AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS ESTÁTICOS. SERVIÇO DE GEOLOCALIZAÇÃO.
MARCO CIVIL DA INTERNET NÃO VIOLADO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. CASO CONCRETO. EXTRAPOLAÇÃO DA DECISÃO DE QUEBRA DE SIGILO EM FACE DE NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NÃO OBSERVADO IN CASU. NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO. RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA.
I - Nos termos da jurisprudência consolidada nesta eg. Corte, cumpre ao agravante
... +810 PALAVRAS
...impugnar especificamente os fundamentos estabelecidos na decisão agravada.
II - De acordo com o entendimento consolidado no col. Supremo Tribunal Federal, "os direitos e garantias individuais não tem caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição" (MS n. 23.452/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 12/5/2000).
III - Na hipótese vertente, observa-se que a determinação judicial rechaçada, em parte, se referiu a dados estáticos antes coletados (registros de geolocalização), relacionados à identificação de usuários que operaram em área delimitada e por intervalo de tempo indicado. Tal situação configura apenas quebra de sigilo de dados informáticos estáticos e se distingue das interceptações das comunicações dinâmicas em si, as quais dariam acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário.
IV - O tema já foi enfrentado por esta Corte Superior, vejamos: "Na espécie, a ordem judicial direcionou-se a dados estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários em determinada localização geográfica que, de alguma forma, possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de investigação por crimes de homicídio.(...) A determinação do Magistrado de primeiro grau, de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, (...) A quebra do sigilo de dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados (...) Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei:
a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros (...)
Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas (...)" (RMS n. 62.143/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 8/9/2020).
V - Convém registrar que a quebra de sigilo em tela foi decretada por decisão judicial devidamente fundamentada, após pedido expresso da autoridade competente, no seio de investigação formal, tendo, como referência, fatos concretos relacionados ao suposto cometimento de crime grave.
VI - Na situação exposta, a r. decisão de origem foi clara ao delimitar tempo e espaço, nos seguintes termos: "a quebra de sigilo de dados telemáticos dos usuários que tenham utilizado os serviços da empresa G B I L e G LLC num raio de 500 metros das coordenadas geográficas Latitude 21 o 35 ´42.6 ´S e Longitude 41 o. 28 ´36.9 ´ ´W no período abrangido entre 10:00hs e 14:00hs do dia 09/05/2020 (...)" (fl. 112).
VII - Contudo, a r. decisão acima extrapolou os limites do entendimento firmado por esta Corte Superior, ao determinar o acesso amplo e irrestrito aos seguintes dados, verbis:"1) que seja dado acesso amplo e irrestrito dos e-mails vinculados aos aparelhos identificados. 2) Que seja fornecido o conteúdo do G. 3) Que seja fornecido o conteúdo do G fotos (incluindo os respectivos metadados - geomarcação). 4) Que seja fornecido o conteúdo do G D. 5) Que seja fornecida a lista de contatos. 6) Que seja fornecido o histórico de localização, incluindo os trajetos pesquisados no g m, w ou outros que importem a função GPS. 7) Que sejam fornecidas as consultas (pesquisas) realizados pelo usuário (s) do dispositivo. 8) Por fim, que sejam relacionadas as contas do G P, incluindo APPs baixados (downloads) ou comprados, lista de desejos, pessoas e informações das eventuais contas" (fl. 112).
VIII - Trata-se de matéria recentemente enfrentada pela Sexta Turma desta Corte Superior, em julgado no qual foi assentada a tese de que dados que refletem informações íntimas (como o acesso irrestrito a fotos e conteúdo de conversas), quando a ordem de quebra de sigilo se voltar a universo indeterminado de pessoas, devem ser afastados desta possibilidade (AgRg no RMS 59.716/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/8/2021).
IX - Importante, contudo, sedimentar que a ordem in casu foi dirigida a provedor cuja relação é regida pelo Marco Civil da Internet, o qual não prevê, dentre os requisitos que estabelece para a quebra de sigilo, que a decisão judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada facilmente por outros meios (arts. 22 e 23 da Lei n. 12.965/2014). Entretanto, o referido fundamento não subsiste nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida privada de pessoas não comprovadamente relacionadas à investigação criminal (AgRg no RMS 59.716/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/8/2021).
Agravo regimental conhecido e parcialmente provido para reconsiderar a decisão monocrática anterior. Segurança concedida em parte para determinar a limitação da quebra de sigilo de dados aos IPS e Device IPs dos eventuais usuários que ingressaram na área e momento delimitados à fl. 112.
(STJ, AgRg no RMS n. 68.119/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 28/3/2022.)