PROCESSO Nº: 0818448-45.2017.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: ESTADO DE PERNAMBUCO e outro
APELADO:
(...)
ADVOGADO:
(...) e outro
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Edvaldo Batista Da Silva Júnior
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. AUXILIAR DE ENFERMAGEM. REQUISIÇÃO PARA AUXILIAR EM CARTÓRIO ELEITORAL. REQUISIÇÃO ORDINÁRIA.
ART. 2º DA
LEI N. 6.999/82. PRORROGAÇÕES. POSSIBILIDADE. JUSTIÇA ELEITORAL. PERFIL CONSTITUCIONAL. ESPECIFICIDADES QUE JUSTIFICAM A DISTINÇÃO (DISTINGUISHING)
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...EM RELAÇÃO À SÚMULA 378 DO STJ E AOS PRECEDENTES DO STF. APELAÇÕES PROVIDAS. 1. Trata-se de apelações interpostas pela União e o Estado de Pernambuco contra sentença que julgou procedente o pedido para condenar a ré a pagar à autora as diferenças remuneratórias havidas entre os cargos de Técnica Judiciária e Auxiliar de Enfermagem no período de 11/06/2012 a 26/06/2017. 2. No caso em análise, a parte autora ajuizou ação contra a União e o Estado de Pernambuco, buscando indenização diante do reconhecimento de desvio de função, eis que, servidora da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Pernambuco, ocupante do cargo de Assistente em Saúde/Auxiliar de Enfermagem, foi requisitada pela Justiça Eleitoral para exercer a função de auxiliar de cartório eleitoral, no período de 14 de setembro de 1994 a 26 de junho de 2017. 3. O Juízo de origem, na sentença, rejeitou as preliminares de ilegitimidade passiva suscitadas pelos réus e reconheceu a prescrição de eventuais parcelas anteriores a 11/06/2012. No mérito propriamente dito, considerou "comprovado que a autora exerce a função de Auxiliar de Cartório nas mesmas atribuições de Técnica Judiciária, com desvio de função desde a data em que ultrapassou o período máximo de prorrogação de sua requisição, qual seja 20/09/1998.". 4. Considerando que a autora busca o reconhecimento de indenização por desvio de função, aplica-se ao caso o regime de prescrição de trato sucessivo estipulado na Súmula 85 do STJ, pois eventual agressão ao direito da parte autora se renova mensalmente, no pagamento de sua remuneração. Desse modo, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, não havendo que se falar em prescrição do fundo de direito. Assim, tendo em vista que a ação foi proposta em 11/12/2017, estão prescritas as parcelas anteriores a 11/12/2012, devendo ser ressaltado que, no pedido inicial, a parte autora já fez a ressalva quanto à prescrição quinquenal. Nesse ponto, portanto, merece reforma a sentença, já que - num visível erro material - considerou como prescritas as parcelas anteriores a 11/06/2012. 5. Delimitando-se o cenário fático, é incontroverso que autora permaneceu requisitada pela Justiça Eleitoral por 23 anos (de 14 de setembro de 1994 a 26 de junho de 2017). Além disso, não há dúvida de que as atribuições do cargo de Assistente em Saúde/Auxiliar de Enfermagem, ocupado pela autora junto ao Estado de Pernambuco, não guardam qualquer similitude com aquelas exercidas no âmbito da Justiça Eleitoral. 6. A União alega que a autora exerceu a função de escrivã eleitoral no período de 7 de junho de 1996 a 19 de fevereiro de 2004, percebendo a correspondente retribuição pecuniária pelo TRE-PE. Trata-se, porém, de período acobertado pela prescrição quinquenal. No que diz respeito ao período não prescrito, inexiste notícia nos autos de que a autora tenha recebido gratificação adicional pelo exercício das atribuições no cartório eleitoral. 7. Em linhas gerais, releva pontuar que o desvio de função deve ser caracterizado pela discrepância entre as funções legalmente previstas para o cargo em que o servidor foi investido e aquelas por ele efetivamente desempenhadas habitualmente. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento assente nos termos da Súmula 378, que preconiza, in verbis: "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes." O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, pacificou entendimento no sentido de que "o servidor público desviado de suas funções, após a promulgação da Constituição, não pode ser reenquadrado, mas tem direito ao recebimento, como indenização, da diferença remuneratória entre os vencimentos do cargo efetivo e os daquele exercido de fato" (RE 486184 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/12/2006, DJ 16-02-2007 PP-00042 EMENT VOL-02264-09 PP-01808). 8. Não obstante tais precedentes, é preciso valer-se da técnica da distinção (distinguishing) no presente caso, o qual versa sobre requisição de servidora pública para o exercício de funções na Justiça Eleitoral, com base em lei específica. A matéria é regida pela Lei n. 6.999/82, cujo art. 2º autoriza as requisições ordinárias de servidores públicos para os cartórios eleitorais, pelo prazo de 1 (um) ano, com possibilidade de prorrogação. 9. O magistrado sentenciante, ao invocar a regra do art. 4º da Lei n. 6.999/82 ("Exceto no caso de nomeação para cargo em comissão, as requisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais, serão feitas por prazo certo, não excedente de 1 (um) ano"), laborou em equívoco, já que o referido comando se restringe às requisições de servidores para atuarem junto às Secretarias do Tribunais Regionais Eleitorais, ou seja, no 2º grau da Justiça Eleitoral. 10. É bem verdade que, num exercício de autocontenção, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, dentro de sua discricionariedade administrativa, estabelecer um teto para as prorrogações de requisições ordinárias de servidores, a despeito de a Lei n. 6.999/82 não impor tal limite. Isso, contudo, somente aconteceu no ano de 2016, por meio da Resolução TSE n. 23.484, de 30 de junho de 2016, que passou a admitir que a requisição fosse prorrogada por apenas mais 4 (quatro) períodos de um ano (art. 5º, § 4º), prevendo, por outro lado, que "os prazos de requisição dos servidores atualmente à disposição dos cartórios das zonas eleitorais consideram-se iniciados na data da publicação desta resolução" (art. 5º, § 5º). Observe-se, ademais, que a Resolução TSE n. 23.523, de 23 de junho de 2017, citada pelo juiz sentenciante, também manteve o mesmo critério de requisição prorrogável por mais 4 (quatro) períodos de um ano (art. 6º, caput), deixando expresso, inclusive, que "os prazos de requisição dos servidores atualmente à disposição dos cartórios das zonas eleitorais consideram-se iniciados em 4 de julho de 2016, data da publicação da Resolução-TSE nº 23.484/2016" (art. 6º, § 1º). 11. Assim, tomando-se como termo inicial o dia 4 de julho de 2016, a rigor, a requisição da autora poderia ser prorrogada, ano a ano, a depender da necessidade da Justiça Eleitoral, até 4 de julho de 2021. Como seu desligamento do serviço eleitoral ocorreu em 26 de junho de 2017, antes mesmo do transcurso primeiro ano após a Resolução TSE n. 23.484, de 30 de junho de 2016, não há falar, no presente caso, em ilegalidade das prorrogações por excesso de prazo. 12. Reconhecida, pois, a legalidade da requisição da autora, e de suas sucessivas prorrogações, para auxiliar nos serviços prestados em cartório eleitoral, impõe-se rejeitar sua pretensão de perceber, a título de indenização, as diferenças entre o valor de sua remuneração no cargo de origem (Assistente em Saúde/Auxiliar de Enfermagem) e a remuneração do cargo de Técnico Judiciário da Justiça Eleitoral. 13. A Justiça Eleitoral possui uma conformação peculiar, pois, além das atribuições eminentemente jurisdicionais, é responsável por funções administrativas do mais alto relevo para a democracia brasileira, necessárias para organizar as eleições e garantir o exercício dos direitos políticos dos cidadãos. Foi justamente em reverência ao papel constitucional da Justiça Eleitoral que o legislador lhe conferiu a prerrogativa de requisitar força de trabalho oriunda de outros órgãos públicos, visando incrementar seus quadros (historicamente diminutos, sobretudo nos cartórios eleitorais), inclusive como forma de atender à sazonalidade que caracteriza o serviço eleitoral. 14. Nesse contexto, pretender aplicar a teoria do desvio de função da mesma maneira como se opera no serviço público em geral acabaria por esvaziar a finalidade da Lei n. 6.999/82, que dá tratamento específico às requisições realizadas pela Justiça Eleitoral. Afinal, é natural que o servidor requisitado mediante essa modalidade especial de convocação passe a desempenhar atribuições distintas daquelas previstas para o cargo de origem, haja vista as peculiaridades da organização do serviço eleitoral, com uma miríade de atos que só são realizados no âmbito da Justiça Eleitoral. Caso acolhida a tese da parte autora, praticamente todas as requisições levadas a efeito pela Justiça Eleitoral com fundamento na Lei n. 6.999/82 redundariam em desvio de função indenizável, inviabilizando o uso de instituto legalmente previsto. 15. Por derradeiro, é possível vislumbrar, nas requisições com base na Lei n. 6.999/82, uma dimensão cívico-honorífica de exercício de relevante múnus público, em que o servidor é convocado para contribuir para o bom funcionamento da Justiça Eleitoral. Em contrapartida, a lei assegura que "o servidor requisitado para o serviço eleitoral conservará os direitos e vantagens inerentes ao exercício de seu cargo ou emprego" (art. 9º), sem, contudo, conferir direitos outros, que são próprios dos servidores que lograram aprovação em concurso público para cargos integrantes das carreiras da Justiça Eleitoral. 16. Na mesma linha, colhe-se julgado do TRF da 4ª Região: "A requisição de servidores para prestarem serviços junto à Justiça Eleitoral não configura desvio, mas ato lícito previsto em lei. De acordo com a Lei n.º 6.999/92, 'o servidor requisitado para o serviço eleitoral conservará os direitos e vantagens inerentes ao exercício de seu cargo ou emprego'. A finalidade do instituto da requisição de servidores é incrementar a força de trabalho da Justiça Eleitoral, de acordo com a sua demanda sazonal, sem aumentar os gastos com remunerações e indenizações aos servidores públicos. Por imperativo lógico, sempre haverá distinções relevantes entre as funções do cargo de origem do servidor requisitado, com as funções dos técnicos e analistas judiciários da Justiça Eleitoral. Uma interpretação que considere cabível o pagamento de diferenças salariais, neste caso, culminaria por tornar inútil a própria existência da Lei n.º 6.999/92." (TRF4, AC 5063260-32.2015.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 02/05/2017).
17. Apelações da União e do Estado de Pernambuco providas, para reconhecer a prescrição das parcelas vencidas anteriores a 11/12/2012, e, quanto ao mérito, julgar improcedente o pedido autoral. Condenação da autora a pagar honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, a serem rateados entre a União e o Estado de Pernambuco, cuja exigibilidade fica suspensa na forma do
art. 98,
§3º, do
CPC, por se tratar de parte beneficiária da justiça gratuita.
(TRF-5, PROCESSO: 08184484520174058300, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 07/07/2022)