TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DO REINTEGRA. REGULAMENTAÇÃO INICIAL PELO
DECRETO 8.304/2014. REGULAMENTAÇÃO ATUAL PELO
DECRETO 8.415/2015. ALÍQUOTAS ALTERADAS POR DECRETOS POSTERIORES. MAJORAÇÃO INDIRETA DE TRIBUTO MEDIANTE REDUÇÃO DE INCENTIVO FISCAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE (
ART. 150,
III, “B” E “C”, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
1. O presente mandado de segurança foi impetrado em 29/06/2020 com o objetivo de assegurar o direito de apurar os créditos do REINTEGRA mediante aplicação das seguintes
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...alíquotas: 3% (três por cento) nos períodos de março/2015 a dezembro/2015; 1% (um por cento) no período de 1º de janeiro de 2016 a 19 de janeiro de 2016; e 2% (dois por cento) nos períodos de junho/2018 a dezembro/2018, em atenção ao princípio constitucional da anterioridade (geral e nonagesimal), previsto nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da CF/88 (pedido principal). Adicionalmente, a impetrante pleiteou também o reconhecimento do direito de ressarcir e compensar, administrativamente, as diferenças dos créditos do REINTEGRA reconhecidos neste writ, devidamente atualizados pela Taxa SELIC, nos termos da Lei nº 13.043/2014, do Decreto nº 8.415/2015, do artigo 74 da Lei nº 9.430/96 e dos artigos 60 e seguintes da Instrução Normativa RFB nº 1717/2017.2. Considerando que se trata de valores que poderão vir a ser objeto de compensação tributária, deve ser afastada a pretensão fazendária de incidência da decadência prevista no art. 23 da Lei 12.016/2009. Isso é assim porque, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica o prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias nos mandados de segurança impetrados para o reconhecimento do direito à compensação tributária, ante a compreensão de que a impetração, em tais situações, possui caráter preventivo.3. A questão atinente à aplicabilidade do princípio da anterioridade geral (anual ou de exercício) em face das reduções de benefícios fiscais previstos no REINTEGRA foi afetada pelo STF à sistemática da repercussão geral, porém o mérito do representativo de controvérsia (ARE 1.285.177) ainda não foi analisado pelo Pretório Excelso, tampouco houve determinação de suspensão da tramitação dos processos pendentes. Não há, portanto, impedimento à análise da matéria por este órgão fracionário.4. O REINTEGRA (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras), instituído pela Lei 12.546/2011 e reinstituído pelo art. 21 da Lei 13.043/2014, concerne a um incentivo fiscal que tem por objetivo reintegrar valores referentes a custos tributários federais residuais existentes nas cadeias de produção de bens exportados.5. O art. 22, § 1º, da lei em vigor permite a apuração de créditos na exportação de determinados bens em percentuais que variam entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento), nos termos explicitados no art. 2º, § 7º, I, II, III e IV do Decreto 8.415/2015, que atualmente regulamenta o benefício em apreço. Na redação original do referido decreto, os percentuais restaram assim definidos: (i) um por cento entre 01/03/2015 e 31/12/2016; (ii) dois por cento entre 01/01/2017 e 31/12/2017; (iii) três por cento entre 01/01/2018 e 31/12/2018.6. Antes da edição do Decreto 8.415/2015, entretanto, o REINTEGRA era regulamentado pelo Decreto 8.304/2014, na vigência do qual foi editada a Portaria MF 428, de 30/09/2014, que estabelecera que o crédito apurado no âmbito do REINTEGRA seria determinado mediante aplicação do percentual de 3% (três por cento) sobre a receita auferida pela pessoa jurídica produtora com a exportação para o exterior dos bens relacionados no Anexo Único do Decreto 8.304/2014.7. O Decreto 8.415/2015, por sua vez, sofreu alterações pelos Decretos 8.543/2015, 9.148/2017 e 9.393/2018. Durante a vigência do Decreto 8.543/2015, estipulou-se o importe de um por cento entre 01/03/2015 e 30/11/2015, bem como um percentual de dois por cento entre 01/01/2017 e 31/12/2017, assim também uma alíquota de três por cento no interregno entre 01/01/2018 e 31/12/2018. Outrossim, na vigência do Decreto 9.148/2017 foi prevista a alíquota de um décimo por cento entre 01/12/2015 e 31/12/2016, bem como de dois por cento entre 01/01/2017 e 31/12/2018.8. O Decreto 9.393/2018, a seu turno, previu um percentual de um décimo por cento entre 01/12/2015 e 31/12/2016, bem como o importe de dois por cento no interregno compreendido entre 01/01/2017 e 31/05/2018. A mesma norma estabeleceu a incidência de uma alíquota de um décimo por cento a partir de 01/06/2018 (Transcrição do disposto no art. 2º, § 7º, I, II, III e IV do Decreto 8.415/2015, com indicação das alterações sofridas ao longo do tempo pelos decretos acima referidos).9. Em atenção ao pedido apresentado na exordial, cumpre destacar que: (a) na vigência da Portaria MF 428/2014, vigorava o percentual de três por cento, todavia a redação original do Decreto 8.415/2015 estabeleceu o percentual de um por cento no período de 31/03/2015 até 31/12/2016; (b) na redação original do Decreto 8.415/2015, o percentual de um por cento deveria vigorar até 31/12/2016, todavia a alteração veiculada pelo Decreto 8.543/2015, mantida pelos decretos seguintes, o restringiu até 30/11/2015, fixando para o período restante (01/12/2015 a 31/12/2016) o importe de um décimo por cento; (c) na dicção do Decreto 9.148/2017, a alíquota de dois por cento estava prevista para vigorar de 01/01/2017 até 31/12/2018, entretanto o Decreto 9.393/2018 alterou-a a partir de 01/06/2018, de forma a reduzi-la para um décimo por cento (redação atual do inciso IV do § 7º do art. 2º do Decreto 8.415/2015).10. O fato de o art. 22, § 1º, da Lei 13.043/2014 estabelecer que o percentual referido no caput poderá variar entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento) não induz à conclusão de que as variações permitidas pela lei possam ter efeitos imediatos, sobretudo ao se considerar que há princípios constitucionais que balizam o poder de tributar, os quais devem ser observados também quando o aumento da carga tributária aperfeiçoa-se de forma reflexa.11. Em síntese, as modificações legislativas em debate consubstanciaram verdadeira majoração indireta de tributo, realizada mediante redução de alíquota de benefício fiscal, motivo por que devem obedecer aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, previstos no art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal.12. Na hipótese vertente, restou caracterizada a ofensa aos referidos princípios, tendo em vista que os decretos em apreço entraram em vigor na data de suas respectivas publicações.13. Por conseguinte, e em sintonia com o pedido apresentado pela impetrante: (a) o percentual de três por cento previsto na Portaria MF 428/2014 deve vigorar até 31/12/2015, pois a alíquota de um por cento prevista no Decreto 8.415/2015 (publicado em 27/02/2015) só poderia ser aplicada a partir de 01/01/2016 (anterioridade anual); (b) o importe de um por cento previsto na redação original do Decreto 8.415/2015 deve vigorar desde 01/01/2016 até 19/01/2016, de modo que o Decreto 8.543/2015, publicado em 21/10/2015, observe a anterioridade nonagesimal; (c) o percentual de dois por cento previsto no Decreto 9.148/2017 deve ser mantido até 31/12/2018, tendo em vista que a alíquota de um décimo por cento prevista no Decreto 9.393/2018 (publicado em 30/05/2018) pode ser aplicada apenas a partir de 01/01/2019 (anterioridade anual).14. Correta a sentença, portanto, ao acolher o pleito principal do contribuinte no caso concreto. Precedentes do TRF3.15. No que concerne à alegação fazendária de que o mandado de segurança não é sucedâneo de ação de cobrança para obtenção de efeitos patrimoniais relativos a período pretérito, impende observar que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em Sessão de Julgamento realizada em 10.11.2021, ao examinar o EREsp 1.770.495, deu provimento aos embargos de divergência e pacificou o alcance e a abrangência que pode ser dada para o tema da compensação tributária por meio do uso de mandado de segurança.16. Na ocasião, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que omandado de segurança pode ser usado pelo contribuinte para garantir o direito de fazer a compensação tributária com indébitos recolhidos anteriormente à data da impetração, mas ainda não atingidos pela prescrição.17. Quanto aos parâmetros da compensação, verifica-se que foram adequadamente fixados pelo d. Juízo, em conformidade com os ditames da Instrução Normativa RFB 1.717/2017.
18. Por outro lado, em que pese a disposição do
art. 24,
II, da
Lei 13.043/2014, cumpre deixar assente a impossibilidade de obter a restituição ou ressarcimento em espécie na via administrativa, ante a compreensão sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.420.691, alçado à sistemática da repercussão geral, no bojo do qual restou firmado entendimento no sentido de que não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial (Tese 1262).
19. Remessa oficial e apelação da União parcialmente providas.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002282-09.2020.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 20/05/2024, Intimação via sistema DATA: 22/05/2024)