AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ELEIÇÃO PARA O CARGO DE OUVIDOR(A) GERAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ. ORDEM LIMINAR QUE ATENTA CONTRA A AUTONOMIA DA DEFENSORIA PÚBLICA E AO
ART. 134 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. Em sede de Ação Ordinária, interposto em agosto de 2021, entidades da sociedade civil requereram, liminarmente, que a Defensoria Pública do Estado do Ceará não nomeie, como seu Ouvidor-Geral, o ora agravante, por ter sido escolhido em processo que não observou os princípios da Legalidade, Publicidade, Impessoalidade e Eficiência. Em 06 de dezembro de 2021,
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...o juízo da 10ª Vara da Fazenda Pública, após oportunizar Contestação, em decisão acostada às fls. 274/284 dos autos originários (Processo Nº.: 0259281-23.2021.8.06.0001), deferiu o pleito liminar entendendo, em síntese, 1) pela inobservância ao princípio da publicidade, tendo em vista que houve o descumprimento do art. 17 da Resolução n.º 171/2019; 2) Pela ausência de lista tríplice, uma vez que houve nove candidaturas para Ouvidor(a) Geral, mas apenas uma restou deferida pela Comissão Eleitoral; e por fim, 3) diante dos documentos constantes nos autos, levou em consideração o Parecer do Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas. In casu, a presente lide traz ao debate o controle judicial de suposta ilegalidade perpetrada no curso de processo administrativo eleitoral para o Cargo de Ouvidor (a) Geral da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Atualmente, tem-se entendido que o controle de legalidade dos atos administrativos deve alcançar não só os seus aspectos formais, mas também os seus aspectos substanciais, cabendo ao Poder Judiciário observar se os motivos que determinaram sua prática pela Administração são, de fato, verídicos e válidos, sem que isso implique violação ao princípio da separação dos poderes. Outrossim, no vertente caso, também está em discussão os limites da Autonomia Administrativa da Defensoria Pública. É salutar ponderar que a autonomia administrativa pressupõe a capacidade de autogoverno, exercido a partir da capacidade de se organizar e de gerir os seus serviços e atividades, de forma que nenhum ato possa interferir na sua atuação. Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, passou o art. 134, § 2º, da Constituição Federal a assegurar expressamente às Defensorias Públicas dos Estados autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária, obedecendo-se os limites estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias. Pela análise de julgados do Supremo Tribunal Federal, podemos concluir que a autonomia administrativa permite à Defensoria Pública estabelecer a forma como serão os seus órgãos de administração superior e de atuação, de maneira independente e livre da interferência dos demais Poderes Estatais. Não obstante esteja em princípio afastada a interferência do Poder Judiciário, essa atividade administrativa não está imune ao controle jurisdicional, caso reste evidenciada ilegalidade nos critérios adotados pela Defensoria Pública. A vinculação quanto à gestão orgânica está expressamente prevista na Lei Complementar nº 80/1994 (arts. 106-A e 107) e na Constituição da República (arts. 93, XII c/c o art. 134, § 4º, da CRFB e art. 98 do ADCT). Por outro lado, sendo observados os critérios normativos e ainda subsistindo espaço de escolha, essa avaliação passa a ser discricionária da administração superior, não podendo o Poder Judiciário intervir nesse ponto. No caso dos autos, os agravados se insurge quanto ao resultado desfavorável advindo do processo administrativo, o que não permite ao Judiciário modificar o entendimento adotado como razão de decidir do CONSELHO SUPERIOR DO DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO - CONSUP, órgão da administração superior que exerce as atividades consultivas e normativas no âmbito da Defensoria Pública do Estado, quando procedida a avaliação administrativa do caso obedecendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O processo eleitoral em questão teve início em 07 de junho de 2021, através da Publicação do Edital nº 001/2021. Destaco também que a Resolução nº 171/2019, do CONSUP regulamenta o processo eleitoral para preenchimento do cargo de ouvidor (a) da Defensoria Pública, dispondo a respeito das fases para a inscrição de entidades e candidatos, bem como apontando os procedimentos de competência da Comissão Eleitoral e os trâmites dos recursos a serem encaminhados ao Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Ceará - CONSUP. De acordo com o art. 9º, do Edital nº 01/2021, caberia recurso, qual seja pedido de reconsideração, para a própria Comissão Eleitoral, em caso de indeferimento da inscrição. No caso em tela, foram apresentados pedidos de reconsideração, tanto das Entidades, como dos candidatos, junto à comissão eleitoral. Acerca do julgamento dos recursos, a Defensora Pública-Geral, informa, consoante Ofício n.º 654/2021/DPGE/GAB, o seguinte: "Na oportunidade, ressalta-se que os indeferimentos das candidaturas para o cargo de ouvidor se deram em razão da não juntada de certidões de antecedentes criminais e documentos de comprovação de atuação social. Em análise a Ata da Sessão realizada no dia 27 de julho de 2021, vejamos as razões apresentadas por um dos Conselheiros: (...) Embora as comissões eleitorais anteriores tenham flexibilizado as normas, aceitando e deferindo inscrições sem a devida comprovação da documentação exigida, e isso se vê da própria documentação que acompanha os processos, o que o Conselho fez nas oportunidades anteriores, foi justamente corrigir isso, de modo que todos fossem tratados da mesma forma. O Edital respectivo não exige nenhum rigor técnico ou formal na elaboração do relatório em questão, bastando tão somente uma apresentação que relate e comprove a atuação na defesa dos Direitos Humanos, do mesmo modo que são certidões simples, que se tira pela internet. Registre-se que não houve nenhuma impugnação ao edital. Pelo contrário, houve concordância expressa com o edital (venire contra factum proprium), já que consta no Edital ser obrigatória a apresentação de termo de compromisso aceitando os termos do edital, como se vê do inc. III , do art. 5°, do Edital: (...) Diante do que foi apresentado, não obstante a existência de precedentes do próprio CONSUP, o Conselho Superior da Defensoria Pública deliberou pela impossibilidade de posterior juntada de documento em sede recursal, o que culminou com o indeferindo das demais candidaturas, restando apenas uma para homologação. Desse modo, atendendo ao exigível e justificável rigor formal do pleito, é necessária a observância de todas as regras atinentes à matéria, inclusive, é claro o edital de convocação nº 001/2021, de vinculação obrigatória. Por fim, em relação ao conteúdo do artigo 20 da Resolução 171/2019, é facultada à Defensoria decidir pela notificação ou não do Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas - CNODP. Assim, a fiscalização da lisura do processo por parte da CNODP não é medida imprescindível para o devido procedimento administrativo. Diante do que está nos autos, levando-se em conta que o Poder Judiciário, em regra, não deve/pode adentrar no mérito do ato administrativo sob risco de ferir a separação dos poderes, ante a usurpação de função administrativa, não há como sustentar que as agravadas demonstraram a probabilidade do direito. Dessa forma, a referida ordem liminar atenta contra a autonomia da Defensoria Pública e ao
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Constituição Federal. Recurso conhecido e provido. Decisão reformada.
(TJ-CE; Agravo de Instrumento - 0638526-13.2021.8.06.0000, Rel. Desembargador(a) TEODORO SILVA SANTOS, 1ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 05/09/2022, data da publicação: 05/09/2022)