PROCESSO Nº: 0001697-43.2013.4.05.8401 - APELAÇÃO CÍVEL APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRENTE ADESIVO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS APELADO: IDEMA - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE e outros RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Leonardo Carvalho - 2ª Turma EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EIA-RIMA APRESENTADO PELO DNOCS. PROJETO DE IRRIGAÇÃO SANTA CRUZ DO APODI. VIABILIDADE HÍDRICA ATESTADA POR LICENCIAMENTO CHANCELADO PELO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL - IDEMA. 1. Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União, do Departamento Nacional de Obras contra a Seca, do Estado do Rio Grande do Norte e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande
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...Do Norte, através da qual busca: (i) a paralisação, pelo DNOCS, das obras do perímetro irrigado Santa Cruz do Apodi, até a aprovação do novo projeto executivo da obra, a apresentação do novo estudo de impacto ambiental, ou a correção e atualização do já existente, a obtenção de novas licenças ambientais, bem como a realização de audiência pública com as comunidades impactadas e o esclarecimento de toda a situação; (ii) a condenação da União em se abster de efetuar quaisquer repasses financeiros ao DNOCS em razão da citada obra, bem como de praticar qualquer ato tendente à concretização do projeto de irrigação Santa Cruz do Apodi, até que o DNOCS atenda ao item anterior; (iii) a condenação do Estado do Rio Grande do Norte em se abster de efetuar quaisquer repasses financeiros ao DNOCS em razão da citada obra, bem como praticar qualquer ato tendente à concretização do projeto em questão, até que o DNOCS atenda ao disposto no item 'i' supra; (iv) a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental para a obra do perímetro irrigado em discussão, que se encontra em tramitação perante o IDEMA; (v) finalmente, a condenação do próprio IDEMA em se abster de conceder novas licenças para a obra do perímetro irrigado, até que o DNOCS atenda a todas as exigências supra mencionadas, a serem determinadas por este Juízo. 2. Para o Ministério Público Federal, todo o problema, que está afetando as comunidades adjacentes, decorre, em essência, da inviabilidade hídrica do projeto, em razão da utilização de águas oriundas não apenas do Reservatório de Santa Cruz do Apodi, mas também da Transposição do Rio São Francisco, o que gerou inconsistência técnica no EIA-RIMA e, portanto, no licenciamento. 3. A demanda foi julgada parcialmente procedente, tendo o Juízo de origem concluído pela viabilidade hídrica no projeto originário, uma vez que este foi dividido em duas etapas e, com relação à primeira, ao contrário do alegado pelo MPF, não haverá a utilização das águas provenientes da transposição do Rio São Francisco. Além disso, mesmo se a citada transposição, que está prevista para a segunda etapa, não ocorrer, o projeto não restará inviabilizado. Todavia, prosseguiu o Juízo de origem, conquanto o projeto originário fosse viável, ele precisa ser reavaliado, em decorrência do cenário de forte estiagem que se abateu sobre a região nos últimos anos. 4. Ao final, determinou-se ao DNOCS que elaborasse Relatório de Avaliação Ambiental - RAA sobre a obra do projeto de irrigação Santa Cruz do Apodi, com foco no impacto da estiagem sobre a viabilidade hídrica do projeto originário. Também foi determinado ao DNOCS que observe o Termo de Referência e o PRAD elaborados pelo IDEMA, tomando as providências que se fizerem necessárias para a recuperação da área degradada, bem como busque a outorga do direito de uso dos recursos hídricos junto ao IGARN, a fim de regularizar o projeto também junto a este último. Os pedidos de paralisação das obras e suspensão dos recursos foram rejeitados. Entretanto, o IDEMA, à vista do quanto constatado pelo Relatório de Avaliação Ambiental - RAA, a ser elaborado pelo DNOCS, bem como de acordo com as ações deste último, no sentido de recuperar a área degradada, no exercício de suas funções, poderá determinar novas providência e, inclusive, se assim concluir, também a paralisação temporária das obras. 5. O Ministério Público Federal apelou, ocasião em que insistiu que a instrução processual deixou claro que, em razão das estiagens e da situação volumétrica do Reservatório de Santa Cruz do Apodi, até mesmo a primeira etapa do projeto já depende da transposição das águas do Rio São Francisco. Para o recorrente, o EIA-RIMA é contraditório, pois, em um primeiro momento, diz que o perímetro irrigado, na primeira etapa, não depende da transposição, porém, no Capítulo 3, diz que o mencionado reservatório somente tem capacidade para atender um terço da área a ser irrigada e, mesmo assim, somente até o ano de 2020. 6. O Departamento Nacional de Obras contra a Seca, por sua vez, apresentou recurso adesivo, oportunidade em que alegou que o Relatório de Avaliação Ambiental - RAA não seria medida adequada para o caso, uma vez que é instrumento destinado para a análise de situações fáticas já consolidadas. Afirma que esse tipo de instrumento, complexo e custoso, tem objetivo de promover o diagnóstico ambiental de área em que já se encontre implantada determinada atividade, o que não é o caso. Além disso, é destinado também à descrição dos novos empreendimentos ou ampliações, identificação e avaliação do impacto ambiental e medidas mitigadoras a serem adotadas, considerando a introdução de outros empreendimentos. De todo modo, prosseguiu, conforme consta da petição apresentada pelo DNOCS (id. 4058401.3033386), foi especificado que o projeto seria executado de forma compartimentada, de modo que não haveria danos quanto ao acesso aos recursos hídricos. 7. Por fim, o DNOCS alegou que a retomada de suas atividades, nos termos em que postos pela sentença, trará como condição necessária a renovação das licenças antes expedidas pelo IDEMA, oportunidade em que a autarquia com competência licenciadora (LC 140/11) poderá indicar todas as medidas que entender não apenas oportunas, mas também normativamente imprescindíveis, e que deverão ser realizadas pela autarquia federal (caso não desbordem, obviamente, dos comandos legais (art. 37, caput, CF). Dessa forma, melhor que fosse determinado à entidade licenciadora que indicasse as complementações que se façam necessárias para fins de renovação ou emissão de licenças ambientais. 8. Em suas razões finais, o MPF, autor da ação, concluiu que a maior parte dos fatos reputados como ilícitos pela inicial foram sanados, como aqueles relacionados aos aspectos históricos, sociológicos, arqueológicos, recuperação da área degradada e controle do uso de agrotóxico, tendo remanescido, contudo, a questão alusiva à viabilidade hídrica. 9. Em suma, na visão do Ministério Público Federal, a controvérsia envolvendo o projeto do perímetro irrigado Santa Cruz do Apodi remanescente, decorre, em essência, da sua inviabilidade hídrica, em razão da necessidade de utilização de águas oriundas não apenas do Reservatório de Santa Cruz do Apodi, mas também da Transposição do Rio São Francisco, o que gerou inconsistência técnica no EIA-RIMA e, portanto, no licenciamento. 10. Em tais termos, a questão controvertida central é a seguinte: saber se o projeto do perímetro irrigado Santa Cruz do Apodi tem, ou não, viabilidade hídrica. 11. Segundo o MPF, a instrução processual deixou claro que, em razão das estiagens e da situação volumétrica do Reservatório de Santa Cruz do Apodi, até mesmo a primeira etapa do projeto já depende da transposição das águas do Rio São Francisco. Para o recorrente, o EIA-RIMA é contraditório, pois, em um primeiro momento, diz que o perímetro irrigado, na primeira etapa, não depende da transposição, porém, no Capítulo 3, diz que o mencionado reservatório somente tem capacidade para atender um terço da área a ser irrigada e, mesmo assim, somente até o ano de 2020. 12. O apelante reforça seus argumentos dizendo que, no documento de fls. 61/69, o próprio DNOCS afirma que a implantação definitiva do projeto não ocorrerá sem a utilização das águas do Rio São Francisco. Ressalta também que há parecer do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Apodi corroborando esse quadro de inviabilidade hídrica, que é agravado devido às estiagens. 13. Todavia, a sentença recorrida fiou-se na licença concedida pelo órgão estadual competente, o IDEMA, a qual foi feita à vista do EIA-RIMA apresentado pelo DNOCS, documento que atesta a viabilidade hídrica do projeto, uma vez que este foi dividido em duas etapas e, com relação à primeira delas, ao contrário do alegado pelo MPF, não haverá a utilização das águas provenientes da transposição do Rio São Francisco. Além disso, tais documentos revelam que, mesmo se a citada transposição, que está prevista para a segunda etapa, não ocorrer, o projeto não restará inviabilizado, uma vez que o perímetro a ser irrigado adéqua-se às possibilidades hídricas. 14. Quando o MPF se contrapõe ao EIA-RIMA, contudo, não se baseia em prova técnica conclusiva a respeito de suas apontadas inconsistências, o que teria o condão de desautorizá-lo, bem como a subsequente licença ambiental concedida pelo IDEMA. A irresignação do MPF reside apenas na interpretação dos termos em que redigidos o EIA-RIMA, apontando-lhe contradições argumentativas e lacunas. 15. Ainda que antes da concluída a instrução processual, porém enfrentando os mesmos argumentos trazidos na apelação ora em julgamento, este TRF alcançou a mesma compreensão constante da sentença: "Nesse exame prefacial, os estudos do EIA/RIMA são claros a respeito do suporte de água para essa primeira etapa do projeto de irrigação, a previsão de águas do Rio São Francisco é apenas para as suas etapas posteriores. Ademais, mesmo com o pior dos prognósticos - transposição não concluída em tempo hábil - há outras formas de contornar a eventual falta de água, ainda que a um custo mais elevado, como a perfuração de poços, já que no subsolo da Chapada do Apodi se encontra considerável aquífero. Ou seja, ainda que a transposição não seja concluída, o projeto de irrigação da Chapada do Apodi não estará, necessariamente, inviabilizado, razão pela qual não há se falar em desperdício de dinheiro público." (AG n.º 0801942-67.2014.4.05.0000, relator o Desembargador Federal Geraldo Apoliano, julgado no dia 24/07/2014) 16. Dessa maneira, correta a sentença ao valorizar positivamente os documentos apresentados pelo DNOCS e pelo IDEMA, confiando em suas conclusões para a resolução desta complexa questão ambiental. 17. Com relação ao recurso adesivo do DNOCS, ressalte-se que, segundo o art. 5.º da Resolução CONAMA nº 23, de 7 de dezembro de 1994, o Relatório de Avaliação Ambiental - RAA é documento que deve ser elaborado pelo empreendedor, contendo diagnóstico ambiental da área onde já se encontra implantada a atividade, descrição dos novos empreendimentos ou ampliações, identificação e avaliação do impacto ambiental e medidas mitigadoras a serem adotadas, considerando a introdução de outros empreendimentos, apresentando-se, portanto, como instrumento adequado para o caso em questão. 18. Pelo que se constata, há desnecessidade, no momento, de determinação ao DNOCS de elaboração de Relatório de Avaliação Ambiental. A retomada das atividades pelo DNOCS trará como condição necessária a renovação das licenças antes expedidas, oportunidade em que a autarquia com competência licenciadora poderá indicar todas as medidas que entender não apenas oportunas, mas também normativamente imprescindíveis. Quando da retomada da obra, o IDEMA, verificando a necessidade de complementação dos estudos já apresentados, seja quanto ao RIMA, seja quanto ao PRAD, poderá solicitá-los. 18. Por fim, o pedido do DNOCS, no sentido de que, em vez de permitir ao IDEMA que, dentro de sua competência licenciadora (
LC 140/11), indique todas as medidas que entender oportunas, bem como aquelas normativamente imprescindíveis, seja determinado a ele que apenas indique as complementações que se façam necessárias para fins de renovação ou emissão de licenças ambientais já existentes, deve ser acolhido. 19. Apelação do MPF improvida e recurso adesivo provido.
(TRF-5, PROCESSO: 00016974320134058401, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 06/10/2020)