PROCESSO Nº: 0000562-68.2014.4.05.8107 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRENTE ADESIVO: BANCO DO BRASIL SA ADVOGADO:
(...) ADVOGADO:
(...) APELADO: Os mesmos ADVOGADO: Os mesmos RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Leonardo Carvalho - 2ª Turma MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador(a) Federal Bianor Arruda Bezerra Neto JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Ciro Benigno Porto EMENTA:ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MOVIMENTAÇÃO DE CONTA VINCULADA A FUNDO QUE TEM POR FINALIDADE A EXECUÇÃO DE TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS. PROGRAMA NACIONAL DE APOIO AO TRANSPORTE ESCOLAR - PNATE. NECESSIDADE DE MOVIMENTAÇÃO EM CONTA ESPECÍFICA. ACATAMENTO DE ORDEM EXPEDIDA
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...POR PREFEITO MUNICIPAL PARA TRANSFERÊNCIA DE VALORES PARA A CONTA ÚNICA DO TESOURO MUNICIPAL. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESSARCIMENTO E DANOS PATRIMONIAIS DIFUSOS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, através da qual busca a condenação do Banco do Brasil S/A: (i) no ressarcimento à União do valor de R$ 39.610,00 (trinta e nove mil seiscentos e dez reais), bem como em (ii) danos patrimoniais difusos no mesmo valor. 2. Para o Ministério Público Federal, a instituição financeira ré, ao acatar ordem do ex-prefeito do Município de Milhã, José Cláudio Dias de Oliveira, no sentido de transferir recursos da conta específica do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE para a conta única do município, cometeu ato ilegal, nos termos da Lei nº 11.494/2007, da Lei nº 10.880/2004 e do Decreto nº 7.507/2011, os quais impõem a segregação de contas dos fundos, dentre os quais aquele destinado ao recebimento de recursos do PNATE. 3. A demanda foi julgada improcedente, tendo o Juízo de origem destacado que "as transferências da conta específica do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE das quantias de 20.700,00 (vinte mil e setecentos reais), R$ 4.000,00 (quatro mil reais), R$ 6.390,00 (seis mil trezentos e noventa reais) e R$ 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos reais), que perfazem o total de R$ 61.490,00 (sessenta e um mil e quatrocentos e noventa reais), realizadas nos dias 10/08/2012, 05/10/2012, 10/10/2012 e 28/12/2012, para a conta única do município não são por si ilegais e, portanto, não estava o BANCO DO BRASIL S.A. obrigado a obstá-las". 4. O Ministério Público Federal apela, insistindo que o Decreto nº 7.507/2011 impõe ao réu a obrigação de atuar para que os métodos legalmente exigidos nesse normativo não sejam desrespeitados, de maneira que as instituições financeiras oficiais, nas quais são abertas contas para viabilizar o repasse das transferências legais ou voluntárias, somente poderão acatar ordens de movimentação de recursos diretamente para a conta de fornecedor, isto é, para a pessoa jurídica de direito privado ou natural que venda mercadorias ou preste serviço ao município. Segundo o apelante, como o decreto não faz referência aos gestores, mas sim às próprias instituições bancárias e a modalidades de operações financeiras, é intuitivo que a norma destina-se ao Banco do Brasil, mesmo porque os gestores já estavam obrigados a manter os recursos federais em contas específicas pela legislação já existente. Assim, ao optar por um modelo de movimentação de recursos, o decreto obriga ao Banco do Brasil possibilitar ao gestor apenas o tipo de operação escolhido (crédito na conta bancária do destinatário final), devendo o banco adequar-se ao comando exarado pelo chefe do Poder Executivo. 5. O Banco do Brasil, por sua vez, apresentou recurso adesivo, ocasião em que insistiu nas três questões processuais postas em sua contestação: (i) ilegitimidade passava "ad causam", uma vez não deu causa à caracterização do suposto ilícito sustentado pela parte recorrida, assim como não pode ser responsabilizado por ato de terceiro, ou seja, por eventual desvio de recursos praticado pelo gestor municipal; (ii) ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, porque busca o ressarcimento de valores que pertencem, em tese, à União, ente que poderia ter proposto a demanda, não sendo sua atribuição, portanto, demandar judicialmente nos termos postos na inicial; (iii) caso as preliminares anteriores não sejam acolhidas, que seja acatado seu pedido de denunciação da lide com relação ao ex-prefeito (...), uma vez que, se houve algum desvio de recursos, ele é que deve ser responsabilizado. 6. Inicialmente, com relação à preliminar de ilegitimidade passiva para a causa, esta não deve ser acolhida, porque, segundo a narrativa constante da inicial, o Banco do Brasil foi quem deu causa ao prejuízo que se busca reparar, de maneira que, como o CPC, tratando-se dessa condição da ação, adota a "teoria da asserção", a pertinência subjetiva deve ser examinada no contexto da relação jurídica afirmada pela parte demandante em sua inicial. Ao fim, trata-se mais de um problema de mérito do que processual, porque somente com o exame da "res in judicium deducta" é que se vai definir os contornos da relação jurídica de direito material no caso concreto. 7. No que diz respeito à ilegitimidade ativa, também suscitada pelo Banco do Brasil, esta igualmente não tem como ser acolhida. Com efeito, o MPF tem entre suas atribuições zelar pelo interesse público primário do Estado, ou seja, aquele relacionado com seus fundamentos e suas bases, como a república, a democracia, o pacto federativo, valores componentes daquilo que se tenta designar como "bem comum" ou "interesse público". Além disso, o art. 129 é expresso ao conferir-lhe a atribuição para zelar pelo patrimônio público, de sorte que o "parquet" tem ampla representatividade institucional para justificar sua legitimidade passiva em demanda na qual busca providências judiciais para que a instituição financeira se adéque a protocolos legais de movimentação bancária envolvendo contas públicas, especialmente aquelas vinculadas a fundos destinados a transferências voluntárias. 8. Quanto a este ponto, importante conferir a jurisprudência do STJ, que trata de situação que se adéqua ao caso em exame: "2. Inicialmente, é de se asseverar a legitimidade ativa ad causa do Ministério Público que, na espécie, ao contrário do que se alega, não funciona como acautelador de interesses patrimoniais do erário, mas como guardião da legalidade e da moralidade administrativa e do patrimônio público, na forma do que dispõe o art. 129, inc. III, da Constituição da República vigente. 3. No caso concreto, o Ministério Público noticiou que pode ter havido conluio entre agentes públicos e particulares para fins de burlar o comando do art. 37, inc. XXI, da Constituição da República (e de diversos dispositivos legais encontrados na Lei n. 8.666/93), derivando a (necessária) nulidade do contrato e a recomposição do erário. 4. Como se nota, o benefício ao interesse público secundário é mera decorrência de providências tomadas como medidas que dizem com interesse público primário (inclusive de status constitucional). Daí porque o Ministério Público não atua como advogado do Estado, mas como promotor do interesse público primário". (REsp. n.º 773.280, relator o Ministro Mauro Campbell, julgado no dia 15/10/2009) 9. No que diz respeito à denunciação da lide do Prefeito Municipal, esta não tem pertinência com o caso em questão. É que esse instituto é destinado à intervenção de terceiro, na posição de corréu, quando ele funciona como garante da relação jurídica principal e que é objeto da lide. Nos termos do art. 125, é o caso do alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam, bem como o caso daquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo. Na hipótese dos autos, esta situação de garante não existe. O que o Banco do Brasil, em verdade, pretende é dividir o ônus de responder a esta demanda com quem ele entende que é o único responsável pelo dano apontado pelo autor, situação que não comporta a denunciação da lide. 10. Com relação ao mérito, deveras, há um conjunto de normas estabelecendo protocolos de segurança para a movimentação bancária de contas destinadas a receber recursos oriundos de fundos públicos de transferência voluntária para estados e municípios: Lei nº 11.494/2007, Lei nº 10.880/2004 e Decreto nº 7.507/2011 11. No caso, o gestor municipal solicitou ao Banco do Brasil que transferisse recursos depositados na conta específica do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE, destinados ao Município de Milhã, para a conta geral, ou seja, para a conta única do tesouro municipal. Então, o ponto controvertido é o seguinte: saber se o acatamento dessa ordem, por parte da instituição federal, foi ilegal e se ela responde, em decorrência de tal ilegalidade, pelos danos causados ao patrimônio público, que seriam presumidos. 12. Segundo a sentença recorrida, a resposta é negativa, pois, "no âmbito do programa de transporte escolar, não há obrigatoriedade de que os recursos sejam movimentados exclusiva e diretamente dos fundos estaduais, distrital e municipais. Desse modo, as transferências da conta específica do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar - PNATE das quantias de 20.700,00 (vinte mil e setecentos reais), R$ 4.000,00 (quatro mil reais), R$ 6.390,00 (seis mil trezentos e noventa reais) e R$ 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos reais), que perfazem o total de R$ 61.490,00 (sessenta e um mil e quatrocentos e noventa reais), realizadas nos dias 10/08/2012, 05/10/2012, 10/10/2012 e 28/12/2012, para a conta única do município não são por si ilegais e, portanto, não estava o BANCO DO BRASIL S.A. obrigado a obstá-las. No caso concreto, a instituição financeira não falhou enquanto depositária dos recursos do PNATE". 13. Para o Juízo de origem, embora o Decreto n.º 7.507, de 27 de junho de 2011, que dispõe sobre a movimentação de recursos federais transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, se aplique aos valores transferidos no âmbito do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar - PNATE, ele não veda, em seu art. 2.º, a transferência de valores da conta específica do programa para a conta única do tesouro municipal. 14. Nesse ponto, penso que tem razão o Ministério Público Federal. A Lei n.º 10.880, de 9 de junho de 2009, que institui o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar - PNATE e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, é clara ao dispor que a transferência de recursos financeiros, objetivando a execução descentralizada dos referidos programas, deve ocorrer "mediante depósito em conta-corrente específica". 15. A necessidade dessa restrição é permitir o acompanhamento dos gastos, pois, do contrário, ou seja, se forem depositados na conta única do tesouro municipal e, portanto, mesclados com dezenas de outras verbas de origem variada, o controle quanto a sua correta aplicação, se não impossível, torna-se bem mais difícil. 16. Aqui não se discute como as despesas poderão ser feitas, se exclusivamente por transferência eletrônica e, excepcionalmente, mediante saques. O que se discute é a necessidade de se manter os recursos em conta específica, especialmente quando a sua transferência para conta única não foi devidamente justificada. 17. É certo que LC n.º 141/2012, em seu art. 2.º, parágrafo único, é explícita ao dizer que, com relação às despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, estas deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde. Todavia, penso que igual restrição pode ser inferida a partir da Lei n.º 10.880/2009, interpretada em conjunto com o Decreto n.º 7.507/2011, nos termos acima. 18. Todavia, daí não é possível se concluir que a instituição financeira deve ser responsabilizada pelo ressarcimento dos valores transferidos, mediante ordem de autoridade competente, da "conta específica" para a "conta única do tesouro municipal", bem como por presumidos danos patrimoniais difusos no mesmo valor. 19. Para que seja possível a imputação de responsabilidade civil por ressarcimento ou danos materiais difusos, imprescindível que se demonstre, nos termos dos artigos 927 e seguintes do Código Civil, o elemento subjetivo do dolo ou da culpa, o dano e o nexo de causalidade. Na hipótese, não há a presença da má-fé nem da negligência, da incúria ou da desídia da instituição financeira, que se limitou a acatar ordem de autoridade competente. Dessa maneira, não há que se falar também em dano presumido, de maneira que a imputação pretendida não deve ser acolhida. 20. Em caso de falta administrativa, se houver norma nesse sentido, a instituição financeira pode ser punida pelo Banco Central do Brasil, entidade encarregada da fiscalização de suas atividades, nos termos da
Lei n.º 4.595/64, que estrutura o Sistema Financeiro Nacional e dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, bem como cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. 21. Apelação e recurso adesivo não providos.
(TRF-5, PROCESSO: 00005626820144058107, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL BIANOR ARRUDA BEZERRA NETO (CONVOCADO), 2ª TURMA, JULGAMENTO: 28/04/2020)