ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
ART. 203,
V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E
ART. 20 DA
LEI 8.742/1993. DEFICIÊNCIA COMPROVADA. AUTOR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA DE NATUREZA ORTOPÉDICA QUE O IMPEDE DE UTILIZAR O BRAÇO DIREITO. MISERABILIDADE COMPROVADA. LAUDO SOCIOECONÔMICO APONTA VULNERABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL. COMPROVADOS OS REQUISITOS PARA A PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. DEFERIDA A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA REQUERIDA PELA PARTE AUTORA EM CONTRARRAZÕES. RECURSO DO INSS DESPROVIDO.
Trata-se de recurso interposto pelo
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...INSS de sentença que julgou procedente o pedido de benefício assistencial.
Alega a autarquia, em suma, que o autor não é pessoa com deficiência, de maneira que não é viável a concessão do benefício. Assinala o que segue:
"(...) no presente caso, o pedido de benefício assistencial foi indeferido pelo INSS pelo fato do autor não atender ao critério de deficiência para acesso ao BPC-LOAS.
Segundo o laudo pericial judicial, o autor seria portador de INCAPACIDADE TOTAL e PERMANENTE para o exercício de quaisquer atividades profissionais desde o nascimento, uma vez que a lesão irreversível ocorreu durante o parto.
Ocorre que a conclusão pericial não guarda relação com a realidade, eis que o autor trabalhou no período de 06/12/2017 a 02/10/2018, como se observa no extrato CNIS encartado aos autos.
Como pode o autor estar totalmente incapacitado para o labor desde o parto, se trabalhou por quase um ano? Diante da inconsistência do laudo pericial, não resta comprovada a deficiência exigida para a concessão da benesse assistencial, merecendo reforma a r. sentença.".
Requer o provimento do recurso, para que seja rejeitado o pedido formulado na inicial.
A parte autora em contrarrazões, pleiteia a antecipação da tutela recursal.
É o que cumpria relatar.
O benefício de prestação continuada está previsto no art. 203, inciso V, da Constituição de 1988, e foi regulamentado pelo art. 20 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), consistindo na garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. São requisitos para a sua concessão: de um lado, sob o aspecto subjetivo, a deficiência ou a idade, e de outro lado, sob o aspecto objetivo, a incapacidade de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por seus familiares (miserabilidade).
Pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo, assim considerado aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, §§ 2º e 10 da Lei 8.742/93).
Nos termos do art. 20, §3º: "Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo". O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 567985/MT, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, dessa disposição. Entendeu-se que é possível a aferição da miserabilidade a partir de outros critérios, com atenção para as Leis 10.836/2004, 10.689/2003, 10.219/01 e 9.533/97, que estabeleceram critérios mais abrangentes para a concessão de outros benefícios assistenciais.
O art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03, determina que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família idoso não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. O STF reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, para o fim de estender os efeitos da norma aos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos (RE 580963/PR).
Atualmente, a LOAS expressamente autoriza a utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade (art. 20, §11, introduzido pela Lei 13.146/15). Nesse sentido, o critério que deve nortear o exame do requisito econômico é o da efetiva necessidade do auxílio (TNU, PEDILEF 2008709500006325). Por isso mesmo, a presunção de miserabilidade que decorre do enquadramento no critério da renda per capita do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 pode ser afastada por outros elementos de prova (TNU, PEDILEF 50004939220144047002, representativo de controvérsia).
A propósito da alegada deficiência, consta do laudo pericial o seguinte:
"DA CONCLUSÃO PERICIAL:
Periciando de 22 anos, baixo nível de escolaridade, trabalho rural e portador de atrofia e encurtamento do membro superior direito com total ausência dos movimentos do antebraço, mão e dedos causados por lesão do plexo braquial (feixe de nervos) durante o parto. O periciando tentou iniciar a vida profissional na zona rural aos 18 anos devido à necessidade de subsistência, porém, por não reunir as condições físicas necessárias para desempenhar minimamente as suas funções após dez meses de registro na CTPS foi demitido. A avaliação física pericial aponta como certa a INCAPACIDADE TOTAL e PERMANENTE para o exercício de quaisquer atividades profissionais desde o nascimento, uma vez que a lesão irreversível ocorreu durante o parto."
No caso em exame, considerando os apontamentos do laudo, o histórico laboral do autor, que apenas exerceu atividade de natureza braçal (rurícola), seu grau de instrução (primeiro grau incompleto) e sua condição socioeconômica, verifica-se que há impedimento de longo prazo, de natureza física, capaz de obstruir a participação plena e efetiva do autor na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Diante disso, o Juízo de origem considerou preenchidos os requisitos para a concessão do benefício ao autor, assinalando o que segue:
"A prova técnica, produzida em juízo sob o crivo do contraditório e por profissional equidistante das partes, é clara e induvidosa a respeito do quadro de saúde da parte autora, prevalecendo sobre os atestados de médicos particulares e sobre parecer da autarquia previdenciária.
Resta, assim, analisar o requisito objetivo - renda (art. 20, § 3º, I da Lei n. 8.742/93, com redação dada pela Lei 13.982/2020).
Vale ressaltar que o critério de ¼ do salário-mínimo não é absoluto. O Plenário do STF declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que o referido critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. A Corte Suprema afirmou que, para aferir que o idoso ou deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20. (STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18.04.2013).
O legislador, de forma acertada, encampou o entendimento jurisprudencial acima e, por meio da Lei nº 13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Além disso, por força da pandemia decorrente do coronavírus (Covid-19), foi incluído na LOAS o art. 20-A, segundo o qual " o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário mínimo" (Incluído pela Lei n. 13.982/2020).
Nesse contexto, extrai-se do laudo social que o grupo familiar é formado pelo autor e sua companheira, os quais residem em imóvel cedido pela sogra, composto de quarto, sala e cozinha. A construção encontra-se inacabada: não há reboco nas paredes, piso no chão, rede elétrica adequada, janela no banheiro, ou seja, extrema precariedade de habitalidade e moradia do autor e companheira.
A renda familiar é formada exclusivamente pelo valor que a companheira obtém com o trabalho eventual de faxineira, no importe aproximado de R$ 250,00 por mês. O casal recebe auxílio da sogra para sobreviver.
Por sua vez, as despesas mensais somam R$ 497,00 e referem-se à água (R$ 37, 00), energia elétrica (R$ 110,00) e supermercado (R$ 450,00).
Em sua conclusão, asseverou a Assistente Social ser visível a situação de vulnerabilidade social, miserabilidade na vida do autor e a falta de apoio social, saúde e Politicas Publicas que lhe dê a garantia dos seus direitos preservados enquanto cidadão.
Destarte, comprovada a deficiência e a hipossuficiência econômica, o autor faz jus à concessão do benefício assistencial a partir de 20.11.2019, data do requerimento administrativo.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido , com resolução do mérito (art. 487, I do CPC), para condenar o réu a implantar e pagar ao autor o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 203, V da Constituição Federal, e instituído pela Lei n. 8.742/93, com início em 20.11.2019, data do requerimento administrativo."
Do exame dos autos, constata-se que todas as questões discutidas no recurso foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau.
Diante disso, devem ser adotados, neste acórdão, os fundamentos já expostos na sentença recorrida, a qual deve ser mantida, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.
O Supremo Tribunal Federal, em sucessivos julgados (cf. ARE 736.290 AgR/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJE 15/08/2013; AI 749.969 AgR/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 08/10/2008; AI 749.963 AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJE 24/09/2009), afirmou que a regra veiculada pelo art. 46, da Lei n. 9.099/95, não infringe o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o dever de fundamentação das decisões judiciais (arts. 5º, LIV, LV, 93, IX, da Constituição da República de 1988), se "a jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente motivada" (AI 651.364 AgR/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJE 25/09/2008).
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso interposto pela autarquia.
Presente a probabilidade do direito alegado, bem como o perigo de dano, em face do caráter alimentar do benefício, antecipo os efeitos da tutela para determinar a implantação do benefício no prazo de 30 dias. Oficie-se ao INSS para cumprimento.
Condeno a autarquia ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do
art. 55 da
Lei n. 9.099/95, os quais restam fixados em 10% do valor da condenação.
É o voto.
(TRF 3ª Região, 15ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, 16 - RECURSO INOMINADO - 0000091-50.2020.4.03.6344, Rel. JUIZ(A) FEDERAL FABIO IVENS DE PAULI, julgado em 23/03/2021, e-DJF3 Judicial DATA: 30/03/2021)