RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA. 1. TRANSPORTE INTERNACIONAL DE CARGAS (METANOL). EXPLOSÃO DO NAVIO VICUÑA NO PORTO DE PARANAGUÁ-PR. PERDA TOTAL DA CARGA TRANSPORTADA. VALOR DO SEGURO DA MERCADORIA PAGO À IMPORTADORA. SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA. 2. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DEFICIÊNCIA NAS RAZÕES RECURSAIS.
SÚMULA 284/STF. 3. DISPENSA DE TRADUÇÃO DO CONTRATO REDIGIDO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. DOCUMENTO DE FÁCIL COMPREENSÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRECEDENTES. 4. INSTRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA À SEGURADORA SUB-ROGADA. PECULIARIDADES DO CASO. SEGURADA QUE NÃO ADERIU À ARBITRAGEM. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTATAL. 5. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA MARÍTIMA. NORMA ESPECIAL DO DECRETO-LEI 116/1967 QUE DEVE PREVALECER EM RELAÇÃO
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...À REGRA GERAL DO ART. 750 DO CÓDIGO CIVIL. TRANSPORTADORA QUE SOMENTE RESPONDE PELA HIGIDEZ DA MERCADORIA ATÉ O INÍCIO DA OPERAÇÃO DE DESCARGA NO PORTO. FATO OCORRIDO NO PRESENTE CASO. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DA ENTIDADE PORTUÁRIA (CORRÉ CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA.). INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º, PARÁGRAFO SEGUNDO, E 6º, DO DECRETO-LEI 116/1967. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO À RECORRENTE. DEMAIS QUESTÕES PREJUDICADAS. 6. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.1. Cinge-se a controvérsia a definir: (i) se houve negativa de prestação jurisdicional; (ii) se é necessário traduzir os documentos constantes nos autos em língua estrangeira; (iii) se o presente feito deve ser julgado pela arbitragem, considerando a existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo; (iv) se, no momento do início da descarga da mercadoria no Porto de Paranguá, cessou a responsabilidade da transportadora (recorrente);
(v) se o caso trata de responsabilidade objetiva; (vi) se houve comprovação do nexo causal; e (vii) se o valor fixado deve ser reduzido equitativamente.2. A recorrente não demonstrou, com clareza e objetividade, quais matérias foram alegadas nas razões de apelação e, posteriormente, reiteradas nos embargos de declaração, que não foram examinadas pelo Tribunal de origem, e nem a sua relevância para o deslinde da controvérsia. Dessa forma, ante a deficiência nas razões recursais, não é possível conhecer do recurso especial nesse ponto, em razão do óbice da Súmula 284/STF.3. As instâncias ordinárias dispensaram a tradução dos documentos redigidos em língua estrangeira, por serem de fácil compreensão, não prejudicando o exame correto das cláusulas contratuais pelo órgão julgador. Diante desse cenário, não há que se falar em violação do art. 157 do CPC/1973, sobretudo porque a parte recorrente nem sequer aponta qual seria o entendimento equivocado do Magistrado decorrente da ausência de tradução dos respectivos documentos.
3.1. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, no sentido de que, "Em se tratando de documento redigido em língua estrangeira, cuja validade não se contesta e cuja tradução não é indispensável para a sua compreensão, não é razoável negar-lhe eficácia de prova. O art. 157 do CPC, como toda regra instrumental, deve ser interpretado sistematicamente, levando em consideração, inclusive, os princípios que regem as nulidades, nomeadamente o de que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para a defesa (pas de nulitté sans grief). Não havendo prejuízo, não se pode dizer que a falta de tradução, no caso, tenha importado violação ao art. 157 do CPC" (REsp 616.103/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 27/09/2004).4. Por ocasião do julgamento do REsp n. 2.074.780/PR, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a seguradora sub-rogada deve se submeter à cláusula compromissória prevista no contrato firmado pelo segurado. Por essa razão, nesses casos, a competência para o julgamento da demanda regressiva proposta pela seguradora sub-rogada será do Juízo arbitral.
4.1. Não obstante esse entendimento, o caso guarda particularidade que impõe solução diversa. É que, na presente hipótese, a cláusula compromissória em discussão foi firmada no contrato de fretamento entabulado entre a Waterfront Shipping CO. Ltd., responsável pelos afretamentos da empresa Methanex Chile Limited (exportadora do metanol), e a Sociedad Naviera Ultragas Ltda., ora recorrente, a qual era responsável pelo transporte da mercadoria. Ou seja, a segurada da autora da ação regressiva de ressarcimento não firmou nenhum contrato com a recorrente em que constava cláusula compromissória.
4.2. Logo, à seguradora sub-rogada não pode ser imputada cláusula compromissória prevista em contrato firmado por terceiros (Waterfront Shipping CO. Ltd. e Sociedad Naviera Ultragas Ltda.), sem a participação da sua segurada, ainda que tenha relação com o sinistro correlato, razão pela qual não há que se falar em competência do Juízo arbitral na espécie.5. No tocante ao transporte marítimo, há norma específica delimitando o início e o fim da responsabilidade do respectivo transportador, qual seja, o Decreto-lei n. 116/1967, que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d'água nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando das faltas e avarias. Dessa forma, havendo norma especial acerca da responsabilidade do transportador marítimo, deve a mesma ser aplicada ao caso em julgamento, afastando-se, assim, a regra geral prevista no art. 750 do Código Civil.
5.1. Da leitura dos arts. 3º, caput e § 2º, e 6º do Decreto-lei n. 116/1967, verifica-se que a responsabilidade do transportador marítimo começa desde o momento em que é iniciado o procedimento de carga, ao costado do navio (parede lateral da embarcação, que vai desde a linha de flutuação até a borda), com a operação dos respectivos aparelhos, e termina no momento em que a mercadoria é entregue à entidade portuária.
5.2. Ocorre que o momento considerado como de efetiva entrega da mercadoria é aquele em que se inicia a lingada do içamento, dentro da embarcação, ou seja, no início da operação de descarga. Em outras palavras, segundo a legislação de regência, não é preciso esperar o fim da operação de descarga da mercadoria no porto de destino para cessar a responsabilidade do transportador marítimo, bastando o mero início da operação para que haja o término do contrato de transporte e a responsabilidade passe a ser do recebedor da carga (no caso, da entidade portuária).
5.3. Na hipótese, é fato incontroverso nos autos que, no momento da explosão do navio Vicuña, a operação de descarga do metanol no Terminal da Cattalini já tinha sido iniciada, razão pela qual, nos termos do que estabelece a legislação especial, a responsabilidade da transportadora da carga, ora recorrente, já havia sido cessada.
5.4. Somente se ficasse comprovada a culpa da recorrente - transportadora marítima - pela explosão do navio Vicuña, e, consequentemente, pela perda total da carga transportada, é que se poderia atribuir-lhe a responsabilidade pelo respectivo ressarcimento dos valores pagos pela seguradora sub-rogada.
Entretanto, também é fato incontroverso que, após mais de um ano de investigação, a Capitania dos Portos de Paranaguá concluiu pela impossibilidade de verificação das causas da explosão.
5.5. Diante desse cenário, a responsabilidade pela perda da carga de propriedade da segurada (Synteko), cuja seguradora recorrida se sub-rogou, é da entidade portuária recebedora da mercadoria, no caso, da corré Cattalini Terminais Marítimos Ltda., que sequer apelou da sentença.
5.6. Por essas razões, impõe-se a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a ação de ressarcimento em desfavor da recorrente, ficando prejudicadas as demais alegações suscitadas no recurso especial.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(STJ, REsp n. 1.625.990/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023.)