HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. ALIMENTANTE ADVOGADO. INADIMPLEMENTO INVOLUNTÁRIO E INESCUSÁVEL DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DE SER RECOLHIDO EM SALA DE ESTADO-MAIOR (
ART. 7º,
V, DA
LEI N. 8.906/1994). AFASTAMENTO. INSTALAÇÕES CONDIGNAS. CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL EM REGIME FECHADO.
1. No Brasil, a prisão civil está autorizada expressamente no texto da
Constituição Federal... +596 PALAVRAS
.... Trata-se de meio coercitivo típico ou, mais precisamente, de uma técnica processual executiva a ser usada em face do descumprimento de determinada obrigação por meio da pressão psicológica, com ameaça à restrição de sua liberdade.
2. A utilização do rito prisional é faculdade conferida ao credor, expressamente contemplada pelo CPC (art. 528, § 8º), podendo ele optar pelo regime de cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa (arts. 523 a 527).
3. O advogado é indispensável auxiliar da justiça, da sua administração, e, por isso, é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (CF, art. 133), sendo imperativo o reconhecimento de sua imunidade profissional para que possa exercer amplamente o seu múnus público.
4. O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 7°-B do Estatuto da OAB, que prevê o direito público subjetivo do advogado de ser recolhido preso em sala de estado-maior e, na sua falta, em prisão domiciliar enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, definindo que "a prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público [...] O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável" (ADI n. 1.127, relator para o acórdão Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ de 10/6/2010).
5. Mais recentemente, o próprio STF vem adotando uma nova orientação, passando a considerar que, na ausência de dependência que se qualifique como sala de estado-maior, atende à exigência da Lei n. 8.906/1994 (art. 7º, V, in fine) "o recolhimento prisional em vaga especial na unidade penitenciária, desde que provida de 'instalações e comodidades condignas' e localizada em área separada dos demais detentos" (Rcl n. 19.286 AgR, relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 1º/6/2015).
6. A prerrogativa da sala de estado-maior não pode incidir na prisão civil do advogado que for devedor alimentar, desde que lhe seja garantido, por óbvio, um local apropriado, devidamente segregado dos presos comuns, nos termos expressos do art. 528, §§ 4º e 5º, do CPC/2015.
7. Em uma ponderação entre direitos fundamentais - o direito à liberdade e à dignidade humana do devedor advogado inadimplente de obrigação alimentícia versus o direito à tutela jurisdicional efetiva, à sobrevivência, à subsistência e à dignidade humana do credor -, promoveu o legislador constituinte a sua opção política em dar prevalência ao direito deste último, sem fazer nenhuma ressalva.
8. A autorização da prisão civil do devedor de alimentos é endereçada a assegurar o mínimo existencial ao credor. Admitir o seu cumprimento em sala de estado-maior ou de forma domiciliar, em nome da prerrogativa do profissional advogado, redundaria, no limite, em solapar todo o arcabouço erigido para preservar a dignidade humana do credor de alimentos. Assim, é cabível a prisão civil do advogado devedor de alimentos.
9. A prerrogativa estipulada no art. 7º, V, do Estatuto da OAB é voltada eminentemente à prisão penal, mais precisamente às prisões cautelares determinadas antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A aplicação dos regramentos da execução penal, como forma de abrandar a prisão civil, acabará por desvirtuar a técnica executiva e enfraquecer a política pública estatal, afetando a sua coercibilidade, justamente o móvel que induz a conduta do devedor alimentar.
10. Na hipótese, o magistrado de piso determinou a prisão civil do executado por dois meses em regime fechado, haja vista o usual acúmulo de pensões não pagas por parte do impetrante, tendo especificado que "a ordem deverá ser cumprida de forma cumulativa (Comunicado CG n.° 1145/2015), mantendo-se o executado separado dos presos comuns". Ressalvou, ainda, a situação epidemiológica da cidade de Franca, destacando que o advogado, ora paciente, "seguramente recebeu todas as doses da vacina" (fls. 30-31). Assim, não há como afastar a ordem de prisão para o seu cumprimento em regime domiciliar.
11. Ordem de habeas corpus denegada.
(STJ, HC n. 740.531/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 27/12/2022.)