PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME DE FRAUDE À LICITAÇÃO.
ART. 90 DA
LEI 8666/93. TOMADA DE PREÇOS. CONDENAÇÃO DO SÓCIO DA EMPRESA VENCEDORA DO CERTAME E DE AGENTES PÚBLICOS MUNICIPAIS. MATERIALIDADE E AUTORIAS COMPROVADAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONLUIO E DOLO EVIDENCIADOS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. APELOS IMPROVIDOS. 01. Apelações interpostas por N.
C.C.G, M.R.L.M, N.A.A., H.S.G.S., contra a sentença que os condenou pela prática delitiva insculpida no
art. 90, da
Lei 8.666/93. 02.
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...Segundo a inicial acusatória, a ação penal em epígrafe foi intentada a partir dos elementos de investigação colhidos no âmbito da Operação Gasparzinho, que identificara a existência de uma organização criminosa voltada à prática de fraudes em licitações por todo o Estado da Paraíba, mediante a constituição de empresas de fachada e montagem de procedimentos licitatórios. 03. In casu, o certame fraudado foi a Tomada de Preços nº 03/2011, que tinha por objeto a contratação de empresa especializada para a realização de obra e serviço de engenharia para pavimentação em paralelepípedo em 25 vias públicas do Município de Esperança/PB, sendo custeada com recursos do Ministério das Cidades. 04. Conforme informações dos autos, apesar de 07 empresas terem participado da Tomada de Preços referida, apenas 04 foram habilitadas, quais sejam: a) Contemporânea Construções e Serviços; b) Gima Construções e Incorporações; c) Alserv Construtora; d) Jada Construções e Incorporações. Dessas, a empresa GIMA CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES, cujo proprietário de fato é o apelante N.C.C.G, sagrou-se vencedora, com uma proposta no importe de R$ 1.016.620,79 (um milhão, dezesseis mil, seiscentos e vinte reais e setenta e nove centavos). 05. Consoante a denúncia, investigações realizadas durante a Operação Gasparzinho identificaram que as 4 (quatro) empresas habilitadas possuíam relação entre si, tanto que, em uma diligência de Busca e Apreensão na sede das empresas GIMA e ALSERV - ambas administradas de fato pelo apelante N.C.C.G - foram encontrados vários documentos referentes às demais empresas participantes, o que reforça a existência de atuação em conjunto em fraudes a licitações. 06. A ação penal prosseguiu em relação a cinco réus - quatro deles, os ora apelantes - , porque os demais denunciados, citados por edital, não apresentaram resposta, tendo sido determinada a suspensão e o desmembramento do feito em relação a eles. 07. Acerca da materialidade do crime em comento, praticado na Tomada de Preços nº 03/2011, além de haver sido identificado, pela Controladoria Geral da União, que o edital continha exigências restritivas ao caráter competitivo e contrárias às determinações da Lei de Licitações - de forma a favorecer a empresa GIMA - , outros dados da simulação também foram identificados no decorrer do certame, tais como: a) das quatro empresas habilitadas, duas delas - a GIMA e a ALSERV - eram pertencentes ao réu N.C.C.G, e a proposta da ALSERV foi desclassificada sem qualquer justificativa e sem apresentar recurso; b) as outras duas empresas habilitadas, Contemporânea Construções e Serviços e Jada Construções e Incorporações, apresentaram propostas em valores idênticos entre si e idênticos ao valor contido no próprio edital, evidenciando a ausência de competitividade nas propostas e de interesse de ambas em vencer o certame; c) a empresa Gima Construções e Incorporações venceu a disputa com uma proposta em montante inferior ao valor orçado pela Prefeitura em pouco mais de R$ 1.500,00, o que significa uma diferença de apenas 0,15% do preço orçado, corroborando a existência do ajuste e da ausência de competitividade. 08. Como prova da materialidade, constam ainda, nos autos da Operação Gasparzinho, registros obtidos a partir da interceptação telefônica dos empresários envolvidos, no caso, o réu N.C.C.G, comprovando conversas existentes entre ele e os agentes públicos ora apelantes para garantir a vitória da sua empresa na licitação. 09. Em seu recurso, o empresário N.C.C.G defende, em suma: a) ausência de prova de sua participação em qualquer fraude; b) inexistência de dolo específico e de prejuízo ao erário. 10. Não prospera a alegação de inexistência de provas de sua participação no delito, visto que, além de haver sido demonstrado, durante as investigações da Operação Gasparzinho - anexadas aos autos - , que ele era o verdadeiro proprietário das empresas GIMA e ALSERV, ambas participantes do certame e possuidoras de sócios "laranjas", as interceptações telefônicas obtidas evidenciaram o conluio existente entre o apelante e agentes públicos do Município de Esperança/PB, para a "montagem" da Tomada de Preços nº 03/2011. 11. Colhe-se do Auto Circunstanciado nº. 04/2011 (mídia digital constante nos autos físicos) que, às vésperas da licitação Tomada de Preços n. 03/2011, ocorrida em 06/06/2011, o empresário N.C.C.G manteve vários contatos telefônicos com N.A.A., Chefe de Gabinete do Prefeito Municipal, e H.S.G.S., consultor técnico da Comissão de Licitação, em seus telefones particulares, a respeito do certame, assim como com a apelante M.R.L.M, pregoeira da Prefeitura. 12. É irrelevante a ausência de dano ao erário, diante da revogação da licitação - ocorrido pela falta de execução do contrato pelo licitante vencedor - , já que o crime do art. 90 da Lei 8666/93 é formal, sendo despiciendo, para a sua configuração, a ocorrência do resultado naturalístico. 13. Afastadas as teses defensivas do apelante N.C.C.G, é de se manter a condenação à pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de detenção em regime inicial semiaberto, e multa em 3,5% (três e meio por cento) do contrato que seria celebrado com a frustração a caráter competitivo de licitação. Apelo improvido. 14. O apelante N.A.A, chefe de gabinete do Prefeito, em suas razões, alegou: a) ausência de comprovação de que teria cometido fraude ou alguma ilicitude durante a licitação; b) as informações por ele repassadas estavam dentro da legalidade, já que o processo licitatório é público e não houve qualquer vantagem obtida por um dos participantes; c) inexistência do elemento subjetivo do tipo penal; d) ausência de dano ao erário; e) revisão da pena aplicada. 15. A participação do recorrente N.A.A na prática delitiva restou demonstrada pois ele, na condição de Chefe de Gabinete do então prefeito do Município de Esperança/PB, foi flagrado, através das interceptações telefônicas, fazendo uma série de ajustes com o empresário N.C.C.G, proprietário de fato da empresa GIMA, inclusive se utilizando de mensagens cifradas para dificultar o entendimento acerca da conversa, mas se deixando evidenciar que se referia à licitação. 16. Nas conversas, foi gravado, inclusive, um pedido do empresário N.C.C.G para que o apelante N.A.A "arrumasse" uma pessoa para assinar um documento referente à licitação fraudada. 17. Com relação à legalidade das informações prestadas por telefone, as circunstâncias em que ocorreram evidenciam que as conversas tratavam de assuntos ilícitos. Primeiro, porque o apelante N.A.A não atuava na Comissão de Licitação, então não seria a pessoa apropriada para repassar informações públicas acerca do certame. Segundo, porque se, de fato, fosse um esclarecimento acerca de assuntos públicos da licitação, elas não teriam ocorrido através do telefone particular do agente público, nem com tanta frequência - inclusive em momentos bem próximos ao início do certame - e, com menos razão ainda, através de mensagens cifradas, que buscavam dificultar a identificação do verdadeiro assunto que era tratado nas conversas. 18. Evidenciado o dolo em sua conduta, é de se manter a condenação. 19. Na dosimetria, mantém-se a negativação das circunstâncias do crime já que, de fato, para a prática dessa fraude, houve utilização de empresas de fachadas e a licitação fraudada era de vultosa monta (cerca de 1 milhão de reais), tendo sido a pena-base fixada em 02 anos e 02 meses, isto é, bem próxima ao mínimo legal, considerando que o preceito secundário do tipo penal do artigo 90 da Lei 8.666/93 prevê pena entre 02 a 04 anos de detenção. 20. Fixada a pena-base em 02 anos e 02 meses, e incidente a causa de aumento do art. 84, §2º, por exercer função de confiança, restou definitiva a pena de 2 (dois) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito e multa de 2,5% (dois e meio por cento) do contrato. Condenação e pena mantidas. Apelo improvido. 21. Em seu apelo, o réu H.S.G.S., alegara: a) ausência de comprovação de ajuste prévio à publicação do edital; b) ausência de identificação de quais condutas teriam sido por ele realizadas para favorecer o réu N.C.C.G.; c) o cargo que ocupava era de "consultor técnico", sem poder decisório. 22. Diversamente do que sustenta, as intercepções telefônicas mostram que houve combinação entre H.S.G.S. e o empresário N.C.C.G. anteriormente à realização da licitação, já que as gravações se deram a partir de 03 de junho e o certame ocorrera no dia 06 desse mês. Irrelevante que não se tenha demonstrado ajuste entre eles antes da publicação do edital, visto que a elaboração de cláusulas restritivas da competitividade não foi o único elemento fraudulento que envolveu a Tomada de Preços em questão. 23. Os acertos existentes nos dias que antecederam à licitação foram essenciais para que a fraude se concretizasse, mormente quando se percebe a insistência do empresário N.C.C.G durante essas ligações para que o ajuste saísse perfeito. 24. As interceptações indicam, inclusive, que houve um encontro pessoal marcado entre o apelante H.S.G.S. e o empresário N.C.C.G., a fim de que fossem resolvidos "negócios", evidentemente ligados à licitação. 25. Ademais, o apelante H.S.G.S. também foi referenciado em diversas oportunidades durante os diálogos entre o empresário N.C.C.G e o chefe de gabinete do Prefeito N.A.A, por meio da linguagem codificada, sendo evidente tratar-se de questões atinentes à fraude licitatória. 26. Não é capaz de eximir a responsabilidade do réu H.S.G.S a sua alegação de que não seria presidente da Comissão de Licitação, mas mero consultor técnico, vez que, pelas interceptações, observa-se que ele atuou prestando auxílio ao réu empresário, de forma que este se sagrasse vencedor no certame. 27. Mantida a condenação de H.S.G.S à pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito e multa em 2% (dois por cento) do contrato. Apelo improvido. 28. A apelante M.R.L.M trouxe, em suas razões recursais, as seguintes alegações: a) ausência de comprovação de que ela teria praticado qualquer fraude; b) as informações repassadas pelo telefone o foram dentro da legalidade; c) desconhecimento do caráter fraudulento da licitação, visto que apenas era a funcionária responsável pelos pregões, não tendo contribuído para a efetivação da simulação ou de alguma ilegalidade; d) ausência de dano ao erário; e) revisão da pena aplicada. 29. A participação da apelante M.R.L.M., pregoeira da Prefeitura, na fraude, também restou evidenciada através da interceptação telefônica que, primeiro, gravou conversa de H.S.G.S. com o empresário N.C.C.G, ocasião em que aquele afirmou que teria lhe enviado um documento por e-mail no dia anterior e que a menina (M.R.L.M) estaria fazendo um levantamento e assim que tivesse lhe seria encaminhado. 30. Em seguida, a interceptação telefônica gravou uma ligação da apelante M.R.L.M para o empresário N.C.C.G, na qual, após afirmar que foi indicada pelo apelante H.S.G.S., ela solicitou informações sobre a empresa de N.C.C.G. 31. Não é crível a alegação da apelante M.R.LM. de que desconhecia o caráter fraudulento do certame, já que, mesmo não compondo a Comissão de Licitação - como ela mesmo ressaltou - , entrou em contato telefônico com o réu empresário, recolhendo informações acerca da empresa que viria a ser a vencedora do certame. 32. Da mesma forma, não prospera a alegação de que repassara informações públicas visto que, além de ser pregoeira, não exercendo qualquer papel na Comissão de Licitação que justificasse a sua "contribuição" para esclarecer dúvidas de licitantes, não restou explicada a razão de o apelante H.S.G.S. a ter mencionado e de ela haver retornado a ligação ao empresário, com solicitação de dados sobre a empresa daquele. 33. Condenação de M.R.L.M. que se mantém, inclusive com a manutenção da negativação das circunstâncias do crime, que elevou a pena-base para 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de detenção, e que findou por restar definitiva, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito e multa em 2% (dois por cento) do contrato. Apelo improvido. 34. Os elementos dos autos comprovam que os agentes públicos municipais apelantes concorreram decisivamente para a montagem do procedimento licitatório e consequente frustração de seu caráter competitivo, mantendo contatos pessoais e/ou telefônicos com o réu empresário e apelante N.C.C.G. a respeito da licitação em questão, a partir dos quais fica claro que houve a simulação e montagem do procedimento licitatório com o propósito de favorecer a empresa deste último. Condenações mantidas. 35. Apelações improvidas. FMD
(TRF-5, PROCESSO: 08021550620174058201, AGRAVO INTERNO CRIMINAL, DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS (CONVOCADO), 4ª TURMA, JULGAMENTO: 01/12/2020)