PENAL. PROCESSO PENAL. CIGARROS. CONTRABANDO. INSIGNIFICÂNCIA. MERCADORIA PROIBIDA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REDUZIDA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.
1. A jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte revela que, sob a vigência do
art. 334 do
Código Penal em sua redação anterior à
Lei n. 13.008/14, nas hipóteses em que o agente importou, exportou, transportou, manteve em depósito, vendeu, expôs à venda ou adquiriu, recebeu,
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...ocultou ou utilizou em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, cigarros de origem estrangeira, produto de importação restrita, resta configurado o crime de contrabando por terem sido atingidos bens jurídicos de natureza diversa (erário, saúde pública, higiene, ordem econômica etc.), afastando-se, em regra, a incidência do princípio da insignificância.
2. Isso porque as condutas tipificadas pelas alíneas do § 1º do art. 334 do Código Penal, ao se referirem a “fatos assimilados, em lei especial, a contrabando ou descaminho” (alínea b), a “introdução clandestina” e “importação fraudulenta” (alínea c), e a “mercadoria desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos” (alínea d), podem configurar tanto o crime de contrabando como o de descaminho, a depender do objeto material e da forma como praticado o delito: se mercadorias de internalização permitida ou proibida e se acompanhadas de documentos falsos ou não acompanhadas de qualquer documentação legal, seja porque inadmitido em absoluto sua introdução no país, seja porque exigido, para ingresso, o cumprimento de requisitos legais perante as autoridades, fazendária ou sanitária, não observados pelo agente.
3. Trata-se de decorrência lógica tanto da redação do § 1º, que se referia ao caput de maneira genérica (“incorre na mesma pena quem”), quanto do significado e da própria origem dos vocábulos (do latim clandestinus, que se faz às escondidas, em segredo, e do latim fraus – fraudis, engano malicioso, ação astuciosa, promovidos de má fé para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever). Tanto é assim que a nova redação do art. 334-A do Código Penal, que trata inequivocamente do delito de contrabando, incluiu no inciso II do § 1º a conduta de importar “clandestinamente” mercadorias.
4. Especificamente no caso de cigarros de origem estrangeira, a ANVISA apresenta as listas das marcas de cigarros, charutos e outros produtos cadastrados na Resolução RDC nº 90/2007, cujo art. 3º estabelece que “é obrigatório o registro dos dados cadastrais de todas as marcas de produtos fumígenos derivados do tabaco fabricadas no território nacional, importadas ou exportadas”. As marcas que não constam nas referidas listas divulgadas pela ANVISA ou que tiveram seus pedidos de cadastro indeferidos não podem ser comercializadas no Brasil. Os maços de cigarros estrangeiros não tiveram sua qualidade e conformação a normas sanitárias verificadas pelas autoridades competentes, afora serem desprovidos de selo de controle de arrecadação e apresentarem inscrições em idiomas diversos do português, não possuindo os textos legais exigidos pela legislação vigente como requisito para circulação e comercialização no mercado nacional, em desconformidade com requisitos obrigatórios (Resolução ANVISA - RDC nº 335/2003 e suas alterações).
5. Por tal motivo, eventual referência na denúncia à “ausência de documentos comprobatórios de regular importação” tem justamente a finalidade de apontar a não comprovação da submissão dos produtos aos controles nacionais e a realização de cálculo de “tributos iludidos” por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil não faz presumir que estaria caracterizado o crime de descaminho. Referida avaliação tem fins estatísticos, como apontado nas próprias manifestações daquela Secretaria nos autos referentes ao crime envolvendo cigarros no sentido de que são "valores estimados que incidiriam em uma importação regular, para fins meramente estatísticos para a Secretaria da Receita Federal” (cf., a título de exemplo, fls. 99/101 dos autos da ACr n. 2009.61.08.009428-8, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 06.02.17), mesmo porque não se concebe a incidência de tributos na internalização de mercadorias objeto de contrabando, tanto quanto na internalização de drogas no crime de tráfico transnacional de entorpecentes. Não há, assim, cálculo dos tributos iludidos stricto sensu, mas aferição do “valor de mercado” dos cigarros e do impacto financeiro advindo da conduta criminosa à economia nacional em decorrência da introdução irregular de cigarros estrangeiros, indicando-se, ainda, o valor de tributos que seriam incidentes sobre a eventual importação regular de cigarros que fossem de internalização permitida.
6. Assim, como os arts. 2º e 3º do Decreto n. 399/68 equiparavam ao crime do art. 334 do Código Penal as condutas de adquirir, transportar, vender, expor à venda, ter em depósito e possuir cigarros de procedência estrangeira, a jurisprudência admite sua tipificação como contrabando com fundamento no art. 334, § 1º, b, do Código Penal (STJ, AgRg no Ag em REsp n. 697456, Rel Min. Nefi Cordeiro, j. 11.10.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 00014644420124036006, Rel. Des Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACr n. 00000804120154036006, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 22.08.16; ACr n. 00000446720134036006, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 16.02.16; ACr n. 00031384620104036000, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 01.02.16; TRF da 4ª Região, ACr n. 0001823.63.2006.404.7109, Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen, j. 17.07.15). No caso de cigarros de origem estrangeira introduzidos clandestinamente e importados fraudulentamente, resta também caracterizado o contrabando, nos termos da alínea c do art. 334 do Código Penal (TRF da 3ª Região, ACr n. 0000663-30.2014.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 23.01.17; ACR n. 00002595320084036124, Des. Fed. Cecília Mello, j. 28.09.16; ACR n. 00003476020144036131, Des. Fed. José Lunardelli, j. 01.09.16; ACR n. 0006003-12.2010.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, j. 08.11.16). Por fim, na hipótese de cigarros de origem estrangeira desacompanhados de documentação legal ou acompanhados de documentos falsos, conforme a alínea d do art. 334 do Código Penal, configura-se igualmente o contrabando (STJ, AgRg no HC n. 129382, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23.08.16; TRF da 3ª Região, ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0007603-59.2010.4.03.6110, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, j. 13.09.16).
7. O princípio da insignificância é aplicável ao delito de descaminho, mas, no caso do contrabando, no qual as mercadorias são de internação proibida, não há falar em crédito tributário e, em consequência, aplicabilidade do princípio da insignificância (STJ, REsp n. 193367, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 20.05.99; TRF da 3ª Região, ACr n. 200203990130429, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 27.08.08; ACr n. 200561210020440, Rel. Des. Fed. Vesna Komar, j. 19.05.09; TRF da 4ª Região, Rel. Des. Fed. Taadaqui Hirose, j. 17.11.09; TRF da 1ª Região, RCCR n. 200438000418647, Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro, j. 30.09.08).
8. Não merece guarida a alegação de ausência de prova do delito, estando comprovado o propósito de comercialização dos cigarros contrabandeados, conforme se vê do Auto de Exibição e Apreensão, boletim de ocorrência, Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias e laudo pericial, bem como do termo de declarações do réu e da testemunha Policial, sendo o acervo probatório convalidado perante o Juízo.
9. Trata-se de mercadoria internalizada de forma clandestina, de modo que não incidem tributos, não havendo que se falar em pagamento de tributos e consequente extinção da punibilidade.
10. Autoria e materialidade comprovadas.
11. A prestação pecuniária fixada na sentença recorrida mostra-se excessiva, considerando o baixo favor das mercadorias contrabandeadas ou presença de condições econômicas manifestamente favoráveis do réu, que declarou estar desempregado e é beneficiário da Justiça Gratuita, não se justificando tal exacerbação, por conseguinte de se reduzir o valor da prestação pecuniária para 1 (um) salário mínimo vigente à época do pagamento, em favor de entidade pública a ser definida pelo Juízo da execução.
12. Apelação provida em parte.
(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0010311-89.2009.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, julgado em 11/05/2021, Intimação via sistema DATA: 14/05/2021)