciona à liberdade de locomoção, que é a finalidade do presente remédio constitucional utilizado.
Ordem parcialmente conhecida e, na parte conhecida, denegada.
(TRF 3ª Região, 11ª Turma, HCCrim - HABEAS CORPUS CRIMINAL - 5015875-65.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 03/09/2021, Intimação via sistema DATA: 15/09/2021)