PROCESSO Nº: 0810213-30.2019.4.05.8200 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: INSTITUTO BRAS DO MEIO AMBIEN E DOS REC NAT RENOVAVEIS - IBAMA
APELADO:
(...)
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Helena Delgado Ramos Fialho Moreira
AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. CONVERSÃO EM PENALIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PRESERVAÇÃO MELHORIA E RECUPERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. POSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICO-FINANCEIRA DEMONSTRADA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença
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...que julgou parcialmente procedente o pedido para o fim de converter a multa pecuniária aplicada ao autor em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente - a ser executada administrativamente, na forma legalmente prevista a tanto - com suspensão do executivo fiscal a que se refere a presente demanda, respeitado o prazo prescricional, enquanto não cumprido o acordo de recuperação ambiental ou serviços correlatos, a ser firmado na esfera própria. Na ausência propriamente de sucumbência pelo IBAMA, eis que não desconstituída a autuação originária do executivo fiscal, deixou-se de cominar a parte ré nos honorários advocatícios em prol da DPU. 2. A presente ação foi ajuizada por particular contra o IBAMA, narrando-se que: a) No ano de 2011, durante a Operação Clima/Via Apia, ocorrida em feiras livres de Bayeux e Oitizeiro em João Pessoa/PB, visando a coibir a comercialização ilegal de pássaros da fauna nativa, a equipe de inteligência da Polícia Federal repassou ao IBAMA informações da residência do autor, que supostamente criaria aves em cativeiro; b) Na ocasião, o demandante foi abordado pelo IBAMA que constatou a criação de aves, sem permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Após a identificação das espécies, verificou-se a existência de apenas 01 (um) pássaro constante da lista oficial da fauna brasileira. Assim, a autarquia ambiental lavrou um auto de infração e os pássaros foram apreendidos. À época, a multa foi fixada no valor total de R$ 8.000,00 (oito mil reais); c) O fato ensejou denúncia ofertada pelo Ministério Público Estadual (Autos n. 6044323-36.2012.815.2003). Citado em 2013 a comparecer no 1º Juizado Especial Misto de Mangabeira para audiência preliminar, ofereceu-se transação, que foi aceita pelo ora autor, objetivando a prestação de serviços à comunidade, pelo prazo de 6 meses, na Escola Estadual Cônego Luiz Gonzaga de Oliveira; d) Ocorre que, em 20/06/2019, o demandante recebeu na sua residência um Mandado de Penhora e Registro ou Bloqueio de Bens, como exequente o IBAMA-PB, dos bens indicados: um automóvel FORD/KA GL- Placa: MYM 5220 e uma motocicleta HONDA/CG 125 TITAN Placa: MNT 7259. Tal penhora foi desconstituída em 23/05/2019. Outrossim, o valor atualizado da dívida, em 14/09/2016, perfaz a quantia de R$ 16.703,30 (dezesseis mil, setecentos e três reais e trinta centavos); e) o autor vive com sua esposa, juntos sobrevivendo com apenas uma aposentadoria que, com todos os descontos, é de R$ 495,00 (quatrocentos e noventa e cinco reais aproximadamente). Ademais, o automóvel em tela foi vendido em 03/03/2016, desconhecendo-se a tal motocicleta indicada no Mandado (Placa MOQ-9156). 3. Ao final, foram formulados os seguintes pedidos: "(...) c) a concessão de tutela de urgência, inaudita altera pars, para se suspender a exigibilidade do crédito cobrado na execução fiscal n. 0001115-30.2014.4.05.8200 (5ª Vara Federal), determinando-se também ao réu obrigação de se abster de inscrever o demandante em cadastro de inadimplentes, devendo cessar o ato de inscrição se o tiver feito; d) a procedência do pedido, para que seja: d.1.) anulado o ato administrativo de aplicação da multa; d.2.) subsidiariamente, convertida a penalidade de multa simples em advertência ou na pena de serviços de melhoria e recuperação do meio ambiente, na forma do art. 72, § 4º, da Lei n. 9.605/1998; d.3) ou, caso mantida a multa, sua redução ao mínimo legal.". 4. O IBAMA, por sua vez, argumentou que: a) a autuação restou expressamente lastreada no artigo 70 c/c 72, II e IV da Lei 9.605/98, bem como nos artigos 3º, incisos II e IV, c/c 24, parágrafo 3º, inciso III, todos do Decreto 6.514/2008; b) a Administração não agiu de maneira desarrazoada ou desproporcional, uma vez que, constatado o cometimento da infração, o único comportamento possível era a autuação aplicando as sanções previstas; c) não há que se falar em ato ilegal ou abusivo, mas ato administrativo efetivado sob o princípio da legalidade, tanto é que o próprio autor não nega estar equivocado e ter cometido ato ilegal; d) Não há que se falar em qualquer desproporcionalidade na fixação do valor da multa; e) a autora tinha em cativeiro espécimes da fauna silvestre nativa, sem autorização da autoridade ambiental competente, que foram apreendidos; f) A multa do art. 24, § 3º, III do Decreto 6.514/2008 é fechada. Determina-se a imposição de R$500,00 por espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção, como no caso em comento; g) A aplicação da dobra do art. 93 do Decreto 6.514/2008 decorre de exigência legal, a qual classifica as infrações que afetem as unidades de conservação da natureza com maior gravidade e suscetíveis a causas de aumento de pena; h) não há discricionariedade para minoração de multas fechadas; i) a situação econômica do autuado não é excludente de antijuridicidade; j) em nenhum momento a legislação aplicável à apuração de infrações administrativas ambientais impõe uma gradação das penalidades ou a restrição de aplicação da penalidade de multa somente após a efetivação da advertência prévia. 5. Na sentença, o juízo de origem pontuou que: a) a presente demanda não discute propriamente a autoria e/ou materialidade da conduta identificada como infracional pela fiscalização ambiental, eis que a própria inicial reconhece inclusive que o autor celebrou transação penal em relação ao crime ambiental tipificado na espécie, tendo cumprido pena de prestação de serviços à comunidade; b) Nesse ponto, entretanto, ainda que a precariedade econômica do autuado não afaste a materialidade da infração nem tampouco seja cabível a prévia advertência antes da aplicação de penalidade pecuniária - em razão da multa máxima em tese prevista ultrapassar o teto para tanto - merece acolhida a pretensão de conversão da pena por prestação de serviços de recuperação do meio ambiente, como previsto nos arts. 139 e seguintes do Decreto nº 6519/2008; c) Com efeito, como se observa do procedimento administrativo de origem da dívida aqui discutida, embora tenha o autor expressamente deduzido pretensão em tal sentido, por ocasião da apresentação de sua defesa administrativa, em momento algum tal alternativa veio a ser apreciada pela fiscalização, centrando-se o IBAMA exclusivamente na imposição e posterior cobrança de penalidade pecuniária manifestamente incompatível com o quadro sócio-econômico do infrator; d) No caso concreto, em que pese a lamentável apreensão de espécimes da fauna silvestre, inclusive de pássaro que se encontra listado como em risco/ameaça de extinção, o fato é que o órgão de proteção ambiental deixou de decidir motivadamente acerca do pedido de conversão da penalidade pecuniária em prestação de serviços de recuperação e melhoria do meio ambiente - em uma evidente violação não apenas ao princípio do devido processo legal, mas igualmente em uma clara evidência de um mero propósito arrecadatório que não merece ser aqui referendado, até porque inviabilizado pela manifesta precariedade econômica do autor. 6. Irresignado, o IBAMA apresentou apelação, reiterando os argumentos postos na contestação, e acrescentando que: a) não cabe ao Poder Judiciário substituir o administrador no momento de avaliar a conveniência e oportunidade da conversão da multa; b) caso se admita a possibilidade de controle jurisdicional, a única forma de controle cabível seria aquele posterior ao deferimento ou indeferimento do pedido de conversão e seria controle de legalidade; c) A conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente possui a natureza de transação, ato bilateral, exigindo manifestação positiva da Administração, segundo critérios discricionários; d) ainda que o autor tivesse cumprido todos os requisitos, a concessão da conversão da multa é ato discricionário da Administração, nos termos do art. 139 e 145, §1º, da Lei 12.651/2012, sendo que o processo administrativo já transitou em julgado, tratando-se de ato jurídico perfeito. 7. Infere-se dos autos que o autor foi autuado pelo IBAMA por ter em cativeiro espécimes da fauna silvestre nativa, sem a devida permissão da autoridade ambiental competente. Foram apreendidas na residência do autor sete pássaros (galo de campina, azulão, rolinha, pega, papa-capim, sabiá e cardeal, sendo este último constante da lista oficial da fauna brasileira ameaçada de extinção). Foi consignando no auto de infração que o dano possui gravidade média; que é passível de recuperação; que a infração não causou dano a Unidade de Conservação Federal. Foi fixada a multa no valor de R$ 8.000,00, correspondente a R$ 500,00 para cada um dos 06 pássaros não ameaçados, acrescidos de R$ 5.000,00 pelo pássaro ameaçado de extinção. Foi indicada como circunstância atenuante a baixa escolaridade do autor. 8. Na sua defesa administrativa, o demandante alegou que criava os pássaros por hobby e não para comercializá-los. Disse que estava desempregado, passando por dificuldades financeiras e requereu a conversão da multa em serviços de prestação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente (art. 142 do Decreto 6.514/08). Anexou aos autos cópia do termo de rescisão de contrato de trabalho para comprovar sua afirmação. 9. Na decisão de julgamento de infração ambiental, embora tenha sido relatado que houve o pedido de conversão da multa bem prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, tal questão não foi efetivamente enfrentada pelo órgão ambiental, que se limitou a tratar da configuração da materialidade e autoria da infração, do correto enquadramento legal e higidez do processo administrativo, concluindo pela homologação e manutenção do auto de infração e da multa imposta. Assim, o IBAMA acabou por negar a conversão, sem a devida motivação. 10. Mesmo sendo uma tarefa discricionária da Administração Pública deferir ou não o peido de conversão da multa aplicada ao Apelado em serviços de recuperação do meio ambiente, ao Judiciário cabe intervir quando ausente razoabilidade e proporcionalidade na decisão administrativa, como ocorreu no caso. 11. Não se levou em consideração, nessa decisão do IBAMA, que o Autor/Apelado não tinha condições financeiras para arcar com a multa nem o fato de que se tratava de situação em que a recuperação era de menor complexidade e se tratava de pessoa de baixa escolaridade. Assim, deve ser convertida a multa em serviços de melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente a serem definidos pelo IBAMA, levando em conta a idade e a capacidade profissional do Autor, de maneira que não comprometa o desempenho de sua atividade profissional. 12. Com efeito, no caso em tela, a sanção de multa então aplicada se mostra inócua para os fins a que se destina, porquanto a recorrente não detém recursos para adimpli-la. Aqui, a conversão da citada penalidade em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, além de ser adequada e de prestigiar o princípio da dignidade da pessoa humana, detém um caráter nitidamente pedagógico, possibilitando inclusive a construção de uma consciência ambiental.
13. Portanto, a sentença deve ser mantida em sua integralidade, já que em conformidade com o entendimento desta Terceira Turma: PROCESSO: 08137848620174058100, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 13/10/2022; PROCESSO: 08087508720184058200, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 28/10/2021.
14. Apelação improvida.
(TRF-5, PROCESSO: 08102133020194058200, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 15/12/2022)