PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DO
ART. 325,
§ 2º, DO
CÓDIGO PENAL E
ART. 10 DA
LEI N. 9296/1996. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DE AGENTE PÚBLICO PELA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO NO PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. INVIABILIDADE DE IMPUTAÇÃO AO ENTE FEDERATIVO DE ATO CRIMINOSO APURADO. CONFLITO DE INTERESSES.
AUSÊNCIA DE REGULARIDADE FORMAL. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. Aplicando-se a teoria dos poderes implícitos, reiteradamente aplicável pela jurisprudência
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...pátria, cuja origem remete ao julgamento do caso McCulloch versus Maryland pela Suprema Corte americana, em 1819, ao atribuir explicitamente à advocacia pública a representação dos entes da federação, implicitamente, incluiu de forma concomitante em seu rol de atribuições a defesa da conduta dos agentes públicos.2. Nos termos da teoria do órgão, a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõe, por meio da desconcentração administrativa. Nessa perspectiva, corolário da teoria do órgão é a teoria da imputação volitiva, cuja consequência é a imputação da vontade do órgão público à pessoa jurídica correlata. Os entes federativos manifestam, pois, sua a vontade por meio de órgãos públicos. Por sua vez, os órgãos públicos são plexos de atribuições, que, por não serem dotados de estrutura biopsicológica, são integrados pelos agentes públicos, nos termos da teoria eclética para caracterização do órgão público. Por conseguinte, a atuação administrativa dos agentes públicos, por integrarem os próprios órgãos públicos, manifestam a própria vontade do ente federativo, o que possibilita alcançar a atribuição implícita de atuação da Advocacia Geral da União na defesa de atos dos agentes públicos imputados à União e demais entidades descentralizadas de direito público.3. A Advocacia-Geral da União foi, pois, legalmente autorizada a representar judicialmente os titulares e membros dos três Poderes da República, bem como os ocupantes de cargos de direção e assessoramento superiores, quanto aos atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regimentais, nos termos art. 22 da Lei n. 9.028/1995, com a redação dada pela Medida Provisória n. 2.216-37, de 31.8.2001.4. A atuação da advocacia pública restringe-se aos casos em que os atos a serem defendidos vinculam-se estritamente ao exercício das atribuições constitucionais, legais e institucionais dos agentes públicos, caso em que há interesse público em fazê-lo, porquanto a conduta é imputada ao próprio ente federativo. Nesses casos, possível a defesa até mesmo na hipótese em que se discute a própria legalidade do ato praticado pelo agente, porquanto em seu favor milita presunção de legalidade. Importante perceber que o ato, em si, não é definido como ilícito pelo ordenamento, ou seja, a validade do ato administrativo será definida pela sindicabilidade judicial, motivo pelo qual possível a defesa do ato pela advocacia pública, desde que não seja flagrantemente contrário ao interesse público. Precedentes.5. Se a conduta realizada pelo agente é, de per si, violadora do ordenamento jurídico, sendo definida, pois, como antinormativa, não há falar em interesse público na defesa do ato. Na esfera penal, mesmo nos crimes não funcionais, a conduta criminosa imputada é invariavelmente desatrelada do interesse público primário, haja vista este se satisfaz com a incidência do devido processo legal na resolução das questões da materialidade da conduta imputada e da autoria no processo penal, e não na defesa do imputado para melhora em sua situação jurídica, temas estes que invariavelmente se vinculam ao interesse unicamente pessoal do agente, afinal, a responsabilidade penal é pessoal por excelência.6. Por sua vez, nos crimes violadores de bens jurídicos atrelados à Administração Pública, conquanto o agente atue no contexto do exercício da função pública ou em razão dela, ao ser imputado ao agente público um crime funcional, não resta dúvida que a conduta foi realizada fora do plexo de atribuições que lhe é conferida, portanto, inviável a imputação volitiva da conduta ao Estado. Nesse caso, a defesa realizada pela advocacia pública do servidor implicaria evidente conflito de interesses para a Administração Pública, porquanto se trata de interesse unicamente pessoal do agente público, e não público primário, até porque, para que este existisse, pressupor-se-ia o teratológico reconhecimento da responsabilização penal do Estado por atos de seus agentes, flagrantemente contrários aos interesses estatais, o que é repelido, inclusive, no âmbito do direito internacional penal, hipótese em que recai sempre sobre o indivíduo a culpa, como indica o art. 1º, c/c o art. 25, 2, ambos do Estatuto de Roma (Decreto 4.388/2002).7. In concreto, ao recorrente, servidor de carreira da Controladoria-Geral da União, são imputados os crimes tipificados nos arts. 325, § 2º, do Código Penal e 10 da Lei n. 9.296/1996, quando, à época, exercia o cargo em comissão de Assessor Especial de Controle Interno do Ministério da Educação. Ainda, vê-se ter sido imputado ao réu a prática do crime de violação do sigilo funcional qualificado, porquanto a sua conduta resultou dano efetivo à Administração Pública. Indubitavelmente, não há interesse público na defesa da suposta conduta de divulgação de informações acobertadas por sigilo, que teria comprometendo parcialmente a eficácia e acarretado retardamento da investigação sigilosa, denominada "Operação Sinapse". Vislumbra-se unicamente o interesse público na apuração do fato imputado, não na defesa do réu imputado, a qual não ultrapassa a esfera de interesse pessoal do agente público.
Destarte, mostra-se ilegal a representação processual do réu pela Advocacia Geral do União, motivo pelo qual o agravo regimental deve ser inadmitido por falta de regularidade formal.
8. Agravo regimental não conhecido.
(STJ, AgRg no RHC 48.222/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 24/02/2017)