APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL FIRMADO COM A CEF. DECLARAÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO PELO MUNICÍPIO DO IMÓVEL “SUB JUDICE” QUATRO ANOS APÓS A ASSINATURA DO CONTRATO. SUSPENSÃO DAS PRESTAÇÕES. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA
SÚMULA N. 297 DO STJ. ACONTECIMENTO IMPREVISÍVEL CAUSANDO INSEGURANÇA E RISCO GRAVE AOS FIDUCIANTES (PERDA DA POSSE). APLICAÇÃO DOS
ARTIGOS 113,
477 e
478, TODOS DO
CC/2002. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Ação de Ordinária ajuizada por
(...) e outro contra a Caixa
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...Econômica Federal, objetivando a concessão de provimento jurisdicional para suspender as prestações do financiamento durante a Desapropriação que recaiu sobre o imóvel objeto do Contrato Particular de Venda e Compra de Imóvel Residencial de Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia de Carta de Crédito Com Recurso do SBPE no Âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Sustentaram os Apelantes, em breve síntese, que no dia 05/11/2012 firmaram Contrato de Financiamento Habitacional com a CEF com relação ao imóvel situado na Av. Newton Monteiro de Andrade, n. 565, São Bernardo do Campo/SP, pelo valor de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais), cuja entrada foi de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) e o restante foi financiado. A CEF defendeu que, em síntese, a impossibilidade da suspensão das prestações e também que a aplicação da 30ª Cláusula do Contrato de Financiamento somente pode ocorrer com a efetivação do pagamento da Indenização pelo ente Expropriante à Caixa para a eventual liquidação da dívida decorrente do Contato.2. Encerrada a instrução processual sobreveio sentença de improcedente a Ação, condenando os Autores ao pagamento das custas e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, sujeitando-se a execução ao disposto no artigo 98, § 3º, do Novo Código de Processo Civil.3. Da Desapropriação. A Desapropriação é necessária para a execução de obras do Complexo viário. O Decreto Municipal n. 19.725, 2016, do Prefeito do Município de São Bernardo do Campo/SP, declarou de utilidade pública a propriedade para fins de Desapropriação e o imóvel objeto de financiamento firmado entre as Partes está sujeito à força expropriatória do Poder Executivo e a CEF receberá Indenização do Expropriante (artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal).4. Do Contrato de Financiado. Cumpre observar que 30ª Cláusula do Contrato firmado pelas Partes estabelece que: “No caso de desapropriação do imóvel dado em garantia, a CEF receberá do poder expropriante a indenização correspondente, imputando-a na solução da dívida e liberando o saldo, se houver, ao(s) DEVEDOR (ES)/ Fiduciante(s). Parágrafo primeiro – Se a indenização de que trata o caput desta Cláusula for inferior ao saldo da dívida, o(s) DEVEDOR/FIDUCIANTE(ES) suportarão a diferença apurada, sob pena da cobrança judicial da importância remanescente”.5. Dispõe o artigo 1.425, inciso V, § 2º, do CC/2002: “A dívida considera-se vencida: .......... V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor. .......... § 2o Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos”6. Do vencimento antecipado do Contrato. A declaração de utilidade pública do bem imóvel constituiu em um fato superveniente à avença, na medida em que a posse e propriedade serão transferidos para o Município de São Bernardo do Campo (Ente Expropriante). Com efeito, a superveniente declaração de desapropriação impede os Fiduciantes e a Fiducuária de encerrar o Contrato, nos moldes pactuados. No caso, a relação obrigacional não poderá ser extinta pelo pagamento espontâneo da obrigação por parte dos Fiduciantes, ora Apelantes.7. No caso, deverá ser levado em consideração a boa-fé dos Consumidores que adquiriram o bem imóvel (financiado pela CEF) e foram extremamente prejudicados em seus direitos com a Declaração de Desapropriação do imóvel por meio do Decreto Municipal e a relação obrigacional não poderá ser extinta pelo pagamento espontâneo da obrigação. Tratando-se de relação de consumo, portanto, aplica-se o disposto no Enunciado da Súmula 297 n. do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.8. No caso, trata-se de acontecimento imprevisível que gerou inseguridade e risco grave (perda da posse) para os Consumidores, ora Apelantes. Dispõem os artigos 113, 477 e 478, todos do CC/2002: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. “Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la”. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.9. No caso, trata-se de acontecimento imprevisível que gerou inseguridade e risco grave (perda da posse) para os Consumidores, ora Apelantes. A propósito, transcrevo os ensinamentos do Professor Nelson Rosenvald na obra "Código de Civil Comentando", 13ª Região, Edição 2019, Editora Manole, in verbis:
“A norma trata-se de exceção de insolvência ou de inseguridade, conferindo ao contratante ao retardamento de sua própria prestação quando se torne duvidoso ou arriscado o cumprimento da contraprestação, pelo fato de o parceiro contratual ter sofrido alterações patrimoniais. Essa situação será mantida até que a outra parte efetue a sua prestação o dê garantias suficientes. Diferentemente do art. 476, aqui o legislador pressupõe a ocorrência de prestações sucessivas, pois aquele que faria o pagamento em primeiro lugar terá legitimidade para recusar o pagamento pelas razões apontadas. Ao contrário do que se possa inferir de uma leitura mais açodada do dispositivo, não tangencia ele a chamada “quebra antecipada do contrato” ou inadimplemento antecipado, mas a figura do risco do descumprimento da prestação, aplicável às hipóteses em que, apesar de não configurado o inadimplemento anterior ao termo, afigura-se alta a probabilidade de, no futuro, o devedor não adimplir sua obrigação ao tempo, modo e lugar ajustados, a autorizar o credor a agir de imediato no sentido de proteger o seu crédito. No artigo em comento, o suporte fático objetivo do risco do descumprimento é a hipóteses de deterioração patrimonial do devedor. A perda patrimonial característica do risco de descumprimento deve ser superveniente à formação do contrato e grave o suficiente à formação do contrato para suscitar dúvida quanto à efetiva possibilidade de adimplemento da prestação. Não basta, portanto, a mera desconfiança de que o patrimônio da outra parte foi afetado por perda superveniente. Ademais, o risco do descumprimento não se confunde com o inadimplemento antecipado. O inadimplemento anterior ao termo – assim como o inadimplemento posterior ao termo – subordina-se à identificação da conduta culposa do devedor. Todavia, no modelo jurídico aqui examinado, não se perquire a culpa da parte que sofreu abalo patrimonial – por isso se utiliza a expressão risco de descumprimento, e não risco de inadimplemento, que pressuporia a culpa do devedor. O escopo do dispositivo não é punir o contratante, mas apenas proteger o equilíbrio contratual, minimizando o risco de descumprimento, pois a prestação a ser recusada ainda não é exigível pelo credor, mas provavelmente não será realizada ao seu tempo. Prosseguindo,o risco de descumprimento não apenas propicia ao credor uma exceção material, cuidando-se de uma pretensão, pois, caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas, poderá ajuizar ação de resolução com pedido de indenização ou execução a prestação da contraparte antes do prazo previsto mediante a tutela específica das obrigações de dar, fazer e não fazer (art. 497 do CPC/2015; art. 461 do CPC/1973). A exceção de inseguridade, como espécie de garantia contra o risco do descumprimento, também é materializada nas específicas situações dos arts. 495 e 590 do CC. Essas normas são derivações do presente art. 477. Em virtude da debilidade econômica de um das partes, os referidos dispositivos autorizam o vendedor a suspender a entrega de sua prestação – mesmo que, por força do contrato, tivesse de pagar em primeiro lugar – até que o comprovador lhe forneça garantia de cumprimento (art. 495 do CC); e, ao credor, do contrato unilateral de mútuo, a pretensão a uma garantia de adimplemento quanto ao valor a ser restituído pelo mutuário (art. 590 do CC)”.10. No caso, os Apelantes em suas razões recursais não demonstraram as hipóteses de anulação da sentença, mas em razão da boa-fé dos Recorrentes e da gravidade dos fatos narrados e dos documentados constantes dos autos a sentença deverá ser reformada para suspender o pagamento das prestações. Eventuais questionamentos acerca de Indenização a ser suportada pela CEF, devolução das prestações pagas e a rescisão do contrato deverá ser requerida em Ação própria, porque o
artigo 31 do
Decreto-lei n. 3.365/41 prevê o seguinte: “Ficam subrogados no preço quaisquer onus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”.
11. Apelação parcialmente provida para suspender os pagamentos das prestações a partir da 48º parcela objeto do contrato pelas Partes.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001052-53.2016.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 19/12/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/01/2020)