RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE REALIZAÇÃO DE EXAMES PRÉ-OPERATÓRIOS. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE NULIDADE, INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADAS. CONTROVÉRSIA DA AÇÃO ORIGINÁRIA CONSISTE SOBRE ASSISTÊNCIA MÉDICA FORNECIDA PELA EMPREGADORA (OU EX-EMPREGADORA) A SEU EMPREGADO, QUE A NÃO DECORRE DA RELAÇÃO DE TRABALHO, MAS SIM DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPREGADORA EM EXIGIR O CUMPRIMENTO INTEGRAL DO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE CONTRATADO POR ELA A SEUS EMPREGADOS AFASTANDO A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECORRENTE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO QUANTO À EXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DA PARTE AUTORA,
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...CONSOANTE ART. 373, II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE E EM CONJUNTO OS PROCESSOS DE NÚMEROS 0065076-89.2019.8.05.0001 E 0056003-30.2018.8.05.0001, PARA DETERMINAR A REDE SAÚDE TOTAL AUTORIZE/CUSTEI, TODOS OS EXAMES, CONSULTAS E TRATAMENTO CONSTANTES NOS RELATÓRIOS MÉDICOS ANEXADOS AOS PROCESSOS; CONDENOU AINDA AS RÉS, SOLIDARIAMENTE, NO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO VALOR DE R$ 16.000,00. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO PARA R$ 5.000,00. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Dispensado o relatório nos termos do artigo 46 da Lei n.º 9.099/95[1]. Trata-se de RECURSO INOMINADO de EPIC EMPREENDIMENTOS EIRELI, contra sentença que JULGOU PARCIALMENTE e em conjunto os processos de números 0065076-89.2019.8.05.0001 e 0056003-30.2018.8.05.0001, para determinar a REDE SAÚDE TOTAL que autorize/custei, em 24 horas, todos os exames, consultas e tratamento constantes nos relatórios médicos anexados aos processos em julgamento, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00,00, limitada ao teto do juizado, em caso de descumprimento. Condenou ainda as Rés, solidariamente, no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), atualizados e com juros da presente decisão até o efetivo pagamento. Presentes as condições de admissibilidade do recurso, conheço-o, apresentando voto com a fundamentação aqui expressa, o qual submeto aos demais membros desta Egrégia Turma. VOTO A parte recorrente alega PRELIMINAR DE NULIDADE, POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA SENTENÇA A PARTIR DO APENSAMENTO do processo nº. 0065076-89.2019.8.05.0001 (este) ao processo nº. 0056003-30.2018.8.05.0001 (principal anteriormente ajuizado), acarretando na inviabilidade da apresentação de defesa no primeiro. Rechaço tal preliminar, tendo em vista que houve a expedição de citação no processo mais novo (0065076), conforme se verifica do ev. nº. 08, tendo havido a leitura no ev. nº. 20. Considerando, ainda, o fato de que no ev. 77 (processo antigo), a parte demandada se reservou ao direito de ¿apresentar defesa na próxima assentada¿; tendo ocorrido mais 02 audiências depois, nos ev. 107 e ev. 140, ou seja, houve tempo suficiente para elaboração da defesa e exercício do contraditório. E a audiência foi cancelada no processo novo, justamente pelo reconhecimento da prevenção, conforme despacho do ev. 27 (processo novo). Ainda, conforme apontado no art. 18, § 3º da Lei 9.099/95, o comparecimento espontâneo supre a falta ou nulidade da citação. Veja-se que a demandada estava presente na audiência de conciliação, bem como em todas as demais audiências, e a nulidade somente será reconhecida se demonstrado prejuízo (art. 13, § 1º, da Lei 9.099/95). Portando, rejeitada a preliminar. De outro modo, alega PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, atribuindo a competência à JUSTIÇA DO TRABALHO, considerando que a assistência prestada pelo REDE SAÚDE TOTAL é um benefício concedido que decorre de um acordo coletivo de trabalho. Mais uma vez rejeito tal vindicativa, pois, é cediço que a Constituição Federal estabelece em seu art. 114 que: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Não se verificando entre as hipóteses do referido artigo, que se amolde à presente lide. Ademais, prevê o § 2º, inciso IV, do art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho que: "Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (...) § 2o Para os efeitos previstos neste artigo, NÃO serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: IV - assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde; Logo, considerando que a controvérsia da ação originária consiste exatamente sobre assistência médica fornecida pela empregadora (ou ex-empregadora) a seu empregado, conclui-se que ela não decorre da relação de trabalho, mas sim da responsabilidade civil da empregadora em exigir o cumprimento integral do contrato de plano de saúde contratado por ela a seus empregados, o que afasta, por óbvio, a competência da Justiça do Trabalho[2]. As ações originadas de controvérsias entre usuário de plano de saúde coletivo e entidade de autogestão (empresarial, instituída ou associativa) não se adequam ao ramo do Direito do Trabalho, tampouco podem ser inseridas em "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho" (art. 114, IX, da CF), sendo, pois, predominante o caráter civil da relação entre os litigantes, mesmo porque a assistência médica não integra o contrato de trabalho. (REsp 1695986/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 06/03/2018). O atual entendimento do STJ (agora em precedente qualificado) afirmando a competência da Justiça do Trabalho apenas nos conflitos em que as regras de assistência à saúde envolvam planos de autogestão empresarial e estejam previstas em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva de trabalho; não tendo sido apresentado nos autos o acordo ou convenção que faça declinar a competência para aquela Justiça especializada. Aduz, ainda, AUSÊNCIA DE TRIANGULAÇÃO PROCESSUAL, invocando que, por ocasião do ev. 107, a acionada requereu a citação da outra acionada, bem como não foi obedecido interstício legal para realização da audiência. Ora tal pedido de inclusão/citação da outra acionada no polo passivo da ação não comporta acolhimento, pois não se admite a intervenção de terceiro[3] no âmbito dos Juizados Especiais, conforme dispõe o art. 10 da Lei n. 9.099 /95, em razão dos princípios da informalidade e da celeridade, o rito dos Juizados Especiais, que assim dispõe: "Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência (...)". E quanto ao interstício legal, não se aplica ao procedimento da Lei nº 9.099/95 a disposição do art. 277 do CPC, que estabelece o prazo mínimo de dez dias entre o recebimento da citação e a audiência. Tal se dá pelo caráter excepcional da aplicação subsidiária das normas codificadas ao processo do JEC, restando afastada por colidir com o princípio da celeridade e com a previsão do art. 16 da Lei nº 9.099 /95. Além disso, não existe aqui a necessidade de prazo para elaboração de defesa, visto que a citação é para comparecer à sessão de conciliação, instalando-se a instrução no mesmo ato somente se não houver prejuízo à defesa. Quanto à PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR, a determinação de que o Reclamante comprove seu interesse de agir por meio da prévia tentativa de solução administrativa vai de encontro ao livre acesso ao Poder Judiciário. O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição: [...] ¿XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito¿. Assim, entendo que a ausência de requerimento administrativo que vise a resolução da situação narrada na inicial não impede a propositura de ação perante o Juizado Especial Cível, pois a tentativa de solução prévia, que é facultativa, não é um requisito previsto em lei para que a parte busque a devida prestação jurisdicional. E a saúde, por se tratar de um bem essencial, basta a simples violação deste direito, para que surja o interesse de agir. NO MÉRITO, a parte autora alega ser beneficiário do plano de saúde (REDE SAUDE TOTAL) fornecido por esta Recorrente, empresa da qual é empregado desde o dia 18/07/2014, encontrando-se atualmente afastado pelo INSS por motivo de doença desde 2015, em razão de um Acidente Vascular Cerebral. Relata que aos 69 anos, cadeirante, com sequela de AVC, portador de HAS DLP, vem cursando com dor torácica, palpitações, elevação de PA e encontra-se em programação cirúrgica, razão pela qual necessita realizar exames complementares para o adequado seguimento clínico e diagnóstico, conjuntamente com a avaliação pré-operatória. Aduz que desde 1° de março/2018 que vem solicitando autorização para a realização dos exames pré-operatórios, sem, contudo, obter êxito, pois o acionado não responde às solicitações, não lhe restando outra alternativa senão pedir socorro ao Judiciário. Requereu, portanto: a) A concessão da medida liminar para determinar que fosse prestada, de imediato, a cobertura para a realização de todos os exames necessários para o seu pré-operatório, bem como a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no montante não inferior a R$5.000,00 (cinco mil reais). As acionadas foram revéis, pois não apresentaram defesa em nenhuma oportunidade. A recorrente, inclusive, apesar de ter comparecido à todas as assentadas, também não apresentou defesa. Primeiramente, deve-se pontuar que a parte demandada, ainda que intimada, não respondeu aos termos do processo, sendo-lhe decretada a revelia na fase de conhecimento. Portanto, devem ser tidas como verdadeiras as alegações infirmadas pelo autor, porque não existiu contestação, sofrendo os efeitos da revelia, que tem como principal consequência o quanto previsto no art. 344 do NCPC: ¿Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor¿. Segundo: a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida da parte reclamante. Havendo previsão contratual para cobertura da moléstia, o tratamento a ser aplicado, nessas condições, deve ser sempre o mais recomendado pelo médico que assiste a parte autora e que indicou a utilização de material cirúrgico necessário, observando as necessidades do procedimento[4]. Não se sustenta a negativa de cobertura uma vez que a função social da prestação de serviço de saúde é dar pronto e adequado atendimento ao segurado em situação de perigo de saúde, de modo a preservar a sua integridade física e psicológica, de acordo com as legítimas expectativas estabelecidas com a celebração do contrato. Existentes previsões normativas e contratuais a indicarem a obrigatoriedade de cobertura de exame e diagnóstico pelo plano, a recorrente não se desincumbiu de seu ônus probatório quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora, consoante art. 373, II do Código de Processo Civil. Não se pode excluir da cobertura o tratamento ou exame prescrito pelo médico, porquanto essencial para a saúde do beneficiário. Tratando-se de doença coberta, é de competência do médico, e não da operadora do plano, a escolha da terapia e tratamentos relativos à patologia. O autor trouxe o relatório do médico que o acompanha, indicando de modo pormenorizado o histórico de tratamento e a justificativa para a realização do exame. Descabida, assim, a recusa da operadora de plano de saúde de atender ao procedimento determinado pelo médico que acompanha o autor, porquanto a própria Constituição da República regulamenta a necessidade de observância aos princípios da dignidade da pessoa humana, da vida e da saúde, mesmo que em detrimento de eventuais direitos patrimoniais. A recusa em autorizar e custear o tratamento recomendado pelo médico que acompanha o autor ultrapassa o mero dissabor, acarretando dano à personalidade. A conduta foi irregular e submeteu o paciente a situação constrangedora, de modo que, reputando-se abusiva a negativa quanto ao custeio do referido tratamento, o dissabor experimentado, no caso concreto, comporta compensação. Nesse sentido, entendo que a atuação ilícita atribuída à parte recorrida causou prejuízo de natureza moral à Recorrente, passível, portanto, de compensação pecuniária. A sistemática jurídica descansou a definição do dano moral na mera violação do direito subjetivo da personalidade, tornando desnecessária a efetiva constatação da real existência da dor espiritual da vítima do evento. Isto porque, nem a autora poderia demonstrar a dor por si mesmo experimentada, tampouco a ré poderia produzir qualquer prova em sentido contrário porque a dor moral não é possível de concretização no plano natural. Vale dizer, o dano é presumido pelo legislador ante a simples conduta praticada pelo agente. Com relação ao quantum indenizatório, é fato que a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade e, ainda, deve levar em consideração a intensidade do sofrimento do ofendido, a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável, a situação econômica deste e também da vítima, de modo a não ensejar um enriquecimento sem causa do ofendido. Considerando as circunstâncias fáticas que nortearam o presente caso, o valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), se mostra deveras excessivo; em que pese a condição de cadeirante e idoso da parte autora, a negativa não foi para procedimento cirúrgico, mas de exames, dentre outros procedimentos médicos. Mostra-se, portanto, adequada e razoável a redução para fixação dos danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), eis que tal importância não proporcionará enriquecimento indevido e exagerado do autor e, ainda, é capaz de impor punição à ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente, além de ser compatível com os parâmetros desta E. Turma. Ante o exposto, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, tão somente para reduzir o quantum indenizatório para R$ 5.000,00 (cinco mil reais); mantendo os demais termos da sentença impugnada. Custas recolhidas, sem pagamento de honorários advocatícios, em virtude do êxito parcial da recorrente. Salvador, Sala das Sessões, 23 de fevereiro de 2021. ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA Juíza Relatora
(TJ-BA, Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0065076-89.2019.8.05.0001, Órgão julgador: QUINTA TURMA RECURSAL, Relator(a): ELIENE SIMONE SILVA OLIVEIRA, Publicado em: 02/03/2021)